29 Mar 2021
11 min

O Grupo EDP tem uma nova unidade de negócio focada no hidrogénio verde, a H2 Business Unit, para reforçar a liderança na transição energética. O potencial do H2 verde tem vindo a ser muito trabalhado na EDP nos últimos anos, exemplo disso são os projetos inovadores FLEXnCONFU  e BEHYOND.

A aposta da EDP no hidrogénio verde está em linha com os objetivos mundiais de descarbonização, mas também com a redução de custos deste produto essencial, esperando-se que atinja a competitividade ao longo desta década. Desta forma, o hidrogénio verde será cada vez mais integrado no portefólio de projetos de inovação da EDP.

Liderada por Ana Quelhas, a H2BU - H2 Business Unit vai focar os seus esforços nas oportunidades de hidrogénio verde junto de setores como a indústria do aço, química, refinarias e cimentos, bem como transportes pesados de longo curso. Os mercados prioritários serão os Estados Unidos e a Europa. “Se queremos cumprir os objetivos de neutralidade carbónica, vamos precisar de recorrer a outros vetores energéticos, como o hidrogénio verde, para dar resposta aos setores onde a eletricidade não é uma opção tecnicamente viável ou economicamente atrativa”, afirma Miguel Stilwell de Andrade, CEO da EDP.

É precisamente de olhos postos no hidrogénio que surgiram em 2020 o FLEXnCONFU e o BEHYOND, que detalhamos de seguida. Miguel Patena, diretor de Inovação da EDP Produção, explica os objetivos do FLEXnCONFU, projeto a decorrer na Central Termoelétrica do Ribatejo. Sofia Ganilha, project manager do BEHYOND, e Nuno Filipe, project manager do EDP NEW, desvendam alguns detalhes do estudo para a produção de hidrogénio a partir de parques eólicos offshore.

FLEXnCONFU

  • FLEXnCONFU: Preparar o caminho das centrais
  • Projeto FLEXnCONFU em marcha acelerada
  • De olhos postos nos transportes

BEHYOND

  • BEHYOND: A combinação perfeita de vento e água
  • Quais as vantagens de ser offshore?
  • Produção em função do destino
  • Plano alargado em cima da mesa

FLEXnCONFU: Preparar o caminho das centrais

A Central Termoelétrica do Ribatejo está envolvida num projeto que pode levar a uma maior adaptação das atuais centrais a um futuro em que o hidrogénio está cada vez mais presente nas cadeias de produção e consumo de energia. Com 21 parceiros envolvidos - destacando-se a EDP Produção e EDP NEW -, e três países (Portugal, Reino Unido e Itália), o FLEXnCONFU prolonga-se até ao final de 2024, com dois anos de demonstrações práticas do uso e produção de hidrogénio nas turbinas de gás natural da central.

“Este pequeno projeto-piloto é pequeno na dimensão mas grande no seu significado e no seu propósito futuro”, destaca Miguel Patena, diretor de Inovação da EDP Produção e um dos responsáveis pelo FLEXnCONFU, que tem um orçamento de 12,6 milhões de euros e é financiado a 70% pela União Europeia. A EDP Produção contribui com um orçamento de 2 M€ para a instalação do piloto, e o NEW com 0,3 M€ nas atividades relacionadas com a disseminação e outras utilizações do H2.

Na prática pretende-se produzir hidrogénio a partir de um eletrolisador de 1MW, testar o seu armazenamento em tanques pressurizados, e injetá-lo nas turbinas de gás para produção de energia elétrica em ciclo combinado. “Este projeto vai-nos dar as bases, do ponto de vista tecnológico, para validar as soluções no futuro e pensar se vale a pena ou não preparar os ciclos combinados para maior percentagem de hidrogénio no gás natural”, explica o responsável da EDP Produção, lembrando que “a injeção de H2 é simbólica, apenas 0,1%” da capacidade das turbinas. Ainda assim o suficiente para “se experimentar do ponto de vista tecnológico e demonstrar se faz sentido ou não subir de escala”.

As turbinas a gás das centrais CCGT da EDP suportam uma mistura com cerca de 10% de hidrogénio, pelo que “a partir desse limite temos de fazer alterações substanciais, com um custo elevado”, explica Miguel Patena. Por outro lado, a estratégia do Governo também passa por apostar num blending de hidrogénio no gás natural. “Vai acontecer nos próximos anos e, ao testarmos esta tecnologia num ciclo combinado, vamos antecipar essa necessidade no futuro”, avança o responsável.

No fundo, a preocupação da EDP também passa por “aprender a tecnologia e a sua flexibilidade”, uma vez que, tirando o eletrolisador, “todos os sistemas que estão à volta são feitos à medida” e “até o licenciamento para isto é uma novidade em termos de centrais convencionais”.

