A eletricidade saiu de casa.
Deixou de correr apenas nas paredes dos edifícios e passou a alimentar a forma como nos movemos. A mobilidade elétrica não se limita ao automóvel, tem muito mais potencialidades para alavancar uma mudança sistémica quando bem planeada, mostrando ser uma das chaves indispensáveis a um futuro mais verde. A tecnologia evoluiu e o mercado desenvolveu-se e, hoje, os transportes movidos a eletricidade são competitivos — não só em preço.
Autonomias que duram por vários dias
Segundo um estudo da Volvo, 58% dos consumidores norte-americanos não compra um carro elétrico por medo de ficar sem bateria no meio do nada, antes de conseguir chegar ao seu destino; 65% dos condutores de carros elétricos dizem sentir essa ansiedade nos primeiros tempos que conduzem um carro elétrico, um sentimento que se desvanece nos meses seguinte, diz o mesmo estudo.
Esta questão encontra resposta na autonomia dos carros e nas infraestruturas de carregamento. Quanto às autonomias, as respostas são animadoras — e serão mais ainda no futuro, já que este parâmetro da mobilidade elétrica não deixa de ser melhorado. Há uma década, o primeiro carro 100% elétrico a ser comercializado em larga escala ganhava o título de Carro Europeu do Ano com 160 quilómetros de autonomia. Atualmente, não há fabricantes que comercializam carros com menos de 300 quilómetros de autonomia e 500 quilómetros começa a ser cada vez mais vulgar — sendo que estas métricas crescem e já se encontram vários modelos que podem ser guiados por 600 quilómetros sem necessidade de recarregar baterias.
Estes valores de autonomia já conseguem ser eficazes para utilizadores que fazem habitualmente viagens de grandes distâncias, mas há muito que o carro 100 por cento elétrico se adapta perfeitamente a viagens dentro da cidade, ou entre casa e o trabalho. Um estudo conduzido na Europa, em vários países e por várias instituições europeias, revelou que oito em cada 10 condutores europeus faz menos de 100 quilómetros por dia — aliás, seis em cada dez fazem menos de 50 quilómetros diariamente.
Ao eletrificar a mobilidade — sobretudo quando falamos de um carro privado ou mesmo da frota de uma empresa — está em causa uma mudança na forma como se olha a autonomia do veículo. No caso dos carros com motor de combustão interna não se associa comumente o depósito cheio à quantidade de quilómetros que o carro é capaz de fazer. É uma questão que se coloca hoje em relação ao carro elétrico, em parte, porque a infraestrutura de carregamento está ainda a ser implementada um pouco por todo o mundo.
Morte anunciada do motor de combustão interna
Em 2020, modelos plug-in e elétricos representaram 4,6% de todas as vendas de carros no mundo. Pode parecer um número insignificante, mas há que notar a inexistência de infraestrutura em muitos países em desenvolvimento e a evolução deste número face a 2019 — a venda de plug-in representava nessa altura 2,5 % do mercado mundial. O passo está a acelerar de tal maneira que se espera que, no final de 2021, as vendas destes carros tenham crescido 98%, segundo a EV Volumes. Isto vai significar que estarão 6.4 milhões destes veículos nas ruas.
Na Europa, os carros elétricos (incluindo os plug-in) representaram 14% das vendas entre janeiro e junho de 2021 — no mesmo período de 2020, representaram 7%.
Algumas regiões estão particularmente avançadas. “A Noruega é um exemplo incontornável na eletrificação da mobilidade e no papel que os Estados podem ter para forçar a mudança. Neste país calcula-se que em abril de 2022 será vendido o último carro com motor de combustão interna”. O exemplo é dado por Henrique Sanchez, Presidente da Associação de Utilizadores de Veículos Elétricos (UVE). O também presidente da UVE nota que este caminho já vem sendo feito há vários anos: enquanto um dos maiores produtores de petróleo a nível mundial, a Noruega emprega os fundos do petróleo na transição energética, tem apenas eletricidade verde proveniente, sobretudo, de energia hídrica. Em setembro de 2020, 93 por cento dos carros vendidos neste país eram híbridos plug-in ou 100 por cento elétricos; 73 por cento do total eram totalmente elétricos.
