04 Jul 2021
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"Portugal foi um dos primeiros países do mundo a assumir o compromisso da neutralidade carbónica até 2050".

Patrícia Fortes, Investigadora na Universidade Nova de Lisboa

Qual o potencial do hidrogénio verde no sistema energético nacional até 2050? Foi esta a questão central de um estudo conduzido pelo Center for Environmental and Sustainability Research), da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa (FCT/NOVA) em colaboração com o UNIDEMI (centro de investigação do Departamento de Engenharia Mecânica e Produção industrial da FCT/NOVA) e a EDP. A investigadora Patrícia Fortes apresenta algumas das conclusões.

Já se fala do potencial do hidrogénio há muitos anos, mas só agora o tema parece estar a ganhar tração. O que aconteceu de novo?

Tem sobretudo que ver com a necessidade urgente da mitigação carbónica. A sociedade civil e a decisão política estão mais abertas a este tema e perceberam, finalmente, a mensagem que os cientistas têm vindo a transmitir. Agora tornou-se claro que as consequências podem ser catastróficas se não fizermos nada. Os estudos demonstram que temos de reduzir drasticamente as emissões de gases de efeito estufa, de forma a minimizar esses impactos. E, nesse sentido, todas as opções de mitigação, incluindo o hidrogénio, têm de ser consideradas. 
Um outro aspeto muito importante tem que ver com a redução dos custos. Há dez anos, o preço do solar era quase 90% superior ao atual, também a energia eólica sofreu uma redução relevante. O facto de ter havido uma redução muito significativa do preço das renováveis faz com que a produção de hidrogénio verde se tenha tornado cada vez mais competitiva e atrativa.

Conduziu um estudo promovido pela EDP Produção para analisar o impacto do H2 no sistema eletroprodutor em Portugal. Que grandes conclusões decorrem desse estudo?

Este estudo tinha como objetivo avaliar o papel do H2 no sistema energético nacional num cenário de neutralidade carbónica, até 2050, considerando o seu custo-eficácia (porque existem outros fatores que podem promover ou não o H2, que nós não analisámos). 
O que o estudo concluiu é que o hidrogénio é um vetor importante na descarbonização nacional. Foram simulados vários cenários, e só para ter uma ideia, em 2050, o custo médio de redução de CO₂ aumenta 1.5 vezes, quando o H2 não é uma opção disponível. A par com outras estratégias de descarbonização, da eficiência energética às renováveis, o hidrogénio vai ter um papel importante. Por exemplo, assumindo apenas a utilização do H2 só para o sistema energético nacional, sem considerar qualquer exportação, em 2030, o hidrogénio pode contribuir até 2% do consumo de energia final, e, em 2050, pode ser 18% associado a um custo de produção de cerca de 3 euros por kilograma de H2 em 2030 e 2 euros por kilograma em 2050.

Será possível alcançar as metas para a descarbonização sem o H2?

Sem este vetor energético há um aumento do custo médio de descarbonização. O nosso estudo conclui que, em 2050, chegamos a um custo médio de cerca de 280 euros por tonelada de CO₂, e, como referi, este valor pode aumentar 1.5 vezes sem a presença do H2. Ou seja, será possível, mas com um custo muito mais acentuado. 

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Hidrogénio: uma peça fundamental para a neutralidade carbónica

Num mundo dependente de combustíveis fósseis, o hidrogénio (H2) tem um papel fulcral para acelerar essa mudança e se atingir a descarbonização da economia.

água e hidrogénio

E o que pode ser feito para implementarmos esse sistema?

Considerando apenas o sistema nacional, sem exportações, significa que teremos de instalar eletrolisadores, que é a solução que no nosso estudo surge como a mais eficaz. A capacidade instalada de eletrólise deve crescer desde 0.5 GW em 2030 até 4.5 GW em 2050. O papel do H2 na descarbonização do transporte pesado de mercadorias e passageiros nacional será muito relevante sendo necessário criar condições para o surgimento de novas frotas a fuel-cell, nomeadamente o desenvolvimento de infra-estruturas de abastecimento. Também não podemos descurar o papel do hidrogénio na descarbonização nas indústrias consumidoras de calor de elevada temperatura sobretudo quando as metas de descarbonização se tornarem cada vez mais restritivas e próximas da neutralidade carbónica. E, mais uma vez, é necessário criar condições para que essas indústrias tenham capacidade para realizar tais investimentos. O estudo não se debruçou nas políticas e instrumentos necessários para implementar um ‘sistema de H2’, apenas qual a configuração custo-eficaz ótima desse sistema em Portugal.

