Transcrição do episódio 6: cidades sustentáveis

 

Podcast É Agora ou Nunca

Episódio 6: Cidades Sustentáveis

Informações:

Duração do áudio: 00:43:29

Convidados: José Manuel Viegas e Paulo Líbano Monteiro

Entrevistadora: Catarina Barreiros

Somos todos agentes de mudança. E juntos podemos transformar o mundo. É agora ou nunca! Um podcast EDP que discute o presente e procura soluções para um futuro mais sustentável.

Catarina Barreiros: Bem-vindos a mais um episódio do podcast “É Agora ou Nunca”, um podcast EDP sobre sustentabilidade. Hoje, vamos falar sobre cidades sustentáveis. Vamos perceber o que é isto de uma cidade poder ser sustentável, algumas boas práticas da sustentabilidade nas cidades e se são parecidas ou não com as cidades inteligentes. Temos connosco dois especialistas neste assunto. Temos, por um lado, José Manuel Viegas, formado em engenharia civil, pelo Instituto Superior Técnico, onde foi professor durante mais de 20 anos. Foi diretor nacional da área de sistemas de transportes do programa “MIT Portugal”, secretário-geral do “International Transport Forum”, da OCDE e fundador e CEO da TIS. Desde 2018, é ainda Presidente do Conselho de Ambiente e Sustentabilidade da EDP. Bem-vindo. Temos também connosco Paulo Líbano Monteiro, formado em eletrotecnia, também pelo Instituto Superior Técnico. Foi investigador no INESC durante quase uma década. Foi diretor da CASE e da Portabil, e entrou na EDP, onde, entre outros projetos, esteve ligado ao InovGrid. Em 2015, assumiu também o cargo de diretor de inovação e tecnologia da agora intitulada E-REDES. Bem-vindos a este podcast, sobre um tema…

José Manuel Viegas: Obrigado.

Catarina Barreiros: … sobre um tema tão…

Paulo Líbano Monteiro: Obrigado.

Catarina Barreiros: … importante para toda a gente que vive numa cidade, e não só. E queria, se calhar, começar pela pergunta que é a mais entusiasmante para quem nos está a ouvir. Qual é a diferença entre uma cidade sustentável e uma cidade inteligente?

José Manuel Viegas: Bom, a cidade sustentável, para ser sustentável pressupõe algum nível de inteligência por parte de quem a lidera, e de quem lá vive. Mas não necessariamente no sentido que, atualmente, se dá à cidade inteligente, que é cheia de high techs e coisas assim. Pronto. Uma cidade sustentável tem que ser uma cidade que se preocupa com o bem-estar dos seus habitantes atuais e dos habitantes futuros. E, por isso, tem que estar organizada em torno de equilíbrios ou pequenos desequilíbrios, às vezes, numa série de domínios. Uma cidade inteligente tem que tirar partido das tecnologias da informação para fazer uma série de processos, de maneira muito eficiente…

Catarina Barreiros: OK.

José Manuel Viegas: … as duas coisas não são… podem estar alinhadas, mas também podem estar desalinhadas. Eu posso ser muito eficiente a organizar coisas e ser muito pouco sustentável.

Catarina Barreiros: OK. Certo. Eficiência está na ordem do dia, mas…

José Manuel Viegas: A inteligência… aquilo que se fala da inteligência… essa é uma designação que tem muito de promoção por parte da indústria das tecnologias da informação. E que, portanto, pretende dizer que a cidade tem muito a ganhar com a nossa participação, e é verdade. Mas se for feita com essa dita inteligência, com essa sofisticação tecnológica, sem a preocupação da sustentabilidade, o resultado vai, com certeza, deixar muito a desejar.

Catarina Barreiros: Mas é possível ganhar com essa…?

José Manuel Viegas: É. Com certeza que é, vamos lá ver. Se for utilizada com a tal preocupação dos equilíbrios, numa série de domínios…

Catarina Barreiros: OK.

José Manuel Viegas: … ajuda, porque a eficiência… conseguimos fazer melhor as coisas com menos recursos.

Catarina Barreiros: Ok.

José Manuel Viegas: Pronto. Agora, é preciso que haja uma noção de propósito.

Catarina Barreiros: Certo.

José Manuel Viegas: A cidade inteligente, por si só, pressupõe instrumentos, mas não pressupõe objetivos.

Catarina Barreiros: Certo.

José Manuel Viegas: Ou melhor, tem um objetivo estreito de eficiência, mas não um objetivo coletivo de sociedade.

Catarina Barreiros: OK. Então, se calhar, pegando nesta pergunta, o que é que é então preciso para uma cidade ser sustentável? Pegando nestes objetivos e nesta inteligência necessária.

Paulo Líbano Monteiro: Se calhar, Catarina, antes de ir aí, só acrescentar o seguinte em relação àquilo que disse o professor. E, se calhar, dar um exemplo também para perceber um bocadinho esta…

Catarina Barreiros: Claro.

Paulo Líbano Monteiro: …o que é que difere da cidade sustentável, da cidade inteligente. Uma cidade… do ponto de vista da energia, da energia elétrica, uma cidade será sustentável se recorrer a fontes renováveis, fontes de energia renovável, para a eletricidade renovável e, portanto, garantem um recurso que não se esgota, que está sempre disponível agora para as gerações futuras. E, portanto, para ser sustentável eu diria que basta recorrer a energia renovável…

Catarina Barreiros: Hum-hum.

Paulo Líbano Monteiro: … agora, o toque da cidade inteligente acrescenta eficiência a este consumo de energia. E, portanto, se eu puder consumir menos energia, se eu puder consumir de uma forma diferente, que poupe investimento…

Catarina Barreiros: OK.

Paulo Líbano Monteiro: …então, o toque de inteligência que eu dou à parte da energia, de consumo de energia e produção de energia, traz este acréscimo de eficiência na…

Catarina Barreiros: Na gestão, não é?

Paulo Líbano Monteiro: …na gestão dos recursos, que é muito relevante na energia e em todos os recursos que a cidade consome.

Catarina Barreiros: OK.

Paulo Líbano Monteiro: Agora, o que é preciso… a pergunta: “O que é preciso para ser sustentável?”, eu diria que, nestas várias áreas que foram referidas, e quando falamos de uma cidade, falamos em muitas áreas: na área da mobilidade, na área da habitação, na área de água, da energia, dos resíduos e por aí fora. Eu diria que é preciso, em cada uma dessas áreas, gerir com o equilíbrio e gerir com esta preocupação de futuro, não é? A questão da sustentabilidade é uma questão que traz muito[00:05:00] para dentro de nós a questão da responsabilidade, não é?

Catarina Barreiros: Hum-hum.

Paulo Líbano Monteiro: A responsabilidade para as gerações futuras. E traz talvez aqui uma questão interessante, que é a seguinte: talvez venha trazer ao cidadão este acréscimo de responsabilidade e de proximidade com o seu vizinho, que se tem perdido um bocadinho no meio urbano, não é? Que existe muito no meio rural, mas que no meio urbano é tudo… é mais impessoal, é mais anónimo. Eu moro num prédio, mas, se calhar, não conheço o meu vizinho de baixo ou de cima. E esta necessidade de gerir melhor os recursos e de gerir, se calhar, de forma mais comunitária, admito que venha a provocar esta necessidade de aproximação entre as pessoas. Na área da energia, isso é muito óbvio. Mas admito que por aí possamos ganhar alguma coisa adicional, em relação à própria relação entre as pessoas.

Catarina Barreiros: Portanto, adicionar inteligência emocional aqui à equação também.

Paulo Líbano Monteiro: Exato.

Catarina Barreiros: Aqui a proximidade humana. É um bom ponto, também acho que sim. E acho que, se calhar, é um bom ponto para nós puxarmos aqui para o tema da responsabilidade, como falou, que é: nós temos todos um papel nesta questão das cidades sustentáveis. E existe o setor da mobilidade, da energia, dentro de uma cidade. Mas existem também vários intervenientes: o governo, as empresas, os cidadãos. Qual é o papel de cada um de nós nesta… ou seja, se calhar, começamos por um. Qual é o papel do governo na gestão de uma cidade sustentável?

