09 Mar 2022
6 min

A todas as horas, comercializadores e produtores compram e vendem energia no mercado ibérico. 

Quando carregamos no interruptor ou ligamos um aparelho elétrico à tomada, não pensamos de onde vem a eletricidade: ela simplesmente existe. Mas a verdade é que a energia passa por um longo (mas muito rápido) processo de transformação até chegar a nós. 

Tudo começa nas centrais de produção, que produzem a energia. Esta é, depois, transmitida às redes de transporte (de Muito Alta Tensão) que, por sua vez, a passa para as redes de distribuição (de Alta, Média e Baixa Tensão). 

Fluxo das redes de transporte e distribuição de energia
Esquema de distribuição de energia
Esquema de distribuição de energia

Mas recuemos um pouco mais nesta cadeia até ao início do processo de produção de energia. Tal como muitos outros bens e produtos, também a eletricidade é comercializada em mercados. No caso de Portugal e Espanha (que funcionam como um só), esse mercado é o MIBEL: Mercado Ibérico de Eletricidade. É aqui que praticamente todos os produtores e comercializadores dos dois países fazem as suas compras e vendas de energia. 

O MIBEL foi criado a 1 de julho de 2007, com o objetivo de integrar os sistemas elétricos de Portugal e Espanha, e, assim, trazer mais benefícios para os consumidores dos dois países. A criação do MIBEL representou uma convergência física, económica, legal e regulatória dos dois mercados e permitiu aos consumidores ibéricos adquirirem energia proveniente de qualquer produtor que atue em Portugal ou Espanha, tendo ainda a opção de contratualizar com um comercializador em regime de livre concorrência. Além disso, o MIBEL também assegura que todos os agentes dispõem das mesmas condições de igualdade de tratamento, transparência e objetividade no acesso ao mercado. 

Os preços da energia variam a todas as horas 

Na Península Ibérica, a energia é principalmente comercializada no mercado diário, que tem como objetivo realizar transações de eletricidade através da apresentação de ofertas de compra e venda, por parte de todos os agentes presentes no mercado, para as vinte e quatro horas do dia seguinte. Assim, todos os dias, às 12h, são estipulados os preços e as fontes de produção de energia para o dia seguinte. 

No caso do MIBEL (bem como todos os mercados Europeus), segue-se o modelo marginalista, em que os produtores de eletricidade fazem ofertas com base no custo marginal de produção (que inclui o custo com combustível, o custo das emissões, o custo variável de operação e manutenção e os impostos). Depois, todas essas ofertas são organizadas por ordem crescente. Já as ofertas dos comercializadores para a compra de energia são organizadas com base no preço de compra, por ordem decrescente. O preço de produção da energia para todos os produtores será o ponto de interceção entre a oferta e a procura, ou seja, o custo marginal de produção do último produtor que satisfaz a procura no período de licitação. 

Modelo de mercado marginalista das energias
Descrição do modelo de mercado marginalista das energias
Descrição do modelo de mercado marginalista das energias

A integração do mercado Ibérico trouxe benefícios aos consumidores 

Com certeza já ouviu a expressão “ir a Espanha comprar energia”. Contudo, é uma expressão incorreta. A verdade é que, uma vez que existe um único mercado ibérico, a produção e comercialização de eletricidade entre os dois países flui de forma natural. No caso da produção, por exemplo, o preço grossista é igual em cerca de 95% das horas, o que faz com que seja possível produzir energia de forma mais eficiente, utilizando-se as centrais - em Portugal ou Espanha - que, a cada hora, tenham o custo marginal mais baixo.   

É por este motivo que, por vezes, pode encontrar na sua fatura de eletricidade fontes de energia que já não existem em Portugal, mas existem em Espanha (como o carvão, cuja última central em Portugal fechou em 2021, ou a energia nuclear).   

Um parque de geração de eletricidade descarbonizado requer repensar o atual desenho de mercado 

As renováveis têm custos marginais de praticamente zero: por cada MWh a mais de energia produzida a partir do vento ou do sol, os custos marginais são quase inexistentes, pois tratam-se de fontes renováveis e inesgotáveis. No caso das hídricas com albufeiras, o racional é diferente pois existe um custo de oportunidade da água.