 

Projeto FLEXnCONFU em marcha acelerada

Terminadas as fases iniciais de layout e engenharia, 2021 é ano de definição das especificações técnicas para compra de equipamentos, que devem chegar durante 2022. Já com o local na Central do Ribatejo preparado, o próximo ano será de montagem das estruturas, com os primeiros testes a poderem ser feitos no final de 2022. “O compromisso com a Comissão Europeia é, durante 2023 e 2024, ter dois anos de demonstração de resultados, de que o H2 se pode queimar de forma segura e flexível nas turbinas”, detalha Miguel Patena.

Ao todo, estão previstas 1000 horas de utilização do hidrogénio, o equivalente a mais de 41 dias se pensarmos numa produção de 24 horas. Segundo o diretor de Inovação, isso vai incluir vários tipos de operações, como “testes de emergência, de arranque quase a 100% de hidrogénio - os tais 0,1% na mistura -, disparos, variações de carga”. Tudo isso “com vários parceiros a querer olhar e participar nesta análise”.

Há uma equipa multidisciplinar a trabalhar no FLEXnCONFU, que chegará a 15 pessoas na fase de instalação, mas a ideia é que muito mais estejam integradas no projeto. “Interessa envolver o maior número de pessoas possível”, indica o responsável, “para fazer esta aprendizagem interna, para nos podermos posicionar para outros projetos mais ambiciosos.

Miguel Patena acredita que essa é uma questão importante para todo o setor, porque os postos de trabalho na transição energética “vão ser reinventados”. Desde logo pelo caráter transversal e inovador do hidrogénio no futuro: “Olhando só para a EDP, é comum a praticamente todas as áreas, do ponto de vista das renováveis, da produção e mesmo na parte comercial e serviços”.

 

De olhos postos nos transportes

Segundo o diretor de Inovação da EDP Produção, “o hidrogénio é a last mile da descarbonização”. A eletrificação é mais fácil e eficaz em geral, “mas há indústrias como a pesada, as siderurgias e os transportes de longo curso que precisam de outras soluções. São esses segmentos que podem valorizar o hidrogénio como matéria-prima barata”.

É também por isso que já estão a surgir outras sinergias na Central do Ribatejo, que podem abrir o caminho para depois de 2024, quando a demonstração do FLEXnCONFU tiver terminado. “Atendemos a uma chamada da Câmara de Alenquer e promovemos um estudo com a Iveco, com a autarquia e com a Luís Simões, para testar a utilização de H2 também nos transportes”, avança Miguel Patena. Detalha que “terá de ser negociado depois com o consórcio, mas, ficando o eletrolisador na central, poderia alimentar um hub de hidrogénio para transporte de longo curso ou de passageiros na região”.

O eletrolisador deste projeto seria sempre “marginal” em termos de alimentação da central no futuro, mas o suficiente para outros usos. Caso seja decidido apostar mais no H2 em ciclo combinado, “o gasoduto traria já essa mistura proveniente de outro local”, tendo em conta os outros projetos de hidrogénio em que a EDP está envolvida.

E mesmo que não haja uma evolução do projeto para novos patamares após a sua conclusão, a missão já terá sido cumprida. “O que nós queremos é tirar as lições que possam sair da central para todas as utilizações em que seja necessário o hidrogénio. A aprendizagem faz-se experimentando”, termina Miguel Patena.

 

BEHYOND: A combinação perfeita de vento e água

Há algumas décadas poucos se lembrariam de colocar turbinas eólicas no mar, muito menos associadas à produção de hidrogénio. A verdade é que atualmente há pelo menos 15 projetos relacionados com eólicas offshore em desenvolvimento na Europa e um deles, o BEHYOND, tem coordenação portuguesa, a cargo da EDP NEW.

“O BEHYOND iniciou em finais de outubro de 2020 e tem a duração de um ano”, explica Sofia Ganilha, project manager do programa que está a ser desenvolvido em parceria com o centro de engenharia CEiiA, a WavEC, a TechnipFMC e a universidade norueguesa USN, com mais de 40 pessoas na equipa. “Neste momento estamos a concluir a identificação das geografias e regiões mais propensas a apoiar a implementação desta nova tecnologia”, continua a responsável, adiantando que o próximo passo “é focado na definição dos modelos de negócio mais viáveis e atrativos”.

Mas o que pretende afinal o BEHYOND? Porquê produzir H2 a partir de eólicas offshore? Na prática, trata-se de aproveitar um “recurso intermitente”, como é o eólico, para a produção de hidrogénio, criando uma sinergia entre os dois. “Neste projeto pretendemos analisar não só a viabilidade de redirecionar uma parte da eletricidade gerada pelos parques eólicos offshore para a produção de hidrogénio, mas também a construção de parques 100% dedicados ao H2”, detalha Sofia Ganilha.