José Manuel Viegas: O governo tem, no essencial, três papéis: o primeiro é ser o intérprete daquilo que possa ser o desejo da sociedade que ele representa, atual, e como é que ela se projeta no futuro. Muitas pessoas, nas decisões do seu dia a dia, podem não ter essa preocupação imediata, mas todos nós temos preocupações relativamente ao que é que vai ser a cidade dos nossos filhos.

Catarina Barreiros: Hum-hum.

José Manuel Viegas: Portanto, o governo tem, desde logo, essa função de tradutor dos desejos da população que representa, na formulação do que é que deveria ser essa cidade futura. Depois, tem, enquanto agente com poder económico, real capacidade de investimento e de participação, que realiza… pôr no terreno um conjunto de infraestruturas e de serviços que estão diretamente dependentes do governo, e que devem estar alinhados com essa visão. E, depois, tem, porventura, o papel mais difícil, que é criar o enquadramento legislativo e de incentivos económicos, se quiser, os sinais à navegação, para que, quer as empresas, quer os cidadãos, na busca do seu interesse próprio, tenham comportamentos que, no conjunto, vão convergir para esse futuro que, em última análise, todos achamos que seria melhor.

Catarina Barreiros: OK.

José Manuel Viegas: Portanto, tem essas três componentes importantes. As empresas têm um papel muito importante de traduzir os seus objetivos de realização na área em que escolheram ser ativas, realizando os seus lucros e satisfazendo os seus clientes, mas adaptando-se a esse enquadramento, que é definido pelo governo. Portanto, não podemos pedir às empresas que sejam elas intérpretes dos desejos coletivos, para além daquilo que é o serviço ou o produto que fornecem.

Catarina Barreiros: Ao consumidor, certo. Hum-hum.

José Manuel Viegas: Mas têm que estar atentas ao que é que são os sinais que o governo está a dar, e como é que eu posso fazer isto, compatibilizando os meus objetivos empresariais com aquilo que são, enfim, os princípios orientadores da definição desse enquadramento. E, depois, os cidadãos têm que estar atentos: por um lado, enquanto agentes, na realização do que fazem como produtores, como consumidores e como eleitores. Portanto, temos…

Catarina Barreiros: Certo.

José Manuel Viegas: …todas essas representações… Portanto, se quiser é: os papéis que acabam por ser mais ricos de funções são o do governo e o dos cidadãos. As empresas têm um papel fundamental, porque, em última análise, são elas o motor da economia.

Catarina Barreiros: Hum-hum.

José Manuel Viegas: Mas do ponto de vista conceptual, é menos multidimensional que quer o do governo, quer o das pessoas.

Paulo Líbano Monteiro: Sim. Mas nós… mas é verdade que vemos cada vez mais as empresas com esta preocupação de sustentabilidade, não é? Vemos isso, vemos essa…

José Manuel Viegas: É…

Paulo Líbano Monteiro: …ambiental, social…

José Manuel Viegas: É.

Paulo Líbano Monteiro: … económica.

José Manuel Viegas: Sem dúvida.

Paulo Líbano Monteiro: É um tema muito…

José Manuel Viegas: Sem dúvida que hoje está a ter um papel grande, mas eu diria que corresponde a uma evolução recente no comportamento das empresas, e bem-vinda, naturalmente…

Paulo Líbano Monteiro: Claro, claro.

José Manuel Viegas: …que muitas vezes também, eu atrevia-me a dizer, corresponde a mecanismos de pressão sobre os governos, indiretos, porque percebem que, se não for assim, o seu próprio futuro como empresa pode estar comprometido. E quando veem que os governos não são suficientemente proativos na definição do enquadramento que elas entendem que seria bom para preservar…

Catarina Barreiros: Que o consumidor exige, não é?

José Manuel Viegas: Mas além do consumidor, é para preservar também o seu negócio.

Catarina Barreiros: Claro.

[00:10:00]

José Manuel Viegas: É porque há coisas em que se a gente vir que o mundo vai no sentido errado, o meu negócio depois acabou. Portanto, também tem o seu quê de interesse próprio e ainda bem, as empresas têm que ser vistas como entidades que têm, antes do mais, que defender o seu interesse próprio. Se quiser, é assim: todos os seres vivos, desde a célula até uma entidade, um país, uma empresa, têm como objetivo número um a sua sobrevivência em condições de qualidade. E as empresas também. Portanto, qualquer empresa, o primeiro objetivo que tem é sobreviver em condições de que amanhã eu esteja numa posição pelo menos tão sólida como estou hoje. Pronto.E, às vezes, o que acontece é que a empresa acaba por ter que ter um papel mais forte na política ambiental, na política social, na maneira como é governada, precisamente para facilitar que a evolução da sociedade vá no sentido que lhe permite também a ela…

Catarina Barreiros: Sobreviver.

José Manuel Viegas: …sobreviver.

Catarina Barreiros: OK.

José Manuel Viegas: Está a ver?

Paulo Líbano Monteiro: Certo.

José Manuel Viegas: Portanto, não é só altruísmo. Embora seja muito bem-vindo em nome de todos…

Paulo Líbano Monteiro: Claro.

José Manuel Viegas: Repara, tem uma componente muito importante no domínio social, mas eu diria que também tem uma componente pedagógica forte para mostrar ao governo que… às vezes, é só que pode ir por aqui, porque está apoiado pelas empresas, outras vezes é que deve ir por aqui, porque as empresas estão-lhe a apontar o caminho.

Catarina Barreiros: Certo.

Paulo Líbano Monteiro: Sim, sim. Não, e eu acho que há cada vez mais consciência de que ninguém está sozinho nisto, não é? Eu acho que as próprias empresas, pessoas…

José Manuel Viegas: Claro.

José Manuel Viegas: …as empresas, ninguém está sozinho, não é? E, portanto, há um ecossistema que tem que funcionar todo. E eu acho que esta tomada de consciência de que para trabalharmos para o bem-comum é preciso trabalharmos em conjunto, eu acho que é algo que tem vindo cada vez mais a prevalecer…

Paulo Líbano Monteiro: Exato.

José Manuel Viegas: …e que é muito significativo. Portanto, e os movimentos que se sentem, que se veem, dos quais também participamos neste tema de sustentabilidade, são muito reflexo dessa tomada de consciência coletiva, mas que implica um trabalho comum, que é: ninguém vai fazer nada sozinho hoje em dia. E eu acho que essa tomada de consciência é muito relevante e muito real. Não é só relevante, como é real e é fundamental para a sobrevivência ou para a boa vivência…

José Manuel Viegas: Claro.

Paulo Líbano Monteiro: …para o futuro, não é? Para o futuro das pessoas, para o futuro das empresas, para o futuro…

Catarina Barreiros: Certo.

Paulo Líbano Monteiro: … das cidades…

Catarina Barreiros: E do mundo.

Paulo Líbano Monteiro: … e do mundo, claro…

Catarina Barreiros: Certo.

José Manuel Viegas: Exatamente.

Catarina Barreiros: Faz sentido. Nós, no fundo, estamos sempre a… isto é um tema dominante que tem vindo a acontecer sempre em todos os episódios, que é: é o coletivo, é o pensamento coletivo e o pensamento comunitário. Que, no fundo, é algo que vimos que estávamos a perder um bocadinho e que estamos novamente a apostar. E estas sinergias que se criam, quando as empresas, o governo e os consumidores trabalham, os cidadãos… trabalham em conjunto. E, se calhar, tinha uma pergunta um bocadinho mais prática agora, que era: tendo em vista este bem-comum, de que estamos a falar, esta sustentabilidade nas cidades, tendo em vista o papel de cada um – governo, empresas e cidadãos – na prática, onde é que é urgente atuar, dentro das cidades, para as tornar mais sustentáveis? O que é que é um, dois, três gestos que sejam absolutamente essenciais e transformadores numa cidade e que ajudem a melhorar o bem-estar para todos?

José Manuel Viegas: Deixe-me tentar estruturar a resposta.

Catarina Barreiros: Sim.

José Manuel Viegas: Há um conjunto de intervenções que são muito necessárias no domínio do urbanismo…

Catarina Barreiros: Hum-hum.

José Manuel Viegas: O urbanismo acaba por condicionar tudo o resto…

Catarina Barreiros: De acordo.

