A descarbonização é parte essencial da transição energética. Descubra os caminhos a seguir, incluindo o que pode fazer na sua empresa e na sua casa.
"A maior parte da queima (de combustíveis fósseis) aconteceu desde o início de Seinfeld. Desde o fim da Segunda Guerra Mundial, esse número é cerca de 85%."
É desta forma que o escritor e jornalista americano David Foster Wallace descreve a história das emissões de dióxido de carbono (CO2) no seu livro A Terra Inabitável. Se já o leu, sabe do que falamos. Se não leu, neste artigo explicamos-lhe a urgência em alterar hábitos de consumo de energia.
O que é a descarbonização? Descomplicar a terminologia
É cada vez mais frequente vermos entrar no léxico diário uma série de conceitos e siglas a que nem sempre conseguimos fazer corresponder conceitos concretos. Importa, pois, esclarecer.
Descarbonizar
A descarbonização consiste na redução das emissões de carbono na atmosfera, especialmente de dióxido de carbono (CO2). Cerca de 86% das emissões de dióxido de carbono do mundo são originadas pela queima de combustíveis fósseis para a produção de energia e de materiais, pelo que a eliminação/redução da utilização de energias provenientes de combustíveis fósseis, como carvão, gás ou petróleo, é uma das principais formas de reduzir (e, preferencialmente, eliminar) a emissão de gases com efeito estufa. As restantes emissões decorrem, principalmente, da desflorestação e das queimadas.
A transição energética para uma produção de energia mais sustentável passa pela progressiva substituição de tecnologias que usam combustíveis fósseis, por tecnologias que usam eletricidade proveniente apenas de fontes renováveis.
Dióxido de carbono (CO2)
É o principal responsável pelo efeito de estufa, mas existem outros, como o metano (CH4), o óxido de azoto (N2O) e o ozono (O3). Para que seja mais fácil medir as emissões destes gases, foi criada uma medida internacional: o dióxido de carbono equivalente (CO2e), através do qual os outros gases são convertidos em CO2, tornando-se mais fácil analisar o seu impacto no aquecimento global.
Economia circular
A economia circular é um modelo de produção e de consumo que envolve a partilha, o aluguer, a reutilização, a reparação, a renovação e a reciclagem de materiais e produtos existentes, enquanto possível. Desta forma, o ciclo de vida dos produtos é alargado.
Gases com efeito de estufa (GEE)
Estes gases absorvem uma parte da energia e calor dos raios solares e distribuem-nos pela atmosfera, evitando que escapem para o espaço. São os responsáveis por existir vida e calor na Terra. No entanto, quando as emissões são excessivas, o calor que fica retido no nosso planeta também é maior, provocando o aquecimento global e as alterações climáticas.
Pegada de carbono
O carbono é emitido em processos naturais, como a respiração e decomposição das plantas e animais, mas é através de ações humanas que se torna prejudicial. Pense no que tem vestido hoje, no calçado que traz nos pés, na última refeição que comeu, na forma como se deslocou para o trabalho, no seu telemóvel. Sabe que quantidade de carbono foi emitida para os produzir? A pegada de carbono é um conceito utilizado para quantificar o impacto de uma atividade, de uma pessoa ou de um país, em matéria de alterações climáticas.
Quantos zeros tem 1 bilião?
Os dados revelados pelo Global Carbon Project indicam que, em 1950, cinco anos depois do fim da Segunda Guerra, as emissões globais de dióxido de carbono, por ano, passaram de 4 biliões para 6 biliões de toneladas. Em 1989 (o ano em que começaram as emissões de Seinfeld), já tinham chegado aos 22 biliões e, em 2019, a humanidade era responsável pela emissão de 36,4 biliões de toneladas. Um bilião, caso tenha dúvidas, tem doze zeros. Demore-se em cada um deles (1.000 000 000 000).
Todos os anos é divulgado o Circularity Gap Report (Relatório de Lacunas de Circularidade), que avalia o estado da circularidade mundial e que tem como objetivo inspirar a agir e a melhorar a economia circular global. Segundo os últimos dados conhecidos, apenas 8,6% da economia mundial é circular. Para manter o planeta habitável é necessário duplicar estes dados, isto é, passar para pelo menos 17%.
Um por todos, todos por um
Em 2015, com o Acordo de Paris, todos os países do mundo assumiram o compromisso de tomar medidas para manter o aquecimento global abaixo dos 2ºC e combater os efeitos das alterações climáticas, traçando metas para a redução das emissões de carbono. Na Conferência do Clima da Organização das Nações Unidas - COP26, realizada no final de 2021, na Escócia, 190 países foram desafiados a reduzir as emissões até 2030.
