A urgência em alcançar a descarbonização total obrigou governos, comunidade científica, empresas e muitas outras partes interessadas a olharem para além dos benefícios mais imediatos e a procurarem soluções para descarbonizar atividades difíceis de descarbonizar. Com isto em mente, vários estudos estimam que o hidrogénio e os seus derivados podem representar até 25% da utilização final de energia, em 2050. Neste artigo, falamos sobre o que é o hidrogénio renovável, as oportunidades que estão na base da sua implementação e os desafios que enfrenta. Abordamos também a forma como a EDP se está a posicionar para agarrar esta oportunidade de futuro.
O que é o H2 renovável?
Atualmente, estima-se que o mercado global de H2 existente seja de cerca de 120-180 b$. Como comparação, o mercado das energias renováveis tem um valor estimado de cerca de 800-1000 b$. Em 2022, a indústria de H2 produziu quase 95 Mt de hidrogénio, a maioria dos quais em instalações de produção locais dedicadas a processos de refinação e amoníaco. Com cerca de 83% deste hidrogénio a ser produzido a partir de combustíveis fósseis sem captura de carbono, a indústria do hidrogénio foi responsável por quase 2% do total das emissões globais de carbono. No entanto, com a necessidade de descarbonização e o crescente potencial de utilização do hidrogénio noutras aplicações, é provável que este cenário se altere.
O hidrogénio tem a capacidade de apoiar a descarbonização de vários setores, incluindo transportes, indústria pesada e produção de energia, uma vez que a sua combustão ou utilização em células de combustível não resulta na emissão de dióxido de carbono (CO2). Mesmo que algumas utilizações energéticas constituam um desafio técnico para a utilização direta do hidrogénio, a produção de produtos derivados do hidrogénio, como o amoníaco, o metanol ou o combustível de aviação sustentável, pode ser uma opção.
À medida que o nosso planeta se debate com a necessidade urgente de enfrentar as alterações climáticas e de fazer a transição para um panorama energético mais sustentável, tem início a corrida para conseguir produzir hidrogénio a larga escala e com uma pegada de carbono limitada. Embora existam várias tecnologias para produzir hidrogénio, que dependem de uma variedade de vetores energéticos, o hidrogénio renovável tem vindo a ganhar força como a melhor opção, prometendo revolucionar os nossos sistemas energéticos, descarbonizar as indústrias, apoiar o desenvolvimento económico e mitigar os desafios ambientais que enfrentamos.
Mas o que é, de facto, o hidrogénio verde? Na sua essência, o hidrogénio renovável é o gás produzido através de um processo chamado eletrólise, que utiliza eletricidade renovável, como a energia eólica ou solar, para dividir as moléculas de água em hidrogénio e oxigénio. Ao contrário dos métodos tradicionais de produção de hidrogénio, que dependem principalmente de combustíveis fósseis como o gás natural, o hidrogénio renovável é produzido com um mínimo de emissões de carbono. Mesmo em comparação com o chamado hidrogénio azul, produzido a partir de gás natural com captura e armazenamento de carbono (CSS), espera-se que o hidrogénio renovável tenha menos impactos ambientais. Isto torna-o um vetor de energia limpa e sustentável com um enorme potencial para impulsionar a transição para um mundo neutro em termos de carbono.
"O hidrogénio renovável oferece um caminho para reduzir significativamente as emissões de carbono em vários setores."
Quais são as oportunidades?
O principal motor da implementação do hidrogénio renovável é a necessidade urgente de combater as alterações climáticas. Com o aumento das temperaturas globais e as crescentes preocupações com o impacto ambiental dos combustíveis fósseis, a transição para fontes de energia com baixo teor de carbono tornou-se imperativa. O hidrogénio verde oferece um caminho para reduzir significativamente as emissões de carbono em vários setores, alinhando-se com os objetivos climáticos internacionais delineados em acordos como o Acordo de Paris.
Mas a adoção do hidrogénio renovável traz vários benefícios que justificam a atenção que lhe está a ser dada. Uma das razões imperiosas para adotar o hidrogénio renovável é o reforço da independência e da segurança energética. Os recursos energéticos renováveis estão mais bem distribuídos do que os combustíveis fósseis, permitindo que qualquer país produza parte das suas necessidades de hidrogénio, reduzindo assim a dependência externa dos combustíveis fósseis. Além disso, ao diversificarem os países de onde importam, as nações podem reforçar a sua resiliência energética e mitigar os riscos geopolíticos associados a interrupções no fornecimento de energia, como o caso da guerra na Ucrânia tão bem nos demonstrou.
A economia de hidrogénio verde representa também uma oportunidade económica significativa. Tem um potencial para criar milhões de postos de trabalho em toda a cadeia de valor, muitos dos quais nos países onde é consumido, desde a produção de energias renováveis e de hidrogénio, até ao desenvolvimento de infraestruturas e atividades de investigação e desenvolvimento. Além disso, os países que se posicionarem como líderes no domínio do hidrogénio renovável poderão beneficiar de oportunidades de exportação e de crescimento económico.