José Manuel Viegas: …os usos de solo, onde temos que ser capazes de nas cidades ter uma alternância saudável, faz parte daqueles equilíbrios, entre as zonas mais próximas da natureza – se quiser, simplificando, as áreas verdes – e as zonas edificadas. E depois, nas zonas edificadas, temos que ter densidade, para permitir que boa parte da mobilidade se faça com modos suaves. Mas densidade com variedade funcional. Porque se tivermos densidade, em que esta zona são só habitações, e aquela zona são só escritórios, as pessoas não se deslocam a pé de umas para as outras.

Catarina Barreiros: Hum-hum.

José Manuel Viegas: É preciso que seja a mistura de funções dentro de cada zona. E isso, por exemplo, em Lisboa, há bairros que têm essa densidade funcional, há outros que não têm. Lisboa e arredores.

Catarina Barreiros: Hum-hum.

José Manuel Viegas: Em todo o país, temos muitas zonas de edificado relativamente recente que são quase monofuncionais. E isso é um erro grave. E que causa depois grandes impactos, quer na mobilidade, em primeiro lugar, mas também nalgumas questões de abastecimento das infraestruturas, etc.. Portanto começa por aí.

Catarina Barreiros: OK.

José Manuel Viegas: A seguir, temos intervenções muito importantes do lado dos edifícios. Que são grandes consumidores de energia e de geradores de impactos, e onde precisamos urgentemente, por exemplo, de melhorar o nível de isolamento energético dos nossos edifícios…

Catarina Barreiros: Hum-hum.

José Manuel Viegas: Portugal é dos países que tem melhor clima na Europa, e é dos países onde se passa mais frio dentro de casa…

Paulo Líbano Monteiro: Sim, é verdade, é.

José Manuel Viegas: Pronto.

Catarina Barreiros: Falamos disso, no episódio de eficiência energética.

José Manuel Viegas: Pronto. E isso resulta de má qualidade do isolamento, que, em última análise, não tem só a ver com quanto é que isso custa, tem a ver também com termos empresas habilitadas a fazer isso bem feito…

Catarina Barreiros: Certo.

José Manuel Viegas: …porque não temos tido essa prática. E, portanto, não é um know-how que esteja muito disseminado.

Catarina Barreiros: Hum-hum.

José Manuel Viegas: E precisamos de ter esses aspetos, para que as casas sejam… no limite, devíamos evoluir para que as casas… se calhar, não esta geração de casas, mas as próximas, começarmos a ter como paradigma…

Catarina Barreiros: A passiva?

José Manuel Viegas: … a casa [00:15:00]de emissão zero.

Catarina Barreiros: A casa passiva, não é?

José Manuel Viegas: Pronto, exatamente. A casa… mas, pelo menos, reduzir um bocado aquilo que temos aqui.

Catarina Barreiros: Certo.

José Manuel Viegas: Em terceiro e quarto lugar, depois, pela ordem que quisermos, temos as utilities, portanto os fluxos. Quer os fluxos de água, energia e gás, e de informação, quer os fluxos de pessoas e mercadorias, da mobilidade.

Catarina Barreiros: Hum-hum.

José Manuel Viegas: Mas, se as duas primeiras não estiverem certas, a equação já está muito desequilibrada.

Catarina Barreiros: OK.

José Manuel Viegas: Está a ver?

Catarina Barreiros: Hum-hum.

José Manuel Viegas: Eu não sou capaz de lhe dizer em qual delas é que é mais urgente atuar, porque acho que há coisas urgentes em cada uma delas.

Catarina Barreiros: Certo.

José Manuel Viegas: Nós, por exemplo, na mobilidade, que é uma área da qual eu venho, tenho vindo a trabalhar muito nos últimos anos, na promoção daquilo a que se chama mobilidade partilhada.

Catarina Barreiros: Hum-hum.

José Manuel Viegas: Que, simplificadamente, aquilo a que poderíamos chamar táxis coletivos e o carpooling. Porquê? Porque a experiência mostra que quando temos um urbanismo com grande pulverização das ocupações de território, como é o caso aqui na Área Metropolitana de Lisboa, e do Porto também, não é possível servir bem em transporte coletivo uma grande parte das pessoas, para as quais os fluxos, de ponto a ponto ou de pequena zona a pequena zona, são demasiado finos para serem bem servidos com transporte coletivo com poucos transbordos.

Catarina Barreiros: OK.

José Manuel Viegas: A consequência disso é que na Área Metropolitana de Lisboa e do Porto, 70% das deslocações são feitas em automóvel individual, que é um valor absurdamente elevado face ao de outras cidades europeias. Mas vão olhar o urbanismo de umas e de outras, e percebe-se porque está aí.

Catarina Barreiros: Porque é que é assim, não é?

José Manuel Viegas: A solução de dar às pessoas soluções… a maneira para dar às pessoas soluções de mobilidade, que sejam muito semelhantes em termos do tempo que lhes causa, e das incertezas da fiabilidade, etc., relativamente ao seu automóvel individual, é termos partilha do uso de veículos em pequena escala, se quiser, para simplificar, táxis, táxis que podem ser veículos até um bocadinho maiores, de oito ou dezasseis lugares, mas pequenos veículos partilhados com poucas pessoas, mas que, no essencial, vão do mesmo bairro para o mesmo bairro, e voltam. Ou carpooling, que é fazer isso… esse primeiro seria com profissionais, e um segundo que é as pessoas, que se organizam em clubes de boleias, o chamado carpooling, onde os resultados que eu estive, enfim, muito recentemente a apurar, mostram que existe um enorme potencial na Área Metropolitana de Lisboa para conseguirmos reduzir muito, sem perda de qualidade na deslocação das pessoas…

Catarina Barreiros: Hum-hum.

José Manuel Viegas: …mas todas essas pessoas para continuarem a ter viagens sem transbordo, com uma ou duas paragens no caminho, no máximo, para levar os outros, que são colegas, mas que são paragens já próximas da origem ou do destino, é possível fazer isso com grandes reduções das emissões e virtualmente o desaparecimento do congestionamento. Depende, mais uma vez, de trabalharmos no coletivo, de sermos capazes de organizar pequenos grupos. Muitas vezes, não é preciso grupos de 200 ou de 300, aqui estamos a falar de grupos de 2 ou 3.

Catarina Barreiros: Hum-hum.

José Manuel Viegas: Mas se tivermos uma ocupação média dos carros que seja 2,5, em vez de 1,2, o número de carros é metade.

Catarina Barreiros: Claro.

Paulo Líbano Monteiro: Claro.

José Manuel Viegas: Pronto. E, portanto, e isto percebe-se rapidamente que é possível ter isso. Podíamos dar exemplos também do que é que se pode fazer do lado do urbanismo, o que é que se pode fazer do lado das redes, mas aqui o Paulo com certeza consegue dar melhor do que eu. Mas, reparem, o que eu acho é que é muito importante ter a noção de que, se eu trabalhar só do lado do urbanismo ou só do lado da mobilidade ou só do lado de não-sei-quê, não vamos lá. E, por isso, eu dizia no início, há um conjunto de equilíbrios que é preciso assegurar e ter a preocupação de não mexer muito aqui sem estar a puxar no outro. Porque, senão, às tantas, a eficiência perde-se.

Catarina Barreiros: Claro.

José Manuel Viegas: Porque eu, se tentar atacar isto sem estar… posso resolver agora o problema durante 2 ou 3 anos, mas depois, a seguir…

Catarina Barreiros: Se conseguir, até.

José Manuel Viegas: Se conseguir!

Catarina Barreiros: Porque se mexer na mobilidade…

José Manuel Viegas: Claro.

Catarina Barreiros: … sem mexer [sobreposição de vozes].

José Manuel Viegas: Posso não conseguir mexer no resto.

Paulo Líbano Monteiro: Sim, sim.

José Manuel Viegas: Mas há coisas que a gente, se estivermos a fazer isto de maneira coordenada, somos capazes, por exemplo, nos primeiros anos eu tenho que ir por aqui. Depois, isto, entretanto, eu também mexi acolá, e este problema aqui vai reduzir-se, e a solução a seguir é aquela. Portanto, temos de ter aqui uma noção de trajetória das intervenções.

Catarina Barreiros: E de tempo, parece-me, não é? Às vezes é agilidade.

José Manuel Viegas: E qual é que é o tempo que precisamos para ter isto?

Paulo Líbano Monteiro: Sim. E para evolução harmoniosa.

José Manuel Viegas: Exatamente.

Paulo Líbano Monteiro: Eu acho que essas várias áreas têm que evoluir de forma harmoniosa, porque elas complementam-se numa cidade.