No mesmo mês, em Portugal, os números também mostram um acelerar da procura por esta forma de mobilidade: 25 por cento dos veículos vendidos foram elétricos (a 100 por cento ou plug-in); é previsível que o ano feche com um valor global de 17 por cento do total das vendas.
A criação de leis e de programas estatais de incentivo a esta transição tem-se mostrado essencial. As zonas do globo que lidera a eletrificação da mobilidade — Europa, Estados Unidos, Canadá, China e Japão — têm incentivos fiscais a esta mudança. A União Europeia é um exemplo expressivo disto mesmo, já que em plena pandemia aprovou um pacote de 20 mil milhões de euros para o apoio à venda de veículos elétricos e para a instalação de carregadores elétricos e a hidrogénio. Além dos apoios financeiros, a legislação tem o poder de direcionar o mercado: a União Europeia já decidiu que, a partir de 2035, não haverá à venda, no seu território, carros com motor de combustão e um acordo de juntou 32 países e algumas grandes empresas mundiais (entre elas a EDP) está em linha com esta meta.
Uma rede de carregadores a cobrir a Europa
Este salto para a mobilidade elétrica como forma preferencial de deslocação, praticamente exclusiva, só será possível com uma rede de carregamento pública forte. Apesar das autonomias estarem a crescer e de a maioria dos carregamentos ser feita, por todo o mundo, em casa ou no trabalho, a rede de carregamento no espaço público ou de acesso público será sempre a indispensável segurança à transição para o carro elétrico.
A evolução no espaço europeu mostra como o crescimento da frota elétrica e a expansão das infraestruturas públicas podem ser simbióticas. Em menos de dez anos, entre 2011 e 2020, o aumento dos carregadores públicos foi de 84 por cento: há neste momento mais de 200 mil carregadores em todo continente e, em média, 19 postos de carregamento rápido por cada 100 quilómetros de autoestrada. Há muita estrada para andar, no entanto.
A Comissão Europeia estima que, em 2030, sejam precisos cerca de três milhões de carregadores públicos — 15 vezes mais do que o número atual. Recentemente, a Shell anunciou o projeto de instalar 50 mil carregadores elétricos na rua, até 2025. São cerca de 90 por dia. Para atingir as metas de descarbonização, tendo por base o Green Deal Europeu, serão necessários em Portugal 53 mil carregadores públicos até 2049. Atualmente há quatro mil e, portanto, seria necessário instalar cerca de 16 por dia para completar o objetivo. Fazendo o mesmo exercício em Espanha, onde há menos carregadores públicos por habitante, seria necessário instalar 60 por dia, já que a cobertura ideal seria de 200 mil carregadores e atualmente existem apenas oito mil.
Perante estes números “há a questão da operacionalização: é essencial caminhar para uma instalação mais simples e rápida dos carregadores”, diz Pedro Miguel Ferreira, da EDP Inovação. Este é ainda um trabalho complexo e prepara-se para transformar a paisagem da cidade. “Os carregadores são mais um elemento do mobiliário urbano e devem evoluir para, cada vez mais, estarem adaptados às dinâmicas urbanas — esta é uma altura decisiva para entender, por exemplo, em que sítios devem estar estes novos elementos”, continua Pedro Miguel Ferreira.
Além do espaço público — as ruas, parques, estacionamentos públicos, por exemplo, que muitas vezes não podem ser impactados pela presença dos carregadores — algumas áreas privadas de acesso público podem apresentar-se como uma solução. A EDP tem 1100 postos de carregamento em Portugal — foi o player que mais cresceu em 2020 — e a maioria destes postos fazem parte de parcerias com espaços privados, como os parques de estacionamento Saba, ou os parques de restaurantes como a McDonalds, KFC, Burger King, hotéis como os Vila Galé ou Pestana.