Com isto em mente, mais de 52 países lançaram estratégias de H2, estando outros em preparação. As estratégias visam apoiar o desenvolvimento desta nova indústria, estabelecendo metas ambiciosas, propondo a regulamentação necessária, implementando mecanismos de apoio e detalhando passos concretos em toda a cadeia de valor para permitir a sua implantação (desde a produção de eletricidade renovável, fabrico de equipamento, implantação de projetos, transporte e armazenamento de H2 e utilização). As estratégias baseiam-se nas condições naturais que cada país possui e nas suas necessidades atuais e futuras.
Enfrentar grandes desafios
Embora os potenciais benefícios do hidrogénio renovável sejam vastos, a sua adoção generalizada não está isenta de desafios. O primeiro é a falta de historial tecnológico. Apesar de ser um processo com mais de um século de história, a eletrólise, o processo utilizado para produzir hidrogénio verde, ainda não está desenvolvido para uma capacidade de produção em grande escala. Isto é particularmente verdade para a maioria dos fabricantes de eletrolisadores, que ainda não tiveram a oportunidade de produzir as suas tecnologias a grande escala e por longos períodos de tempo. As implicações desta situação são numerosas, incluindo a falta de capacidade de produção, a baixa eficiência dos eletrolisadores e a incerteza quanto ao seu funcionamento ao longo do tempo (tempo de vida, degradação, condições de funcionamento).
Outro desafio é no que diz respeito à intensidade energética da produção de hidrogénio verde. Com os atuais preços elevados da eletricidade renovável, e a sua menor competitividade em comparação com a utilização direta de combustíveis fósseis, esta acaba por ser uma das principais componentes de custo para a produção de hidrogénio renovável.
Além disso, a inexistência de uma infraestrutura robusta para o armazenamento, transporte e distribuição de hidrogénio inibe o desenvolvimento de grandes centros de produção em áreas com acesso a eletricidade renovável abundante, mas com baixa procura de hidrogénio.
Por último, embora estejam a ser feitos progressos significativos no estabelecimento de um quadro regulamentar completo e de mecanismos de apoio para a criação de um mercado do hidrogénio, existem ainda várias incertezas quanto à aplicação de muitos aspetos regulamentares.
Em última análise, todos estes desafios resultam num custo de produção muito mais elevado para o hidrogénio verde quando comparado com os combustíveis fósseis ou o hidrogénio gerado a partir de combustíveis fósseis. A redução do custo através de avanços tecnológicos (por exemplo, redução de materiais essenciais e melhorias de eficiência), economias de escala e aumentos significativos da capacidade de produção de energia renovável, sem esquecer as questões relativas à utilização dos solos e à integração na rede, é essencial para a sua competitividade. Além disso, é necessário estabelecer quadros regulamentares e fiscais justos, baseados no princípio do poluidor-pagador, a fim de garantir condições equitativas entre o hidrogénio renovável e as alternativas baseadas em combustíveis fósseis.
O que se segue?
Nunca é demais sublinhar a importância do hidrogénio renovável na construção de um futuro sustentável e neutro em termos de carbono. O hidrogénio representa uma ferramenta poderosa para lidar com as alterações climáticas, aumentar a segurança energética e promover o crescimento económico. Embora existam desafios significativos, os esforços concertados dos governos, das indústrias e da comunidade de investigação estão a impulsionar a inovação e o progresso.
À medida que se avança, é crucial dar prioridade aos investimentos em tecnologia de hidrogénio renovável, por oposição a soluções baseadas em combustíveis fósseis, apoiar quadros políticos que incentivem a sua adoção e promover a colaboração internacional para criar uma economia global de hidrogénio verde. Com determinação e uma ação coletiva, podemos aproveitar o potencial do hidrogénio renovável para construir um mundo mais limpo, mais resiliente e sustentável para as gerações vindouras.
Principais desafios
Capacidade de fabrico de eletrolisadores
A maioria dos fabricantes de eletrolisadores tem um historial limitado, dificultando a capacidade de fornecer equipamento à escala e a tempo, o que traz incerteza ao mercado em termos de custos, desempenho e datas de entrega.
Imaturidade da tecnologia
A maioria das tecnologias só foi comprovada em pequena escala e não possui um historial que permita aos fabricantes de equipamentos fornecer garantias sobre o desempenho do equipamento durante o seu funcionamento (tempo de vida, degradação da eficiência, condições de funcionamento, entre outros).
Atrasos e regulamentação pouco clara
Apesar dos avanços positivos emvárias regiões no quadro regulamentarrelativo ao hidrogénio renovável,subsistem várias questões sobre a suaaplicabilidade, incluindo as condiçõesem que a produção de hidrogénio podeser elegível para determinados apoiosou a aplicação concreta dos requisitosde consumo de hidrogénio.