José Manuel Viegas: Exatamente. Exatamente.

Paulo Líbano Monteiro: Mas, agora, puxando aqui a brasa à minha sardinha em relação à parte da energia elétrica, eu diria o seguinte: nós sabemos que, no contexto da transição energética, a rede elétrica e o sistema elétrico, no seu todo – não é só a rede, é o sistema elétrico – está a sofrer uma transformação enorme, eu diria brutal, não é? E isso tem impacto também na cidade. E esta transformação é uma transformação que exige, por um lado, do lado da produção, cada vez mais produção ou geração renovável, não é? Com base na eólica, no fotovoltaico, na hídrica. Mas, enfim, sobretudo agora, a fotovoltaica é aquilo que está a ter mais desenvolvimento. E o eólico mantém.

Catarina Barreiros: Hum-hum. Para o cidadão é o fotovoltaico, não é? Não podemos ter… mas sim, mas…

Paulo Líbano Monteiro: Para o consumidor individual…

Catarina Barreiros: Certo, certo.

Paulo Líbano Monteiro: …o fotovoltaico é o mais acessível, é o mais fácil, não é?

Catarina Barreiros: Certo, exato.

Paulo Líbano Monteiro: Depois, temos também a questão do consumo, onde também vai haver uma eletrificação de consumo.

Catarina Barreiros: Certo.

Paulo Líbano Monteiro: Portanto, na parte da mobilidade, estamos a ver o carro elétrico, não é?

Catarina Barreiros: Hum-hum.

Paulo Líbano Monteiro: E, portanto, nós estamos a mudar [00:20:00]o tipo de energia que consumimos, a transferir muita energia para energia elétrica, porque esta é mais facilmente obtida a partir de fontes renováveis.

Catarina Barreiros: Certo.

Paulo Líbano Monteiro: Nas cidades, como é que isto impacta? Ora bem, o que nos vemos… as cidades são centros de consumo enormes, são centros onde… as cidades consomem a parte mais substancial da energia que é consumida num país, não é?

Catarina Barreiros: Hum-hum.

Paulo Líbano Monteiro: E a densidade de energia é muito grande nas cidades. E nós vemos, aliás, por exemplo, os grandes centros em Portugal, os centros urbanos, vemos com a mudança de usos de algumas habitações, que era um prédio, passou a ser um restaurante. Era uma loja, passa a ser um restaurante, ou passa a ser um hotel. Vemos um aumento de consumo em determinadas zonas das cidades, que nos põem problemas do ponto de vista da rede elétrica, que têm que ser resolvidos, porque o espaço é pequeno. Normalmente, as câmaras não gostam que nós construamos novos equipamentos, porque ocupam espaço, não é? E, portanto, como é que nós conseguimos com o espaço exíguo que existe para a rede, como é que conseguimos aumentar a potência, ou, em vez de aumentar a potência, se possível, consumir de uma forma mais inteligente, para que…

Catarina Barreiros: Hum-hum.

Paulo Líbano Monteiro: …a instalação que hoje em dia existe, seja capaz de servir para carregar os veículos elétricos, para aquecer a casa, para iluminar e por aí fora.

Catarina Barreiros: Certo.

Paulo Líbano Monteiro: E, portanto, muito do nosso trabalho está feito também no sentido de arranjarmos soluções mais inteligentes, do ponto de vista do controlo do consumo e do controlo da produção, para garantir um equilíbrio permanente na rede elétrica, porque a quantidade de energia produzida em cada momento tem que ser igual à quantidade de energia consumida…

Catarina Barreiros: Consumida, não é?

Paulo Líbano Monteiro: …porque, senão, vamos ter ali problemas na rede elétrica, de desequilíbrio que não pode acontecer. Mas, portanto, sistemas inteligentes que garantam esta forma equilibrada de, em cada instante, eu estar a consumir o mesmo que estou a produzir.

Catarina Barreiros: Sim.

Paulo Líbano Monteiro: E isso é muito desafiante. Isso é algo que estamos a fazer e que vamos continuar. E que vai exigir o envolvimento dos vários stakeholders, das várias entidades e pessoas que contribuem para o consumo e para a produção na rede elétrica. E há aqui um aumento de complexidade muito grande, porque, enquanto antes tínhamos um conjunto, umas dezenas de centrais grandes a produzir, agora vamos ter milhares, dezenas de milhares de produtores, a injetar energia na rede, em todos os pontos da rede.

Catarina Barreiros: Em menor escala, não é? Mais quantidade e menor escala.

Paulo Líbano Monteiro: Em menor escala, muito distribuído…

Catarina Barreiros: Certo.

Paulo Líbano Monteiro: …e, portanto, isso põe um problema de gestão da rede, que é um problema complicado. Mas, ao mesmo tempo, muito desafiante. E, portanto, nós estamos a trabalhar muito nesse sentido, de garantir que arranjamos soluções de gestão destas fontes de injeção e das fontes de consumo da rede, a mobilidade, essa, que também nos põe desafios, porque, no fundo, o carro não está sempre no mesmo sítio: carrega aqui, depois carrega acolá, depois pode até descarregar e passar a alimentar a rede. E, portanto, há aqui desafios da mobilidade elétrica também adicionais, para além do consumo, [sobreposição de vozes]…

José Manuel Viegas: A que acrescenta um, que é… eu, no outro dia, estivemos… eu agora sou administrador do condomínio, estivemos a ver, temos 25 lugares de estacionamento. No momento em que tivermos lá seis carros elétricos…

Catarina Barreiros: Já não conseguem…

José Manuel Viegas: A linha que está a ir para o prédio já não dá para alimentar os seis ao mesmo tempo. Não quer dizer que não aguente, porque pode haver a tal gestão inteligente do tempo…

Paulo Líbano Monteiro: Certo. Exatamente.

Catarina Barreiros: Tem que ser à noite…

José Manuel Viegas: …mas, se calhar, dá para oito. Não passa disso.

Paulo Líbano Monteiro: Pois.

Catarina Barreiros: Certo.

Paulo Líbano Monteiro: Pois, pois, pois.

José Manuel Viegas: Quer dizer, porque, apesar de tudo…

Paulo Líbano Monteiro: É, é, exatamente.

José Manuel Viegas: …a maior parte de nós está em casa nas mesmas horas.

Catarina Barreiros: Exato.

Paulo Líbano Monteiro: Claro.

José Manuel Viegas: E a diferença do preço entre o abastecimento elétrico do carro, em casa, e nos postos públicos é tão grande, que a maior parte das pessoas…

Catarina Barreiros: Vai abastecer em casa.

José Manuel Viegas: …vai querer, vai insistir em que quer alimentar o carro quando está em casa…

Catarina Barreiros: Certo.

José Manuel Viegas: …além de que, com o aumento da autonomia das baterias dos carros, vai passar a ser menos necessário eu alimentar quando vou em viagem.

Catarina Barreiros: Hum-hum.

José Manuel Viegas: E, portanto…

Paulo Líbano Monteiro: Certo.

José Manuel Viegas: A percentagem…

Catarina Barreiros: Vai ser no início e no fim, não é?

José Manuel Viegas: …a percentagem de carregamento dos carros… não é só no início e no fim, é que vai haver muitos casos em que vai e volta com o mesmo…

Catarina Barreiros: Com a mesma autonomia.

José Manuel Viegas: …carregamento. Que é para… porque, se no destino da sua viagem tiver que pagar a preço comercial, há pessoas que vão dizer: “Não…”. Imagine, tem que ir muitas vezes a Leiria, a partir de Lisboa. Hoje, já há no mercado e, daqui a dois anos ainda mais, carros que dá para ir e vir.

Catarina Barreiros: Certo, certo.

José Manuel Viegas: Pá, e eu se for…

Paulo Líbano Monteiro: Sim, sim, sim.

José Manuel Viegas: …escuso de estar a pagar a preço comercial, em Leiria. Quero carregar cá outra vez.

Catarina Barreiros: Certo, certo.

José Manuel Viegas: Mas, quando chegar a casa, eu quero ter a garantia de que, durante a noite, consigo carregar o meu carro. Portanto…

Paulo Líbano Monteiro: Claro que sim.

José Manuel Viegas: …isto vai-vos colocar problemas interessantes…

Paulo Líbano Monteiro: É o… vai, vai, vai.