As parcerias da EDP vão, no entanto, muito além disto. Vão ao desenvolvimento de soluções de carregamento com fabricantes automóveis, como a Hyundai, Mercedes, Opel, Volvo e Smart; à eletrificação de frotas de TVDE e de empresas de aluguer de automóveis. As empresas estão a sair do seu lugar tradicional na cadeia de valor — as marcas de automóveis, por exemplo, começam a pensar em mobilidade partilhada e elas próprias a oferecer soluções de carregamento, porque é este ecossistema que permite, nacional e internacionalmente, não só a mudança para uma mobilidade de futuro, mas também uma rede com opções de carregamento integradas.
O carregamento inteligente
É nesse sentido que as soluções de carregamento são também um caminho da EDP, que não é, na mobilidade elétrica, um simples fornecedor de energia. As parcerias com fabricantes e stands automóveis permitem que o carregamento seja integrado — faça-se em casa, no trabalho ou num posto da rede pública Mobi.E — a partir do momento em que se tem um cartão CEME, associado a um contrato de fornecimento de energia.
Em todo o mundo, a maioria dos carregamentos é feita ou em casa ou no trabalho. As razões são simples: é mais económico e mais prático. Estima-se que cerca de 20 por cento dos carregamentos seja feito na rede pública, especialmente durante longas viagens. Os hábitos face ao carregamento do veículo próprio mudam com eletrificação da mobilidade: os condutores deixam de se deslocar a um local para abastecer o carro e, ao invés disso, aproveitam os momentos em que o carro está parado para o carregar.
Em casa, o carregamento é mais barato, sobretudo quando se adoptam opções de smart charging, que favorecem o carregamento em horas de energia mais barata, e que são essenciais para uma utilização eficiente da rede nos meios urbanos, já que é nestas zonas que a rede é mais sensível. Ter vários veículos em carregamento nas horas de maior operação de um edifício pode exceder a potência disponível.
O investimento em formas de carregamento que conjugam todas as necessidades de uma cidade, sem exceder a potência disponível é cada vez maior. Uma forma de começar a fazê-lo é por exemplo através de aplicações de gestão de carregamentos, como a app EDP EV. Charge. Nesta aplicação para smartphone reúnem-se todas as hipóteses de carregamento — rede pública, casa e trabalho — para que a passagem de umas para as outras não seja burocrática nem complicada. Imprescindível para uma utilização inteligente dos carregamentos é a possibilidade de iniciar e terminar o carregamento remotamente através desta app, fazendo assim uma gestão dos consumos.
Há ainda soluções que ajudam a gerir os carregamentos em empresas e condomínios, com os mesmos objetivos de um carregamento inteligente. No portal dos condomínios da EDP EV. Charge os vizinhos de um mesmo prédio podem carregar uma wallet para transferir para a conta do condomínio o valor do carregamento imediatamente. Uma função semelhante para empresas, que podem escolher assim cobrar o carregamento aos seus funcionários.
Mobilidade elétrica além do carro
Mas quando pensamos em transporte elétrico, não falamos apenas de carro. E a pandemia da Covid-19 sublinhou uma tendência que já antes de 2020 se vinha desenhando. O ano do boom das bicicletas — não só das bicicletas manuais, mas também elétricas, que conseguem estender consideravelmente o número de quilómetros que um utilizador está disposto a pedalar.
Os estudos mostram que “mesmo em municípios sem politicas publicas, há mais pessoas a andar a pé e de bicicleta”, avança Bernardo Campos Pereira, arquiteto e investigador na área da mobilidade. Com a vontade de evitar transportes públicos, a impossibilidade de sair das grandes cidades em situação de confinamento e o desejo de incluir algum exercício físico nas poucas e rápidas saídas de casa, as bicicletas foram, para muitos, uma opção lógica.
As estradas vazias de carros trouxeram um novo sentimento de segurança aos ciclistas e a indústria comprova-o. Os fabricantes sofreram ruturas de stock e os componentes escassearam para ao aumento da produção. Segundo a consultora NPD Group, a indústria das bicicletas cresceu, nos Estados Unidos, em 2020, 75%. Vale hoje, em todo o mundo, 46.8 mil milhões de euros, segundo a GVR.