Inflação e preços da eletricidade elevados
O recente contexto energético eeconómico resultou no aumentodos custos do equipamento e nodesenvolvimento de capacidadeadicional de eletricidade renovável,bem como no aumento dos preços daeletricidade em geral, o que exerce umapressão significativa sobre o custo dohidrogénio renovável em comparaçãocom os custos das alternativasbaseadas em combustíveis fósseis.
Objetivos e iniciativas globais
As estratégias de H2 atualmente lançadas exigiriam mais de 200 GW de eletrolisadores para atingir os objetivos de 2030, com diferentes regiões a seguirem diferentes abordagens com base nas suas condições naturais e nas necessidades previstas de hidrogénio
Europa
A União Europeia estabeleceu metas ambiciosas para o hidrogénio renovável, com o objetivo de se tornar um líder mundial neste domínio. Projetos como a Aliança Europeia para o Hidrogénio Limpo e a o Hydrogen Valleys Partnership estão a impulsionar a inovação e o investimento. Ao nível da UE, existe o objetivo de consumir 20 milhões de toneladas de hidrogénio renovável até 2030, das quais 10 milhões de toneladas seriam produzidas internamente e as restantes importadas de outras regiões. Para promover esta adoção, foram estabelecidos compromissos para a utilização de hidrogénio renovável e seus derivados nos setores da indústria e dos transportes. Ao nível nacional, a Alemanha lançou o programa H2Global (orçamento inicial de 900 milhões de euros), destinado a importar amoníaco, metanol e combustíveis sintéticos. Os Países Baixos reservaram 7,5 mil milhões de euros de financiamento para o H2, dos quais 5,1 mil milhões de euros para projetos onshore e 1,8 mil milhões de euros para projetos offshore. O Reino Unido dispõe de vários mecanismos de apoio ao H2, como o Net Zero Hydrogen Fund, no valor de 240 milhões de libras, e o Hydrogen Production Business Model.
América do Norte
Nos Estados Unidos, o Departamento de Energia (DE) lançou a iniciativa Hydrogen Energy Earthshot, com o objetivo de reduzir os custos de produção de hidrogénio limpo para 1 dólar por quilograma no prazo de uma década. Para apoiar a adoção do hidrogénio verde no país, o DE estabeleceu o objetivo de consumir 10 milhões de toneladas de hidrogénio limpo até 2030, apoiará a produção limpa até 3 dólares por quilograma através do US IRA (Inflation Reduction Act) e distribuirá até 7 mil milhões de dólares para estabelecer centros regionais de hidrogénio limpo. Em resposta ao IRA dos EUA, o Canadá anunciou que irá permitir um ITC (crédito fiscal ao investimento) para o hidrogénio de 15 a 40% sobre o equipamento de produção de H2; espera atribuir um orçamento de 5,6 mil milhões de dólares canadianos nos próximos 5 anos e de 12,1 mil milhões entre 2028 e 2035; bem como estabelecer outras medidas de descarbonização que também apoiam o H2 (preço do CO2, regulamentação sobre combustíveis limpos).
Ásia
Países como o Japão e a Coreia do Sul estão a investir fortemente em infraestruturas de hidrogénio verde, com o objetivo de importar hidrogénio como fonte de energia limpa. O Centro de Investigação de Energia de Hidrogénio de Fukushima, no Japão, é um exemplo disso. O Japão tem uma das estratégias mais antigas em matéria de H2 e reviu-a recentemente, aumentando o fornecimento de H2 de 2 Mt para 3 Mt até 2030 (revisão prevista para 12 Mt até 2040), bem como estabelecendo parcerias internacionais para assegurar a importação de H2 e amoníaco (Austrália, Médio Oriente e outros países da Ásia). H2 A aposta da EDP no hidrogénio verde O mercado do hidrogénio renovável representa um dos eixos de crescimento para a EDP, visando captar o crescimento do setor em função dos objetivos de descarbonização que estão a ser definidos, suportados pelo aumento de competitividade esperado ao longo desta década. Com a criação da Unidade de Negócio H2 (H2BU), a EDP pretende reforçar a sua capacidade de resposta às necessidades crescentes deste mercado, quer se trate de eletricidade renovável ou do próprio hidrogénio renovável, de uma forma estratégica e transversal que promova o investimento em energias renováveis.
Outras regiões
A abundância de recursos energéticos renováveis no Médio Oriente, na Austrália e na América do Sul levou a planos para projetos de produção de hidrogénio renovável em grande escala, com a intenção de exportar hidrogénio para mercados internacionais. No caso do Médio Oriente e da Austrália, esta é uma forma de manter as suas indústrias de exportação de energia, enquanto na América do Sul é vista como uma forma de promover o desenvolvimento económico.