José Manuel Viegas: …mas eu tenho a certeza que vocês já estão a pensar nisso, não é?

Paulo Líbano Monteiro: Sim, sim. Mas são problemas desafiantes e, enfim, vai… e, depois, mas, já agora, para continuar aqui com este exemplo do condomínio, aquilo que também se está a formar, ou se perspetiva cada vez mais que exista, são as chamadas comunidades de energia elétrica, onde várias pessoas ou várias entidades, numa zona física próxima, vão fazer uma gestão em conjunto da parte energética, da parte da eletricidade, de modo a conseguir equilibrar o consumo de um com a produção do outro. Eu agora estou a produzir, mas não preciso de consumir. Mas ali o meu vizinho tem o carro a carregar, dava-lhe jeito agora consumir. Mas eu estou a produzir, a energia pode ir para lá…

José Manuel Viegas: Sim, sim.

Paulo Líbano Monteiro: …e, portanto, esta gestão de umas células mais pequenas, as comunidades, de forma muito autónoma, também é algo que nós acreditamos que se vai desenvolver muito, e que vai tirar partido, por um lado, destes recursos distribuídos, não é? Desta quase… desta muito maior distribuição dos recursos de [00:25:00]energia elétrica. E, ao mesmo tempo, vai obrigar as pessoas a juntarem-se e a decidirem a tal intervenção mais forte da sociedade civil, das pessoas, dos cidadãos, para garantir a sustentabilidade das cidades. Neste aspeto, eu acho que isto é positivo, porque vai obrigar as pessoas a intervirem, a serem mais interventivas, a decidirem.

José Manuel Viegas: Teoricamente, isso é apenas mais uma alínea na agenda dos condomínios. Eventualmente, onde, como sabemos, muitas vezes não é fácil, porque há muitos condóminos, que depois não participam, que…

Catarina Barreiros: Sim. Gerir condomínios é todo um desafio.

Paulo Líbano Monteiro: É.

José Manuel Viegas: Eu sei que é…

Catarina Barreiros: Certo.

José Manuel Viegas: …não, mas eu tenho a experiência. Eu é a quarta vez que sou administrador de um condomínio…

Paulo Líbano Monteiro: Pois…

José Manuel Viegas: …portanto, tenho alguma experiência disso. E, por isso, eu sei que, embora tenhamos interesses comuns, existe, nesta forma de colaboração, um problema que é clássico na literatura, que é o problema do free rider, portanto, o tipo que usufrui, mas não contribui…

Catarina Barreiros: Certo.

José Manuel Viegas: …ao fim, paga a quota, mas não mais…

Paulo Líbano Monteiro: Certo.

José Manuel Viegas: …e há aqui muitas… quando começamos a ter que fazer a partilha dos nossos ciclos de consumo e de produção, já não é só um problema de dinheiro.

Catarina Barreiros: Certo.

José Manuel Viegas: E, portanto, vai obrigar…

Catarina Barreiros: A rotinas, não é?

Paulo Líbano Monteiro: Claro, sim, sim.

José Manuel Viegas: … a novas…

Paulo Líbano Monteiro: É, isto são desafios.

José Manuel Viegas: E formas de compromisso.

Catarina Barreiros: Certo, certo, certo.

Paulo Líbano Monteiro: Isso, isso, isso. É, vai ser…

José Manuel Viegas: E, portanto, vai tornar essa administração um bocadinho mais complicada…

Catarina Barreiros: Certo.

José Manuel Viegas: …teoricamente, a instituição já lá está, mas, repare, só para voltar a um problema de sustentabilidade mais genérico. A lei das propriedades horizontais não prevê, de maneira explícita, em meu entender, nem sequer implícita, o que é que se faz quando o edifício estiver em fim de vida?

Catarina Barreiros: OK.

José Manuel Viegas: Como é que se gere…

Paulo Líbano Monteiro: Pois, pois, pois.

José Manuel Viegas: Eh pá, o fim da vida de um edifício…

Paulo Líbano Monteiro: Um ativo que acabou.

Catarina Barreiros: Certo.

José Manuel Viegas: É, exatamente.

Paulo Líbano Monteiro: Acabou o seu tempo de vida útil.

Catarina Barreiros: Que não tem reparação possível.

José Manuel Viegas: Tem reparação possível, mas é muito cara…

Catarina Barreiros: Certo.

José Manuel Viegas: …e, depois, começa a ter condóminos que querem sair e saem…

Catarina Barreiros: Certo.

José Manuel Viegas: …e podem não ter sequer encontrado alguém para vender, mas eu não quero continuar aqui…

Catarina Barreiros: Hum-hum.

José Manuel Viegas: …e, às tantas, ficam lá 20%, que, depois, não conseguem ter dinheiro para manter os custos do edifício que está decrépito.

Catarina Barreiros: Certo.

José Manuel Viegas: Isto não… quer dizer, não há uma fórmula na lei de base… depois, se quiser, no essencial, o Código Civil, mas nos capítulos dedicados à propriedade horizontal, são baseados numa interpretação simplista, que eu, às vezes, digo a brincar com os meus amigos advogados: “Isto é advogado a fazer de conta que está a gerir uma coisa de construção civil”. Pá, a construção civil, aquilo o betão é duro, mas não é perpétuo.

Catarina Barreiros: Certo.

José Manuel Viegas: E a gente tem que perceber que também aqui há um ciclo de vida, que há de ter o seu fim. Ainda não estamos a chegar, mas começamos a estar próximos. Os primeiros edifícios em propriedade horizontal, salvo erro, são dos anos 60, do século passado…

Catarina Barreiros: Hum-hum.

José Manuel Viegas: …portanto, estamos agora com 60 anos. Daqui a mais 10 ou 20, vamos começar a ter problemas significativos de sustentabilidade deste ativo…

Catarina Barreiros: Certo.

José Manuel Viegas: …que terá que ser renovado, e em que a única fórmula aparentemente prevista… não está prevista na lei, mas que a lei torna possível, é haver alguém que chega lá, compra aquilo tudo, renova e depois volta a fracionar…

Paulo Líbano Monteiro: Pois.

Catarina Barreiros: OK.

José Manuel Viegas: …mas passa por uma operação de concentração…

Paulo Líbano Monteiro: Certo, certo. Sim.

José Manuel Viegas: …e redistribuição, mas que não é fácil.

Catarina Barreiros: Certo.

Paulo Líbano Monteiro: Certo, certo.

Catarina Barreiros: Até porque, muitas vezes, impede ou intervém na quantidade de fogos existentes, na maneira como estão distribuídos…

José Manuel Viegas: Tudo isso. Não, mas a primeira coisa é que as pessoas… há pessoas que estarão interessadas em se desfazer daquilo, porque já só lhe dá problemas.

Catarina Barreiros: Certo.

José Manuel Viegas: Mas haverá outros, porque não têm…

Catarina Barreiros: Que não querem, certo.

José Manuel Viegas: … alternativas…

Catarina Barreiros: Que não vão sair.

José Manuel Viegas: … que não querem, portanto…

Paulo Líbano Monteiro: Claro. Claro.

Catarina Barreiros: Certo.

José Manuel Viegas: …cuidado.

Paulo Líbano Monteiro: Outro aspeto que é relevante nesta mudança em que estamos a participar, é a velocidade a que as coisas acontecem, que é: nós, antigamente, havia assim grandes evoluções tecnológicas numa geração, pronto, uma coisa mais disruptiva. Agora, a coisa fica um bocadinho mais complicada porque, se calhar, no espaço de uma geração, há várias evoluções tecnológicas e algumas disruptivas. E, portanto, como é que conseguimos…

José Manuel Viegas: E em vários domínios.

Paulo Líbano Monteiro: E em vários domínios. E como é que conseguimos acomodar isto, entre as várias gerações, quando se faz uma Assembleia de condóminos, com gente mais velha, gente mais nova, gente com mais vontade de mudar, gente com mais vontade de manter, as coisas…

José Manuel Viegas: E gente com mais capital e gente com menos capital, não é?

Paulo Líbano Monteiro: Gente com mais capital e menos capital…

José Manuel Viegas: Também faz a diferença, não é?