Como antevê o uso final do Gás Natural com a entrada do H2? O que acontecerá às infraestruturas existentes? 

O que se fala muito é na introdução do hidrogénio na rede de gás. A estratégia nacional do H2 até tem valores bastante acentuados nesse aspeto. Para nós ainda não é 100% claro, qual a percentagem máxima em que o H2 pode ser incorporado na rede de transporte de gás ou qual o investimento necessário para reconverter essa rede de gás para permitir o transporte do hidrogénio. É algo que requer um estudo muito aprofundado. Há diferentes especialistas no assunto, com diferentes perspetivas. Há quem diga que por a nossa rede de transporte de gás ser uma das mais recentes da Europa, existe essa possibilidade e não é necessário um retrofitting muito profundo; e há quem diga que não, porque existem limitações associadas ao embrittlement do H2 com o aço. 

É possível que estes ativos se tornem ociosos no futuro?

É possível que sim ou alternativamente, bastante discutido, utilizar essa rede de gás para a injeção de gases renováveis como biogás ou injetar metano sintético produzido através de hidrogénio verde. É uma possibilidade para prolongar a utilização da rede de gás sem as emissões associadas ao gás natural.

Patrícia fortes

Faz realmente sentido usar o H2 para armazenamento e geração de eletricidade?

No nosso estudo esta opção não se revelou custo-eficaz porque todo o processo de utilizar eletricidade para gerar hidrogénio, armazenar e depois transformar novamente o hidrogénio em eletricidade é muito menos eficiente do que utilizar diretamente a eletricidade. Mas este resultado pode também ser uma limitação da nossa ferramenta de modelação que não simula o balanço entre oferta e procura ao nível horário ou ainda com maior resolução temporal, o H2 pode ter um papel importante na gestão da rede, na sua flexibilidade. A literatura aponta para que o H2 possa ser uma alternativa no armazenamento, especialmente porque as baterias, por exemplo, só conseguem fazer um armazenamento temporário, enquanto que o hidrogénio pode permitir um armazenamento de longo prazo. 

Concebe um sistema eletroprodutor assente apenas em geração renovável? Em que prazo?

No longo prazo, acredito que sim. Será necessário para atingir uma descarbonização tão acentuada. Eu não sou eletrotécnica, mas quero acreditar que será possível após 2030. Se não for 100% renovável, ficará próximo disso. Obviamente, vai ter de haver um grande suporte em armazenamento, em baterias e, também, na bombagem. Tem de haver uma flexibilidade na rede muito acentuada, é necessária uma reconversão para as chamadas redes inteligentes. As interconexões de eletricidade entre países, no nosso caso entre Portugal e Espanha e posteriormente com o resto da Europa também contribuirão positivamente para uma eletricidade 100% renovável.
 

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A literatura aponta para que o H2 possa ser uma alternativa no armazenamento, especialmente porque as baterias, por exemplo, só conseguem fazer um armazenamento temporário, enquanto que o hidrogénio pode permitir um armazenamento de longo prazo. 

Patrícia Fortes, Investigadora na Universidade Nova de Lisboa

Em que setores será eficaz o uso do H2?

Fala-se muito, por exemplo, ao nível internacional do papel do H2 para a indústria como feedstock para produção de amoníaco e de ferro e aço, descarbonizando estes setores. Mas o que se passa atualmente em Portugal é que não produzimos ferro e aço primário, e também já não produzimos amoníaco. Obviamente, poderíamos equacionar cenários que não foram tidos em conta no nosso estudo, como o ressurgimento dessa indústria. Poderá vir a ser uma estratégia nacional no futuro, mas vai para além daquilo que nós equacionámos e sabemos.

Como acha que Portugal se pode posicionar perante os parceiros europeus nesta senda da descarbonização? Somos de facto um exemplo?

Portugal foi um dos primeiros países do mundo a assumir o compromisso da neutralidade carbónica até 2050. Depois de nós, vários outros definiram esta meta, inclusive a própria União Europeia. Se olharmos para os Planos de Energia-Clima dos diferentes estados-Membros também verificamos que Portugal tem uma das mais ambiciosas metas do consumo de energia renovável para 2030. E, portanto, assumindo que estas metas serão cumpridas, somos um exemplo positivo. O primeiro passo foi dado, mas apenas definir metas não é suficiente, temos de criar medidas e instrumentos eficazes para as atingir.