Os benefícios de uma mobilidade alimentada a anergia elétrica são inegáveis para um futuro em que toda a energia deve ser descarbonizada. Mas a mobilidade elétrica não é uma varinha de condão que vai melhorar o mundo quando for agitada. Há desafios para ultrapassar.
A mobilidade elétrica é uma porta para a descarbonização. Mas toda a atividade humana tem um impacto na natureza — especialmente aquela que é repetida e produzida em grande escala. A crescente eletrificação dos transportes enfrenta o aumento do consumo de eletricidade em zonas onde a tensão é tipicamente mais baixa.
A boa notícia é que está garantida a energia para uma transição energética total no setor dos transportes. “Há estudos feitos pela EDP mas também pela APREN — Associação Portuguesa das Energias Renováveis: o problema não é não haver energia, é a potência que está disponível. As cidades quando foram construídas tinham um núcleo habitacional central e um núcleo industrial na cintura da cidade. A potência está disponível nas zonas industriais”, explica Henrique Sánchez, fundador e presidente da Associação de Utilizadores de Veículos Elétricos (UVE).
Será impossível carregar todos os veículos ao mesmo tempo dentro de uma cidade: um carro elétrico significa, em energia e em potência, uma casa. Seria como duplicar o parque habitacional e a rede elétrica não foi dimensionada para isso.
Poupar rede com smart charging
Para gerir a rede existente é imprescindível o smart charging, que pode evitar reforços de larga escala na infraestrutura de distribuição. Resumindo, a rede recolhe dados sobre os abastecimentos e produção de energia e usa-os para contornar as suas fragilidades, distribuindo os carregamentos ao longo do dia e da noite.
Com os pontos de carregamento todos conectados a uma cloud, podem gerir-se de acordo com várias premissas e informação em tempo real: em que momento há maior disponibilidade de eletricidade gerada por fontes renováveis? Qual a zona de maior consumo? E a hora? Só uma utilização inteligente destes dados pode levar a um uso eficiente da energia.
Para o utilizador, pouco desta gestão é visível. Mesmo com o aparecimento de múltiplos fornecedores deste serviço no mercado, o processo de carrega-mento não tem barreiras: basta usar o cartão CEME, que identifica o fornece-dor de energia, e conectar o carregador ao carro. O sistema é, mais uma vez, inteligente, e o débito do valor do carregamento é feito pelo fornecedor de energia contratado pelo utilizador automaticamente — no seu país ou, por exemplo, pela Europa, graças a uma rede de roaming.
Cada carro, um armazém de eletricidade
À indisponibilidade de altas tensões nas zonas onde os utilizadores preferem carregar os seus veículos — em casa e no trabalho — acresce o facto de alguns dos parques industriais onde estão disponíveis as altas tensões estarem atualmente abandonados.
Essas zonas são boas hipóteses para a criação de hubs de carregamento com uma infraestrutura construída de raiz para o carregamento ultra-rápido e de larga escala — uma espécie de parques de estacionamento criados com o propósito de abastecer carros de energia e que, pela sua dimensão e potência, nunca poderiam estar na malha urbana. Neste cenário, o veículo elétrico ganha novas funções.
“Os veículos elétricos passam a ser os armazéns de eletricidade”, diz Henrique Sánchez, “têm a possibilidade não só de se carregar, mas também de entregar eletricidade a uma casa, uma loja, uma empresa. É uma revolução enorme”.
A EDP está já a testar esta nova geração de carregadores que podem, no futuro, ser importantes para apoiar a rede. O projeto V2G — Vehicle-to-Grid cri-ou carros com um fluxo de energia bi-direcional. O carro tanto é alimentado com energia elétrica (idealmente numa zona em que a rede está mais dispo-nível), como pode servir para alimentar outros sistemas elétricos — um edifício, por exemplo — nas horas de maior pressão sobre a rede. O carro vai, no fundo, conferir flexibilidade à rede, já que, através deste veículo, consegue viajar pelo território sobre rodas, sem a necessidade de uma infraestrutura elétrica.