Paulo Líbano Monteiro: … como é que se consegue, ora, harmonizar isto? Isto é um desafio grande para a sociedade e para os bairros e para os condomínios. É um desafio grande. Mas estamos a começar, esta parte…

José Manuel Viegas: Bem, mas claro, eu talvez… na minha resposta inicial, há uma palavra que me faltou, e que agora está a vir à superfície, portanto, eu quero dizê-la explicitamente, que é: o regime colaborativo…

Catarina Barreiros: Certo.

José Manuel Viegas: …vai ter que ser uma presença constante, se queremos ter o bem comum, que é a cidade, ou a sociedade em geral, sustentável.

Catarina Barreiros: Certo.

José Manuel Viegas: Portanto, a palavra-chave aqui acaba por ser muitas vezes colaboração.

Catarina Barreiros: OK, certo.

Paulo Líbano Monteiro: Sem dúvida.

Catarina Barreiros: Faz todo o sentido, até porque, lá está, isto é engraçado, e para quem acompanhou todos os outros episódios, vamos sempre ao mesmo. É comunidade, colaboração, entreajuda, ouvir… os problemas complexos não são isolados, não é? São problemas que se resolvem em conjunto.

José Manuel Viegas: Claro.

Catarina Barreiros: E isso é muito interessante. E acho que há outra coisa também, pegando nesta questão da colaboração, que é a aprendizagem através da colaboração, não é? De nós aprenderemos com cidades e cidadãos e empresas e governos, que já fizeram antes de nós, já falharam, já afinaram, já melhoraram e já [00:30:00]concretizaram as melhorias. E, se calhar, podíamos aproveitar agora o momento, se calhar, positivo, em que damos exemplos de casos de sucesso. Porque sei que conhecem casos de sucesso, tanto a nível de energia, como a nível das cidades. Portanto, onde é que existem casos de sucesso nas cidades, nas cidades sustentáveis, e como é que nós podemos aprender com eles, no fundo?

José Manuel Viegas: Oh, aquilo que eu acho que é mais importante dizer nisso é que há cidades que se promovem melhor e cidades que se promovem pior. E que, de uma maneira geral, as cidades que nos aparecem como exemplares são exemplares num aspeto ou dois, não em todos.

Catarina Barreiros: Certo.

José Manuel Viegas: Pronto, é muito difícil, apesar de tentarem, ser exemplar em todos eles. É como o aluno que tem…

Catarina Barreiros: É impossível.

José Manuel Viegas: …19’s em tudo…

Catarina Barreiros: Certo.

José Manuel Viegas: …há um ou dois em cada 500 ou em cada 1000. Pronto.

Catarina Barreiros: Sim.

José Manuel Viegas: Se quiser…

Catarina Barreiros: E geralmente têm 20’s e depois 18’s e depois…

José Manuel Viegas: Pois e depois um 18 é uma desilusão horrível, mas pronto. A cidade que é mais famosa, por ser a mais sustentável em todo o mundo, é Singapura.

Catarina Barreiros: Hum-hum.

José Manuel Viegas: Mas, desde logo, tem um problemazinho, é que a participação dos cidadãos é capaz de não ser tão espontânea, tão livre quanto os padrões das sociedades ocidentais. E, portanto, aí, naquela repartição de funções que eu tinha dito no início, os cidadãos aderem, mas são menos vocais na sua…

Catarina Barreiros: Certo. É menos democrático.

José Manuel Viegas: Na sua participação, pronto. Mas Singapura, aquilo que fez… Singapura tem condições muito particulares, porque é uma cidade-estado, que é uma ilha. E, portanto, desde logo, não tem o problema do país profundo. Porque o país profundo já é outro país. Pronto. Tem condições que foi capaz de criar. Eu quando estive lá, há uns 20 anos, falei com algumas pessoas, não eram bem dirigentes, mas com alguma hierarquia já, que me disseram: “Tudo o que vocês virem de Singapura aqui, há uma coisa que vocês têm que ter presente, porque não veem, é que, quando Singapura ganhou a sua independência, nos anos 50, Singapura era a sarjeta do Sudeste Asiático que, por sua vez, era um bocado a sarjeta do ocidente”…

Catarina Barreiros: Era a sarjeta da sarjeta.

José Manuel Viegas: Portanto, era a sarjeta da sarjeta. “E, portanto, tudo o que vocês veem aqui, para quem cá estivesse…”, como o caso dessa pessoa que me falava “… desde essa altura, e eu era jovem, mas é uma transformação quase miraculosa: dos níveis de pobreza, da sujidade, de insanidade, tudo o que tínhamos aqui. E têm que perceber que boa parte desta democracia musculada, como vocês chamam, tem a ver com o reconhecimento, dos cidadãos, de que os nossos líderes têm sido sábios em conduzir esta trajetória quase miraculosa”. Portanto, há aqui uma…

Catarina Barreiros: Confiança…

José Manuel Viegas: Uma confiança, que é transmitida a partir dos resultados que foram sendo atingidos.

Catarina Barreiros: E da boa gestão, não é? Sim.

José Manuel Viegas: Pronto. Mas, no essencial, Singapura conseguiu fazer uma coisa muito inteligente, que foi uma separação forte, entre o que é que são as áreas urbanizadas e o que é que são as áreas verdes. Singapura está no equador e, portanto, precisa muitos dessas áreas verdes, até para absorver a grande quantidade de chuva que tem…

Catarina Barreiros: Hum-hum.

José Manuel Viegas: …e depois ter… porque também tem muita gente, queria ter uma atração forte, que conseguiu ter, de população muito capaz, que vem de muitos sítios do mundo, um sistema de mobilidade altamente… de alto desempenho. O que acaba por ser relativamente simples. Porquê? Porque eles têm a tal densidade com diversidade funcional. Portanto, eles a densidade conseguiram, e foram, não de início, mas depois foram sendo capazes de recuperar a diversidade funcional para cada um dos bairros…

Catarina Barreiros: Hum-hum.

José Manuel Viegas: E é sobretudo nestas duas dimensões que Singapura, depois, é excelente. Temos outras em que é a mistura da participação cidadã, outras em que… por exemplo, Barcelona agora é famosa por causa das questões da mobilidade e das superquadras, como eles chamam, e tal. Todo esse… que tem a ver, mas, repare, as superquadras só funcionam se tiver diversidade funcional. Tem que ter densidade, com diversidade funcional, que Barcelona, há 40 anos, não tinha, que foi construindo. E, a partir do momento em que atingiu uma determinada densidade variada, percebeu que passava a ser possível, se quiser… as superquadras de Barcelona… não é a cidade dos 15 minutos, mas é a cidade dos 10 minutos.

Catarina Barreiros: OK, melhor ainda.

José Manuel Viegas: Pronto. Que é poder ir a pé a muitos sítios aqui diferentes, desde que você venha de carro de fora, e venha aqui à volta, tem condições para fazer isso.

Catarina Barreiros: Certo. Não é preciso ir até à outra ponta da cidade para conseguir ir a um serviço de saúde, a um serviço de educação…certo.

José Manuel Viegas: Tem grande parte dessas funções dentro da quadra…

Catarina Barreiros: Hum-hum.

José Manuel Viegas: Dentro da tal superquadra, que, no essencial, são três por três quarteirões…

Catarina Barreiros: Hum-hum.

José Manuel Viegas: E os quarteirões, aí, são grandinhos, portanto, mas estamos a falar de coisas como… não passa de 600 m por 600 m. Portanto, qualquer coisa como 25, 30 hectares, já é uma zona boa.

Catarina Barreiros: OK.

José Manuel Viegas: Mas, repare, é o que tem a nossa baixa.

Catarina Barreiros: Certo.

José Manuel Viegas: A nossa baixa são 200 e tal por 300 e tal.

Catarina Barreiros: Certo.

Paulo Líbano Monteiro: Hum-hum.

José Manuel Viegas: Pronto.

Catarina Barreiros: Só que ninguém vive lá.

José Manuel Viegas: Não, vivem algumas pessoas…

Catarina Barreiros: Certo.

José Manuel Viegas: …mas falta-nos diversidade funcional.

Catarina Barreiros: Certo.

José Manuel Viegas: Mesmo as funções que lá estão, são pouco diversificadas.

Catarina Barreiros: Certo. Certo.

José Manuel Viegas: Pronto. Mas isso tem muito a ver com o comando político do processo [00:35:00]. Não deve ser o Governo nem a Câmara Municipal nem o Governo Central, a dizer: “No edifício número 28 daquela rua tem que ficar uma função destas”. Mas tem que dizer é que: “O regime fiscal… quanto é que vocês pagam de impostos? Têm estes valores, se estiverem dentro destes intervalos, para estas funções, e têm valores bem mais graves, se não estiverem”. Em Lisboa, isso foi tentado uma vez.