A União Europeia (UE) comprometeu-se a reduzir, pelo menos, 55% das emissões até 2030. A Lei do Clima estabelece como meta a neutralidade carbónica, posicionando a Europa como o primeiro continente a atingir zero emissões líquidas de gases com efeito de estufa. Entre as medidas definidas, faz sentido concentrarmos a nossa atenção nas seguintes:
Regime de Comércio de Licenças de Emissão da União Europeia
Abrange os setores com maiores emissões de carbono, como as centrais térmicas, as refinarias, a indústria do cimento, da pasta de papel, do vidro, entre outras. Estipula que as empresas destes setores devem possuir licenças de autorização por cada tonelada de CO2 que emitem.
Mecanismo de Ajustamento das Emissões de Carbono nas Fronteiras
Consiste na aplicação de um preço do carbono às importações de bens provenientes de países que não se demonstrem tão empenhados em termos climáticos. O objetivo é evitar que as indústrias da UE desloquem a sua produção para países com regras menos rigorosas em matéria de redução das emissões de gases com efeito de estufa.
Preparação das florestas para as alterações climáticas
De acordo com dados do Parlamento Europeu, as florestas europeias absorvem, anualmente, cerca de 8,9% das emissões de GEE na UE. A legislação europeia pretende prevenir as emissões causadas pela desflorestação e obrigar os Estado-Membros a compensar as mudanças na utilização do solo, melhorando a gestão de emissões ou aumentando a sua área florestal.
Transição para veículos híbridos e elétricos
As emissões provocadas pelos carros representam 15% das emissões de CO2 da UE. Nesse sentido, têm vindo a ser tomadas medidas para facilitar a transição para veículos híbridos e elétricos.
Os pequenos passos que trazem grandes mudanças
Como corresponsáveis pelo problema, devemos assumir também a nossa quota parte de responsabilidade na adoção de medidas que contribuam para a solução.
Nas empresas
Um estudo da consultora Boston Consulting Group (BCG) revela que as empresas podem reduzir pelo menos 30% das suas emissões poluentes sem custos líquidos para o seu negócio. O relatório Winning the Race to Net Zero: The CEO Guide to Climate Advantage, publicado em janeiro de 2022, em colaboração com o World Economic Forum, demonstra que apostar na sustentabilidade traz várias vantagens competitivas às empresas.
De entre as medidas que podem (e devem) ser adotadas, no sentido de reduzir a pegada de carbono de uma empresa, destacam-se:
- A medição e análise dos GEE emitidos;
- O investimento em fontes de energia renováveis (como a energia solar ou a eólica);
- A implementação de soluções e de equipamentos que otimizem os consumos e custos de energia:
- A implementação de soluções que promovam a redução de desperdícios e de resíduos e a reciclagem;
- A adoção de soluções digitais de suporte à medição, monitorização e tratamento de dados para a gestão e otimização de processos;
- A aposta na digitalização;
- A otimização de itinerários, de deslocações e de viagens;
- A consciencialização e sensibilização dos colaboradores;
- A opção por parceiros e fornecedores que adotem políticas amigas do ambiente;
- O apoio a programas de reflorestação.
No nosso dia-a-dia
Tudo começa sempre com pequenos passos. Mobilize a família, calcule a sua pegada de carbono e estabeleça metas de redução. Sensibilize os seus filhos e crie desafios divertidos e exequíveis para que possam também eles participar. Meça os resultados regularmente. Existem várias calculadoras online da pegada de carbono: no site das Nações Unidas ou a Carbon Footprint. Em português existe a do World Wide Fund for Nature (WWF) Brasil. O que está ao nosso alcance e é possível fazer:
- Utilizar sacos reutilizáveis;
- Recorrer a embalagens próprias, quando nos deslocamos ao supermercado ou para produtos take away, em vez de embalagens de plástico de uso único;
- Optar pela recarga de produtos;
- Comprar apenas as quantidades de alimentos de que necessitamos, evitando o desperdício alimentar;
- Optar por produtos da época, orgânicos e de produção local;
- Reduzir o consumo de carne;
- Aderir às hortas comunitárias e produzir os vegetais que consumimos;
- Desligar os equipamentos elétricos quando estes não estão a ser utilizados;
- Tomar banhos mais rápidos;
- Fechar a torneira enquanto escovamos os dentes ou lavamos a loiça;
- Secar a roupa ao ar livre, em vez de utilizar a máquina;
- Reciclar;
- Evitar as deslocações de carro e de avião e privilegiar os transportes públicos e a bicicleta;
Sabe qual a pegada ecológica do seu voo? Calcule-a no site da Organização Internacional da Aviação Civil, utilizando a calculadora disponibilizada.
- Optar por peixe proveniente de pesca sustentável;
- Utilizar lâmpadas economizadoras;
- Escolher eletrodomésticos com melhor desempenho energético;
- Reciclar móveis e roupa;
- Reduzir a utilização de produtos químicos;
- Plantar árvores.
É impossível eliminar por completo a pegada de carbono no nosso dia-a-dia. Se não o conseguimos evitar, podemos compensar, apoiando projetos fidedignos que estejam ativamente comprometidos com a redução das emissões. Na plataforma United Nations Carbon Offset, da ONU, pode encontrar diversos projetos.