O incentivo à mobilidade suave não vem, neste momento, apenas deste apelo sentido pelos utilizadores, mas também das próprias cidades e da forma como se começam, um pouco por todo o mundo, a reorganizar para dar mais espaço às pessoas e menos aos carros. O conceito de mobilidade suave está intimamente ligado ao seu impacto nas dinâmicas das cidades — e no ambiente.
Consideram-se meios de mobilidade suave (também chamados micromobilidade ou mobilidade leve) aqueles que ocupam um menor espaço físico, são menos pesados, não emitem gases e cujas velocidades rondam os 45 km/h, como as bicicletas elétricas ou manuais, as trotinetas, as scooters elétricas, as motas e bicicletas partilhadas. Hoje já são indispensáveis nas grandes cidades e no que se apresenta como génese das smart cities do futuro.
Transporte público e verde
“A mobilidade ativa é a argamassa de um bom sistema de transportes públicos”, diz Bernardo Campos Pereira, arquiteto e especialista em planeamento e políticas de mobilidade urbana, que defende o uso da bicicleta e bicicleta elétrica partilhada para fazer a ligação ‘first mile’ e ‘last mile’ nas áreas urbanas de grande dimensão, entre casa e os diversos transportes públicos, e entre estes e o destino final. A bicicleta em si, convencional ou elétrica, já é a forma mais inteligente de mobilidade nos centros urbanos um pouco por todo o mundo. Também é uma das hipóteses mais ecológicas, se falarmos de transportes públicos elétricos. A bicicleta também é uma das melhores ferramentas contra o sedentarismo e os problemas de saúde que originam a falta de atividade física. As cidades que se estão a preparar para uma mobilidade mais inteligente, e que emite menos poluição, apostam, em primeiro lugar, em garantir boa infraestrutura para deslocar-se a pé e de bicicleta no tecido urbano e nos acessos às estações ferroviárias e interfaces de transporte público.
“Quando pensamos em autocarros elétricos, a China é a grande referência”, exemplifica Pedro Miguel Ferreira. Na cidade de Shenzhen, os autocarros foram de uma vez substituídos por versões elétricas e há hoje 16 mil — nenhum a motor de combustão interna. Este é o país com mais investimento da eletrificação dos autocarros, um projeto difícil pelas dimensões e peso do veículo. Atualmente, os mini-bus elétricos são uma aposta mais frequente no momento de eletrificar as frotas de transportes públicos. São, além disto, ideais para circular em algumas zonas mais restritivas da cidade e para executar percursos de bairro.
A eletricidade está há muito a alimentar os transportes públicos. Os elétricos, um transporte coletivo tradicional do início do século XX, é um bom exemplo disso. Por toda a Europa tem sido, nas últimas décadas, preferido ao autocarro com a vantagem de retirar trânsito das estradas, já que pode atravessar, em segurança, uma praça ou menos um relvado.
Se dentro da cidade os carris fazem o caminho para uma circulação com menos emissões, fora das grandes urbes ainda mais. O discurso da União Europeia é de forte aposta na ferrovia, tendo sido 2021 o ano europeu deste meio de transporte. Há razões de entusiasmo: 75 por cento dos comboios que circulam na Europa são elétricos e este é o transporte terrestre mais seguro — regista 0,1 mortes por mil milhões de passageiros por quilómetros são causadas por acidentes ferroviários.
O comboio foi o único meio de transporte que conseguiu reduzir, desde 1990, as emissões de carbono e hoje a União Europeia tem uma das redes ferroviárias mais longas e densas. Se a extensão desta rede consegue ligar um continente, a sua densidade é essencial para ligar as grandes metrópoles às cidades com que vivem em diálogo, só assim — e integrando com o andar a pé e de bicicleta nas áreas urbanas — se poderá tirar trânsito das estradas.
Nos transportes coletivos, num transporte privado e individual e num veículo leve a eletricidade veio indiscutivelmente para ficar. Não é apenas uma promessa para o futuro, está já a acontecer.
Menos trânsito, mais espaço para viver
Ao longo dos últimos anos, as cidades tornaram-se mais conscientes do impacto do trânsito no bem estar das pessoas e no ambiente. Arraste o ponteiro para ver o antes de depois de algumas avenidas e praças.
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