No fundo, sendo um estudo de viabilidade tanto técnica como económica, todas as variáveis estão em cima da mesa. E os resultados iniciais, segundo a project manager, são bastante positivos: “Têm demonstrado a atratividade que envolve este novo modelo híbrido de geração sustentável de energia”. E Nuno Filipe, líder da área RES Integration & Flexibility no EDP NEW, defende que esta pode ser “uma solução competitiva e escalável, com aplicação em diferentes geografias, podendo ser utilizada pelos proprietários de parques eólicos, com o objetivo de produzirem hidrogénio verde”.

 

Quais as vantagens de ser offshore?

Apesar de parecer um processo bastante complexo, Sofia Ganilha explica que existem várias vantagens potenciais na aposta em produzir hidrogénio no mar:

  • Mover a produção de H2 para offshore beneficia de um recurso energético mais estável, permitindo produzir hidrogénio de forma mais constante.
  • Ao substituirmos a ligação elétrica à terra por pipelines de hidrogénio, necessitamos de menor investimento inicial (cabos de eletricidade de alta-tensão têm um custo maior). E esses mesmos pipelines para hidrogénio podem atuar como um buffer/armazenamento intermédio para o H2 produzido, o que evita um eventual investimento extra em terra.
  • Existem vastas áreas marítimas disponíveis para estas implementações que, de certa forma, têm uma maior aceitação pública por estarem distanciadas de zonas residenciais, comerciais e industriais.

Nuno Filipe acrescenta que o ambiente offshore “tem condições de recurso mais favoráveis, o que garante uma maior disponibilidade de energia gerada, levando a um custo de eletricidade mais baixo, o que tem um grande impacto no custo final do hidrogénio produzido”. Além disso, “no mar não existem restrições de ruído e operacionalidade, o que permite um maior aproveitamento e eficiência do sistema”.

Quanto a desafios, segundo o líder da área RES Integration & Flexibility no EDP NEW, “prendem-se com a montagem, logística e manutenção dos parques eólicos marítimos, dado que esta área é recente e carece ainda de dados e informações específicas”. E ao nível da produção e transporte, há que ter em conta também “o ambiente corrosivo”.

 

Produção em função do destino

À primeira vista, uma solução híbrida, com eletricidade e hidrogénio a fazerem o seu caminho para a costa, parece o mais adequado para a região que estiver próxima. E Sofia Ganilha destaca a “flexibilidade que oferece, seja por motivos de segurança - em caso de shutdown de um dos sistemas, é possível tirar proveito do outro -, seja por motivos de otimização, já que se pode privilegiar a produção de hidrogénio ou eletricidade consoante a valorização no mercado em cada momento”. Isto sem esquecer a possibilidade de aproveitar a energia do vento mesmo quando o consumo de eletricidade na rede é reduzido.

No entanto, uma produção eólica 100% dedicada a hidrogénio também tem as suas vantagens. “A implementação de soluções para produção e utilização de hidrogénio é determinada pela procura que existe numa dada região”, recorda a responsável do projeto BEHYOND da EDP Inovação, “depende primeiramente da existência de um utilizador final que tenha necessidades de consumo de hidrogénio e/ou eletricidade”. Assim, Sofia Ganilha prevê que este modelo possa fazer sentido em zonas industriais costeiras ou perto da costa, onde o hidrogénio seja ou possa vir a ser uma matéria-prima essencial.

 

Plano alargado em cima da mesa

O BEHYOND não prevê uma fase de testes no terreno, mas essa porta não está fechada, seja do lado da EDP ou dos parceiros. Até porque, segundo Sofia Ganilha, “existe um enorme potencial no eólico offshore para fornecer energia à sociedade em geral. E vários países europeus têm uma visão ambiciosa para o hidrogénio e já se revelaram dispostos a apoiar soluções similares às que estamos a desenvolver”.

Quanto a Nuno Filipe, acredita que a tecnologia estará pronta para ser comercializada em 2025, mas “é necessário encontrar outros programas de financiamento, para levar o projeto “da prova de conceito até à sua comercialização”.

Seja qual for o passo seguinte, quando o BEHYOND tiver sido concluído, Sofia Ganilha acredita que “vai permitir à EDP adquirir o know-how necessário para determinar a viabilidade deste segmento de negócio. O hidrogénio verde, produzido a partir de fontes de energia renovável, irá tornar-se uma das principais alavancas da descarbonização, ao mesmo tempo que mitiga a intermitência das fontes de energia renovável onshore e offshore”.

Lembra ainda que “a colaboração com muitos dos principais players tecnológicos e académicos da área vai permitir construir uma base sólida e, ao liderar o projeto BEHYOND, a EDP está a antecipar uma tendência e a preparar-se mais uma vez para o futuro da energia”. Por seu turno, Nuno Filipe destaca que “a possibilidade de aproveitar esta energia para produzir hidrogénio, ao invés de ser desperdiçada, garante a produção de um recurso a um preço muito baixo, que poderá ser mais tarde utilizado para a produção de energia elétrica, ou ainda melhor, para o consumo direto do H2 onde faz mais sentido, em usos finais não eletrificáveis”.