Baterias sólidas no horizonte
Há outros impactos ambientais a considerar no carro elétrico. As baterias levantam há muito algumas questões quanto ao seu tempo de vida útil, quanto ao seu descarte seguro na natureza e à exploração de recursos naturais como o lítio.
A investigação está a encaminhar-se para um uso cada vez menor de metais como o cobre ou o alumínio, usados nas baterias de lítio. O futuro será feito não só de baterias mais verdes, mas também de eficiência energética.
No carro elétrico, a maior parte do peso deve-se à bateria. Se estas se tornarem mais leves, o carro ganha quilómetros de autonomia, uma vez que o esFforço com o seu próprio peso é menor.
“Não estou preocupado com o lítio porque as baterias de lítio serão muito brevemente passado”, diz Henrique Sánchez apontando para algumas investigações que já estão a dar frutos. Entre elas, destaca o trabalho de Helena Braga, da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto (FEUP), que recebeu o convite para trabalhar com o inventor das baterias de lítio, John Goodenough, da Universidade de Austin, do Texas.
Helena Braga está a desenvolver uma bateria sólida. “Se abrirmos a bateria de um Tesla, são sete mil pequenas pilhas cilíndricas ligadas em série”, específica Henrique Sánchez. “Como têm um eletrólito líquido, cada uma tem de ter um invólucro em aço. Se substituirmos pelo sólido — que é vidro, no caso concreto da professora Helena Braga, deixamos de ter necessidade do invólucro”, reduzindo-se significativamente, desta maneira, o peso da bateria.
Além deste exemplo, há outros. Fabricantes como a Volkswagen, a Tesla e a Toyota estão também a desenvolver baterias em estado sólido usando como eletrólito o sódio, um dos minerais mais abundantes na terra.
Neste momento, outro dos desafios das baterias prende-se com o seu curto tempo de vida num carro. “As garantias dadas pelos fabricantes estão entre os sete e os oito anos. As baterias perdem a autonomia de base mas podem, eventualmente, continuar úteis para muitos utilizadores: quando a autonomia de base são os 500 quilómetros, se perder 15% da bateria, mantém uma autonomia de 300”, diz Pedro Miguel Ferreira, da EDP Inovação.
Baterias merecem uma segunda oportunidade
Assumir este como o prazo de validade destas baterias seria um problema ambiental, mas há caminhos para uma segunda vida destas baterias: podem ser, aliás, essenciais para viabilizar uma rede elétrica de energias renováveis.
A reutilização para armazenamento de energia proveniente de energias renováveis é uma das hipóteses de segunda vida destas baterias mais exploradas neste momento. Um bom exemplo disso são as possibilidades que a EDP Labelec está testar: baterias estacionárias feitas a partir de outras anterioremente usadas em carros. A ideia é armazenar a energia produzida pelas fontes renováveis no momento em que a sua produção é mais intensa para que se possa usar essa energia verde quando não há vento ou sol, por exemplo.
"A segunda vida das baterias é um mercado que vai crescer muito. Uma bateria que chegou ao final da sua vida num carro server perfeitamente como bateria estacionária em casa."
Pedro Miguel Ferreira, EDP Inovação
"Os picos de produção de energia [pelas fontes renováveis] não correspondem exatamente os picos de consumo em casa", diz Pedro Miguel Ferreira, lembrando que a produção de eletricidade por fontes renováveis, como os painéis fotovoltaicos, é intermitente. As baterias, ao acumularem energia, vêm dar "estabilidade à rede", conclui.
Estamos a falar de um aumento do tempo de vida da bateria para 30 anos. potencialmente. "Ao fim deste tempo, ela pode ser reciclada a 95% - podemos abrir os módulos e as células para a partir daqueles componentes produzir novos", diz Henrique Sánchez. Este principio já é seguido, por exemplo, pela Tesla, que recicla todas as suas baterias, quando não pode dar-lhes uma segunda vida.