Catarina Barreiros: Incentivos fiscais, portanto.

José Manuel Viegas: Sim. Incentivos fiscais e regulatórios.

Catarina Barreiros: Certo.

José Manuel Viegas: Eu lembro-me, em 1980 e poucos, fiz os estudos do tráfego para o que acabou por ser o novo conjunto do Monumental. Antigamente, era um cinema, agora tem o centro comercial, com cinemas, pá, pá, pá, tudo isso.

Paulo Líbano Monteiro: Ainda me lembro do Monumental.

José Manuel Viegas: Exatamente. Curiosamente, a propósito de questões de informação, vale a pena dizer que, em 1982, a Câmara Municipal, na cartografia oficial, ainda não tinha lá o cinema de 1953. Isso hoje melhorou muito. Pronto, mas é uma curiosidade. Mas, na altura, os valores que nós tínhamos de impacto de tráfego eram muito fortes. E conversas que tivemos com o presidente da Câmara, na altura, o Eng. Abecasis, nós chamámos-lhe a atenção para isso. E ele conseguiu que, nas condições para licenciamento de empreendimentos, numa área relativamente vasta em torno da Praça do Saldanha, fosse obrigatório ter habitação, pelo menos, em, já não me lembro se era 25, se era 30%.

Catarina Barreiros: Hum-hum.

José Manuel Viegas: Não era preciso ser em cada prédio, mas era preciso ser em cada quarteirão.

Catarina Barreiros: OK.

José Manuel Viegas: E, portanto, nesse caso nem era fiscal, era regulatório, desde o início. Mas, com isso, é possível ver…

Catarina Barreiros: Criou-se a tal diversidade.

José Manuel Viegas: …que isso, suponho, que ainda está em vigor, que há um conjunto de prédios de habitação que se estão a fazer nessas zonas.

Catarina Barreiros: Certo.

José Manuel Viegas: Quando, na altura, a tentação era tudo para escritórios.

Catarina Barreiros: Que davam mais lucro imediato.

José Manuel Viegas: Era o que dava mais dinheiro. Mas é normal que o promotor imobiliário vá à procura disso. Cabe ao poder político ter esta visão de conjunto…

Catarina Barreiros: Regular.

José Manuel Viegas: …e estabelecer as balizas para onde é que ele se pode andar.

Paulo Líbano Monteiro: Claro. Claro.

José Manuel Viegas: E, portanto, é possível fazer isto. Agora, tem que haver a tal lucidez, a tal visão de longo prazo, e perceber que, quando o urbanismo está desequilibrado, depois, tudo o resto, não consegue…

Catarina Barreiros: Vai ficar comprometido.

José Manuel Viegas: … recuperar. Fica tudo comprometido, não é?

Paulo Líbano Monteiro: Em relação à parte elétrica, o sistema elétrico, há algumas cidades… a Catarina perguntou, eu diria… primeiro, perguntou se não aprendíamos com os outros, e certamente que sim. Eu diria que nós temos uma preocupação muito grande em não reinventar a roda e em aprender com o que os outros fazem, de bem ou de mal. É fundamental isso. E lembro-me quando começámos com o projeto InovGrid, já há mais de 10 anos, que fizemos várias visitas. Lembro-me que fomos a Boulder, no Colorado, fomos a Gotemburgo, fomos a Amsterdão, fomos a Paris, uma série de sítios, falámos muito com as nossas congéneres, com outras empresas de distribuição noutros países, para aprender o que estavam a fazer e para partilhar também o que estávamos a pensar fazer. E isso foi essencial para conseguirmos definir melhor o nosso conceito, o que é que queríamos fazer, como é que íamos fazer. No início deste projeto InovGrid, que é o projeto, vá lá, das redes inteligentes, das smart grids, resolvemos definir um local de atuação, que foi o município de Évora, a cidade de Évora, mas foi o município inteiro, para testar aí uma solução de redes inteligentes, que suportassem também a cidade inteligente, a cidade de Évora e o município de Évora. E foi uma experiência que começou a partir de 2010, mais ou menos, com a instalação dos contadores, a instalação de soluções, a parte da iluminação pública, por aí fora. Foi uma experiência fundamental para ganharmos sensibilidade em relação àquilo que eram as melhores soluções para a rede elétrica, por um lado, mas também muito para percebermos a recetividade dos consumidores, ou dos stakeholders, de modo geral, também da Câmara, do município, que esteve também envolvido, e para perceber o impacto daquilo que fazíamos, que impacto é que aquilo tinha? Aquilo é positivo? Tem benefício? Não tem? E com base em Évora foi o quê? Évora tem cerca de 30 mil consumidores, tem 50… tem ou tinha 54 mil habitantes, mais ou menos, o município. E é um município que tinha mais um consumo à volta da média, um bocadinho acima da média de Portugal, o consumo per capita…

Catarina Barreiros: Per capita?

Paulo Líbano Monteiro: …ou por ponto de consumo. E foi possível medir em Évora, nós depois comparámos ali com o município ao lado, com Montemor, creio eu. Comparámos a evolução dos consumos, antes e depois de nós instalarmos a solução de rede inteligente. E foi possível medir, de facto, uma redução do consumo da zona de Évora, apenas com base no facto de os consumidores passarem a ter faturas pelo consumo real, em vez de ser…

Catarina Barreiros: Estimado.

Paulo Líbano Monteiro: …estimativas, porque o leitor ia lá, de vez em quando, quatro vezes por ano. Mas uma coisa é isso, outra coisa é eu ter, todos os meses, o valor real. E, portanto, se eu faço um esforço para consumir menos, a minha fatura naquele mês desce. Se eu não faço o esforço, não tenho o cuidado, a fatura sobe, e a pessoa sente…

Catarina Barreiros: É um grande incentivo.

Paulo Líbano Monteiro: É um incentivo. Ou um desincentivo…

Catarina Barreiros: Certo.

Paulo Líbano Monteiro: … ao comportamento da pessoa. E, com base nisso, nós estimámos, por dois anos consecutivos, uma redução perto dos 4%. Foi muito, eu nem estava à espera de tanto. Mas comparando depois com, ali com o município de Montemor.

Catarina Barreiros: Certo, certo.

Paulo Líbano Monteiro: Foi muito. E para aqueles clientes que ainda tinham depois os dispositivos em casa, que conseguiam interagir de forma mais imediata, uns displays. A eficiência ainda conseguiu ser um bocadinho maior.

Catarina Barreiros: Quando vemos o consumo imediatamente, não é? Nós conseguimos [00:40:00]ajustar o nosso comportamento imediatamente, não é?

Paulo Líbano Monteiro: É. E temos um display. E vemos, agora estamos a consumir mais do que ontem, ou estamos a consumir na hora de ponta, e coisas desse género. E também com dicas, não é? Também demos dicas: “Eh pá, veja lá, você está um bocadinho acima daquilo que é a média para as pessoas”. Ou: “Tem um nível de consumo à noite muito elevado, portanto, há equipamentos que pode desligar”. Coisas desse género.

Catarina Barreiros: Hum-hum.

Paulo Líbano Monteiro: E conseguimos, com isso, de facto, fazer ter uma redução muito grande do nível de consumo. Muito grande, é o que eu digo, os 4% vale muito, não é? Em termos de energia é um número…

Catarina Barreiros: Sim, sim.

