31 Mar 2022
5 min

Para aqueles que há não muito tempo sonhavam com cidades cheias de carros voadores nos anos 2000, a chegada ao presente milénio pode ter sido uma pequena desilusão.

Em 2020 não se olha para o futuro próximo como um tempo de ruturas completas no campo da mobilidade; o que mudará são essencialmente as formas como usamos os transportes que já conhecemos. E, qualquer que seja o veículo, está claro que o futuro é elétrico.

As metas europeias planeiam o fim das emissões de gases com efeito estufa (GEE) ligados aos carros e carrinhas para 2035 e a paulatina diminuição do preço dos veículos elétricos aponta para um futuro próximo em que o carro a combustão interna vai ser substituído pelo carro elétrico. No entanto, perspetivam-se menos carros nas estradas.

Os números da chamada mobilidade suave e os benefícios que várias cidades e governos em todo o mundo têm vindo a oferecer aos que a adotam ajudam a tirar esta conclusão. As bicicletas, trotinetas ou scooters elétricas vão tornar-se um hábito na concretização do chamado last mile.

Uma realidade multimodal foi uma promessa do passado e é já hoje possível. Mas a tecnologia vai permitir que seja de facto adotada em força nas cidades para que todos os transportes públicos ou partilhados se conjugarem sem barreiras e de forma integrada, por exemplo, através de um mesmo cartão ou da mesma app.

Segundo a Technavio, o last mile enquanto setor das entregas vai crescer 16% por ano até 2025 e inclui a entrega através de robots, como drones, com recurso a tecnologias de mapeamento das cidades.

Carros que andam sozinhos

Retirar o condutor da equação vai certamente reduzir os custos (e expetavelmente o preço) das entregas e das compras online. O mesmo se pode dizer das empresas de transportes de passageiros que funcionam através de plataforma eletrónica (TVDE). O carro vai perder o condutor e a tecnologia do carro autónomo já existe e é uma grande tendência para o futuro. Um TVDE poderá vir até ao utilizador depois de ser chamado pela aplicação, através de um sistema de georeferenciação, e o seu custo será, por se excluir a mão-de-obra, menor.

O carro autónomo não se fica pelos TVDE, será uma realidade para as famílias que tenham automóvel e nas empresas de carros partilhados: as vantagens de fazer longas viagens enquanto se vêem filmes ou se conversa com os outros condutores são inegáveis e quando somamos a isto a implementação da economia partilhada para os carros, este veículo deixa de ter associados os custos de manutenção, limpeza ou estacionamento.

Há já no mercado alguns níveis de autonomia dos veículos — desde os democratizados sensores de estacionamento, à capacidade de estacionar tendo o condutor apenas como um assistente dessa operação. Um dos mais recentes sistemas, o Cadillac’s Super Cruise, permite o chamado hands-off — quando exista uma autoestrada mapeada.

Nesse cenário, o condutor não precisa, em teoria, de executar nenhuma função (daí o hands-off ou hands-free) mas tem de manter-se obrigatoriamente atento à estrada e estar preparado para intervir. O sistema pode, através da monitorização dos olhos do condutor ou de toques do condutor no volante confirmar que o condutor se mantém atento.

O desenvolvimento de sistemas com maiores níveis de autonomia é uma realidade, mas não nas estradas. As legislações de vários países colocam ainda questões a um carro que se move plenamente sem condutor, além de ser necessária a tecnologia 5G, ainda a entrar em alguns países. O caminho no sentido da autonomia é, no entanto, tão inegável como a tendência da economia partilhada.

O futuro é a partilha

Esta lógica de carro partilhado vai mudar as cidades: menos trânsito e menos espaço ocupado por estacionamento e carros parados. A diferença estará sobretudo na eficiência do uso do carro elétrico. A lógica do condutor-proprietário do automóvel leva a que, atualmente, um carro passe 95% do tempo parado. A economia de partilha trazida pelas plataformas digitais (e que se estende a outros veículos) promete inverter esta percentagem e os carros passarão 95% a andar.

Novos combustíveis

Com todas as novas formas de usar, no fundo, os mesmos transportes, a mobilidade concretizará muito em breve o seu desígnio elétrico. Surgem também novas hipóteses de combustíveis, como o hidrogénio, que se posiciona como uma provável opção para alimentar carros e comboios — há testes a decorrer em França e, em Portugal, a Universidade do Porto e a CP desenvolveram uma parceria parceria para pôr hidrogénio a circular na linha do Vouga. No entanto, a eletricidade verde veio para ficar.

Os veículos elétricos podem inclusive tornar-se a chave para uma flexibilização e estabilização da rede que será imprescindível num cenário de total dependência das energias renováveis e de consumo incrementado de eletricidade. As baterias dos carros poderão ser autênticos armazéns ambulantes de energia, prontos para abastecer as zonas de baixa tensão e maior densidade populacional: o centro das cidades.

Num mercado liberalizado de fornecimento de energia elétrica, algumas empresas tradicionalmente fabricantes de automóveis começam a entrar pelo fornecimento de energia. A Volkswagen, por exemplo, está a desenvolver este serviço com maior foco na alimentação dos veículos, através da sua marca Elli.

Todos estes elementos fazem parte da revolução ACES (autonomous, connected, electrified and shared) que modelam um futuro não muito distante.