Deste modo, num modelo de mercado marginalista (como descrito acima), um forte aumento na produção de eletricidade renovável irá afundar o preço. Pensemos no seguinte cenário: os agentes produtores de energia colocam no mercado parques eólicos e solares suficientes para satisfazer a procura. O que irá acontecer é que o preço grossista da energia tenderá para zero e, por isso, os investimentos iniciais dos produtores nestas fontes de energia (que são essencialmente custos fixos e incluem, por exemplo, o desenvolvimento de tecnologia e a construção de parques) nunca irão ser pagos. 

É por isso que a descarbonização do setor elétrico, que tem como objetivo atingir a neutralidade carbónica antes de 2050, irá requerer um redesenho do atual modelo de mercado, de forma a atrair os investimentos necessários a um custo que seja competitivo. 

No caso da EDP, a energética conta com um portefólio de 75% de energia renovável, distribuída pelos 20 países onde está presente, e assumiu o compromisso de atingir os 100% já em 2030. 

Leilões ajudam a mitigar riscos de investimento 

Uma das formas que os governos encontraram para incentivar os produtores a investirem nas energias renováveis foram os leilões. O objetivo é garantir que o preço da energia se mantém estável durante, pelo menos, a maior parte do período em que o projeto estará ativo, uma vez que esta redução do risco irá atrair mais participantes ao leilão (aumentando assim a concorrência) e promover o financiamento destes projetos. 

Em Portugal, por exemplo, já foram realizados dois leilões de capacidade solar — um em 2019 e outro em 2020 —, tendo-se batido, em ambos, o recorde mundial de preço mínimo da energia solar. O investimento em renováveis maduras irá trazer, a longo prazo, grandes vantagens para os consumidores, desde logo porque conseguem poupanças significativas na fatura da eletricidade, mas também porque contribuem para um ambiente mais limpo e para a economia nacional, ao evitar importações de combustíveis fósseis. 

Aumento dos preços dos combustíveis fósseis faz disparar preços da energia 

São vários os fatores que influenciam a subida ou descida dos preços da eletricidade. Por exemplo, o aumento do preço dos combustíveis fósseis ou o aumento do preço do CO₂ são duas das principais causas para a subida dos preços grossistas. A título de exemplo, no final de 2021 o preço do gás esteve em máximos históricos, o que fez disparar os preços a que a eletricidade é comercializada no MIBEL (bem como em todos os mercados Europeus). Também uma eliminação progressiva da energia nuclear, uma queda da produção renovável (por exemplo, devido a menor hidraulicidade), um aumento da procura e subidas de impostos sobre os produtores fazem com que os preços subam. 

Variação do preço do gás nos últimos anos e variação do preço grossista no MIBEL
Variação do preço do gás nos últimos anos e variação do preço grossista no MIBEL
Variação do preço do gás nos últimos anos e variação do preço grossista no MIBEL

Em sentido inverso, o crescimento das fontes de energia renovável, o aumento da geração descentralizada (produção de energia renovável para autoconsumo) e o aumento da eficiência energética contribuem para a descida dos preços no MIBEL. Estas subidas e descidas de preço não são imediatamente refletidas nas faturas de eletricidade da maior parte dos consumidores, porque os comercializadores adotam estratégias de cobertura, adquirindo antecipadamente energia para um período alargado. 

E no caso do Brasil? 

O Brasil é um outro mercado onde a EDP também opera. Porém, o mercado da energia brasileiro funciona de forma bastante diferente do mercado europeu. No Brasil, a grande maioria da eletricidade é comercializada em leilões de longo prazo (por exemplo, 15 anos), o que faz com que haja maior estabilidade e previsibilidade de preços para os produtores. A curto prazo, existe o mercado de diferenças, onde os produtores, quando não têm capacidade para produzir, podem comprar a energia de que necessitam. Ao contrário do MIBEL, por onde passa praticamente toda a energia comercializada, neste mercado de diferenças é transacionada pouca energia, o que se traduz numa maior volatilidade de preços.