Paulo Líbano Monteiro: …muito significativo. E, depois, claro, os benefícios associados à rede inteligente, do ponto de vista das operações no terreno passarem a ser remotas, do ponto de vista de conseguirmos ter perdas na rede mais baixas, perdas comerciais e perdas técnicas. Foi muito relevante. Com base nisso, então, decidimos qual era a solução melhor. E avançávamos depois para o rollout em Portugal. Neste momento, o que é que estamos a fazer? Neste momento, enfim, estamos no rollout das redes inteligentes e, em particular, do smart metering – não é? – dos contadores inteligentes. Já vamos com cerca de 3 milhões e meio de contadores instalados em 6 milhões, ou pouco mais de 6 milhões. Estamos, neste momento, a instalar, na zona do Porto, na cidade do Porto, aquilo que chamamos o acelerador da transição energética do Porto, onde queremos montar uma espécie de um demonstrador daquilo que há de ser a rede, inclusivamente a rede elétrica, dentro de pouco tempo. E, portanto, atacando a área da gestão da produção fotovoltaica, atacando a mobilidade elétrica com carregamento inteligente, atacando a iluminação pública também, a evolução para leds e, depois, uma gestão mais unitária de cada uma das luminárias led, de modo a que as redes de iluminação pública possam ser usadas também para outros serviços e depois, montando também um centro de demonstração na cidade do Porto, onde se possa ver tudo isso, em ecrãs e ver um bocadinho também de informação acerca da transição energética. E, portanto, pôr disponível para o cidadão um espaço onde ele consegue ter uma ideia bastante completa. Por um lado, daquilo que está a ser feito no Porto, mas, por outro lado, do que é que isto da transição energética, quais é que são os impactos, quais é que são… como é que podemos agir, como é que podemos intervir…

Catarina Barreiros: Claro.

Paulo Líbano Monteiro: …e fazer aqui alguma diferença, do ponto de vista desta transição. Portanto, eu diria que, para nós, do ponto de vista do sistema elétrico, a aprendizagem com os outros foi fundamental. E ainda hoje em dia partilhamos informação de forma sistemática com os…

Catarina Barreiros: Hum-hum.

Paulo Líbano Monteiro: …operadores dos outros países.

Catarina Barreiros: E com os cidadãos, pelos vistos…

Paulo Líbano Monteiro: E com os cidadãos, obviamente. Com os cidadãos. Porque é fundamental o envolvimento deles, deles, de nós, não é?

Catarina Barreiros: Sim. Sim.

Paulo Líbano Monteiro: Nós somos consumidores, ou somos produtores. Sem esse envolvimento, não se consegue fazer a transição energética. É fundamental este envolvimento. Que tem vindo a acontecer, que tem vindo a acontecer. E cada vez de forma mais acelerada, mais intensiva. Mas, portanto, eu diria: o caminho… e para dar uma nota positiva, porque, de facto, os desafios são complexos, isto não é fácil, os problemas que temos no condomínio, de facto, existem.

Catarina Barreiros: Em grande escala nas cidades.

Paulo Líbano Monteiro: Em grande escala nas cidades, mas a verdade é que o caminho se está a fazer. Quer dizer, as coisas estão a evoluir, as coisas estão a melhorar…

José Manuel Viegas: É. Mas nós temos em Portugal um problema grave, que é: gostamos muito de ir ver o que é que os outros fizeram, mas temos muito medo de ser os primeiros a fazer. Muito medo.

Catarina Barreiros: [sobreposição de vozes].

José Manuel Viegas: O número de vezes, ao longo da vida, que já me aconteceu: “Mas, isso já está nalgum lado?”. Eu sou um bocado, enfim, fértil em imaginação. Mas inventei uma coisa, depois tive um estudante de doutoramento que fez uma coisa chamada “Corredor BUS inteligente”. Entre termos aquilo publicado e ser possível pôr no terreno uma demonstração, demorou 5 anos.

Catarina Barreiros: Rápido.

José Manuel Viegas: 5 anos. Foi rápido.

Catarina Barreiros: Sim, sim.

José Manuel Viegas: Foi rápido. Mas foi preciso estarem, no Ministério e na Câmara Municipal de Lisboa, pessoas que eu conhecia bem, que me conheciam bem, e que acreditavam que aquilo que pudesse funcionar. E tínhamos os papers publicados. Eram públicos.

Catarina Barreiros: Certo.

José Manuel Viegas: Apesar disso… depois fizemos a demonstração. O tempo que os autocarros demoravam a fazer… isto foi na Alameda da Universidade, no ano de 2005, o tempo que os autocarros demoravam a fazer, de uma ponta à outra, desde cá de cima, nas costas da reitoria, até lá abaixo ao cruzamento do Campo Grande, passou a ser menos de metade. Menos de metade.

Paulo Líbano Monteiro: Desde onde até onde? Desde…

José Manuel Viegas: Desde cá de cima, de onde está a estação, à boca da estação do metropolitano, ao pé da cantina velha.

Paulo Líbano Monteiro: Sim, sei.

Catarina Barreiros: Certo.

José Manuel Viegas: Era nessa curva.

Paulo Líbano Monteiro: Sim.

José Manuel Viegas: Até ao cruzamento com o Campo Grande, que era o sítio onde frequentemente…

Catarina Barreiros: Certo.

José Manuel Viegas: …os carros…

Paulo Líbano Monteiro: É uma coisa curta, sim.

José Manuel Viegas: É um quilómetrozinho…

Paulo Líbano Monteiro: Sim.

José Manuel Viegas: Não, mas repare. Muito importante, porque é aí que tipicamente havia o entupimento do trânsito.

Paulo Líbano Monteiro: Pois.

Catarina Barreiros: Até porque é uma zona de…

José Manuel Viegas: E os autocarros ficavam ali parados.

Paulo Líbano Monteiro: Certo.

José Manuel Viegas: … e não tinha largura para ter um corredor BUS. E o que se fez foi um corredor BUS, que ligava, quando vinha lá o autocarro e havia congestionamento, e depois desligava quando não vinham os autocarros. Porque os autocarros, aí, eram para aí uns dez por hora. Não mais. Portanto, tínhamos 5 minutos, entre ter passado um autocarro e o outro vir aí, tínhamos 5 minutos em que podíamos dar isso ao trânsito. Portanto, a ideia aqui era ter um corredor inteligente. Na altura, chamava-lhe intermitente, por uma questão mais de humildade do que de outra coisa, pronto. Funcionou muito bem. Esse paper tem hoje, em todo o mundo, mais de 100 citações. E, em Portugal, a questão foi: “Não está noutro lado, se calhar, e tal, não vamos fazer”. Mas como isto, outras.

Paulo Líbano Monteiro: Sim, sim.

José Manuel Viegas: Repare, temos sempre a mania: “Pá, se ainda não está feito, vamos deixar os outros correr o risco da inovação…

Catarina Barreiros: Quando os franceses fizerem, nós fazemos.

José Manuel Viegas: … depois, há 500 anos, não éramos bem assim, mas pronto.

Paulo Líbano Monteiro: Mas na parte [00:45:00]da energia elétrica não é bem assim.

José Manuel Viegas: Pronto, ainda bem.

Paulo Líbano Monteiro: Aí, somos mais inovadores. E vamos…

José Manuel Viegas: Sim, sim.

Paulo Líbano Monteiro: …muitas vezes à frente, sim, sim.

José Manuel Viegas: Mas, mais uma vez, aí, é uma empresa que decide tomar o risco.

Paulo Líbano Monteiro: Certo.

José Manuel Viegas: Do lado do…

Paulo Líbano Monteiro: Certo, é verdade.

José Manuel Viegas: …poder público, há mais medo. Vamos ver. E, depois, também somos muito seletivos, como estava a dizer a Catarina, talvez por razões de facilidade de língua, vamos copiar mais as coisas que se fizeram em França, um bocadinho menos na Inglaterra, mas é muito mais difícil irmos buscar as coisas dos nórdicos ou dos holandeses ou dos alemães porque já é sempre com tradutor pelo meio e, portanto, perde-se um bocadinho.

Catarina Barreiros: Certo.

José Manuel Viegas: Mas, repare, mas mais importante de onde é que vamos buscar a inspiração é termos a coragem…

Catarina Barreiros: OK.

José Manuel Viegas: …de sermos nós os primeiros a fazer. E isso, infelizmente, é muito raro. É muito raro.

Catarina Barreiros: Eu acho isso uma nota muito positiva para fechar a nossa conversa, porque, no fim, estávamos a falar de um problema, mas que é algo positivo. E eu acho que, se quiser dar aqui uma nota final, é: nós estamos sempre a falar de colaboração, estamos sempre a falar de comunidade, porque as cidades são o sítio onde maioritariamente nós vivemos, e nós precisamos de todos nesta conversa. E sabemos, através do título deste podcast que “É Agora ou Nunca”.

Somos todos agentes de mudança. E juntos podemos transformar o mundo. É agora ou nunca! Um podcast EDP que discute o presente e procura soluções para um futuro mais sustentável. Acompanhe o podcast É Agora ou Nunca no Spotify ou em edp.com.