Como foi a sua viagem até chegar aqui? Provavelmente só precisou de ligar o telemóvel e tocar no ecrã. Hoje em dia nem pensamos nisso, mas tem ideia de como é que a energia chega até si para conseguir ler este artigo?
Apesar de estar sempre disponível quando precisamos dela, a eletricidade percorre um longo caminho. Sabia que o ponto de partida pode estar a mais de 1.000 quilómetros de distância? É o que acontece, por exemplo, com os habitantes da grande cidade de São Paulo. Parte da energia é produzida na central (“usina” no Brasil) hidroelétrica de Itaipu, no rio Paraná, entre o Brasil e o Paraguai, e percorre uma longa “autoestrada” até chegar à metrópole brasileira. Agora, imagine os milhares de quilómetros necessários para transportar energia no Brasil inteiro, que tem mais de 209 milhões de pessoas.
Este é um país continental e os grandes centros de produção estão no norte e nordeste do território. É preciso transportar (“transmitir”, em português do Brasil) a eletricidade gerada por essas centrais até à rede de distribuição. A EDP Brasil viu aí uma oportunidade de negócio: além do retorno para a empresa, também se torna atraente para os acionistas e é indispensável para a população. Mas vamos por partes: antes de nos focarmos na transmissão, vamos perceber o caminho completo que a energia percorre desde a produção até ao consumo final.
A roadtrip da energia elétrica
Se já fez uma longa viagem de carro, sabe que é preciso ter tudo muito bem planeado desde o ponto de partida até ao ponto de chegada. Claro que pode sempre improvisar pelo caminho, mas na roadtrip da energia convém que não haja qualquer obstáculo ou imprevisto.
No passado, as centrais de produção de energia tinham a capacidade de servir pequenas áreas locais. À medida que o consumo privado e industrial aumentou, as centrais também foram crescendo. Por isso, foi necessário procurar terrenos com mais espaço para instalar os centros produtores, que muitas vezes tinham de ser construídos em zonas ricas em recursos naturais (nomeadamente junto ao rio, para permitir a produção hidroelétrica) e longe dos locais de consumo. Isto implicou encontrar novas formas de transportar energia em alta tensão, por longas distâncias e com o mínimo de perdas, até à rede de distribuição.
A transmissão de energia é o nome que se dá ao transporte de energia entre a fase produção e a de distribuição. Até se aproximar do consumidor final, a energia passa por subestações, que vão alterando a tensão elétrica.
Assim, podemos dizer que a roadtrip é feita em 4 fases:
- Produção ("Geração" no Brasil)
- Transmissão
- Distribuição
- Consumo
O Brasil tem uma dimensão continental e por isso a função de transmissão é tão importante como a geração, principalmente porque as nossas centrais hidroelétricas mais recentes estão na região amazónica, mas os grandes centros de carga estão no sudeste e sul do país. Então, é preciso transportar grandes volumes de energia gerada.
Luiz Otavio Henriques, vice-presidente de Geração e Transmissão da EDP no Brasil
Uma maratona de milhares de quilómetros
O Brasil é o quinto maior país do mundo, com uma área territorial de 8.515.767 km2. O número pode parecer longo e indecifrável, mas corresponde a, aproximadamente, 1,6% de toda a superfície do Planeta. Impressionante, não é?
Atualmente, o Brasil possui 141.388 km de “autoestrada” elétrica espalhados por todo o território. O Operador Nacional do Sistema (ONS) estima que, em 2023, passe a ter cerca de 185.500 km. Este número corresponde a, praticamente, metade da distância entre o Planeta e a Lua! Enquanto não for necessário transportar energia a partir do nosso único satélite, temos de nos arranjar por terra. E como é que isso acontece?
Por vezes, podem existir subestações intermediárias, a partir de algumas centenas de quilómetros, para que haja a compensação de possíveis perdas e para que se garanta a estabilidade na transmissão de energia. “A EDP Brasil também constrói estas subestações controladoras. São intermediárias na rede básica e depois entregam para as distribuidoras”, esclarece Luiz Otavio Henriques. Por exemplo, o Grupo tem 500 km de linhas de transmissão na Serra do Rastro (Estado de Santa Catarina) e, por isso, existe uma subestação intermediária.
É este o funcionamento do sistema de transmissão, mas para uma empresa poder construir tantos quilómetros de “autoestrada” de energia, terá de ir a concurso com vários concorrentes — isto acontece em leilões que são lançados pelo governo brasileiro.
E vai uma e vão duas e vão três: vendido!
Consegue imaginar alguém a falar super rápido, a apregoar os preços dos objetos em leilão, criando um ritmo hipnotizante que só de observar parece que não conseguimos respirar? E no fim bate com o martelo de madeira na mesa e diz “Vendido!”... bem, estes leilões de energia no Brasil não serão tão acelerados, mas vale a pena perceber como funcionam.
O modelo de transmissão de energia é diferente do de Portugal. O país europeu tem apenas uma entidade de transmissão de eletricidade, a REN. No Brasil, o sistema é organizado em lotes e estes são adquiridos em leilões por diferentes empresas do setor. A Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) organiza estes leilões para fornecer a concessão da transmissão de energia às companhias que vão ficar responsáveis por todo o projeto da futura instalação. A empresa mais competitiva, ou seja, a que apresentar o menor valor de custo de construção, vence a compra do lote pretendido.
Continuamos sem ter direito ao martelo a bater na mesa, mas há algo de empolgante nestes leilões: a entrega dos valores é feita por envelope fechado. Caso surja uma diferença de menos de 5% nos preços entre duas empresas, a negociação passa a ser apregoada a viva voz, de forma a que os investidores baixem ainda mais os preços, levando a uma competição ainda maior. Consegue imaginar a adrenalina de cada negociador nestes momentos?
Uma das vantagens destes leilões é permitir a livre concorrência de mercado entre empresas do setor e novos empreendedores. Isto tem contribuído para a redução de gastos do Governo e para a construção das instalações em prazos mais curtos.
Em dezembro de 2018, a EDP Brasil colocou em operação o seu primeiro empreendimento de transmissão, no Estado do Espírito Santo, 20 meses antes de terminar o prazo regulatório.
“Por mais longa que seja a caminhada, o mais importante é dar o primeiro passo”
A frase é do compositor brasileiro Vinicius de Moraes e não podia estar mais certa. A EDP Brasil já atua há mais de 20 anos no país e está presente no mercado de Geração, Distribuição e Comercialização. O último passo dado foi na Transmissão, mas este foi gigante. Esta oportunidade de negócio oferece um retorno interessante ao Grupo e aos acionistas.
Em 2016, a EDP Brasil foi às compras e apostou na aquisição de vários lotes para a transmissão de energia nos estados de Minas Gerais, São Paulo, Santa Catarina, Espírito Santo, Maranhão e Rio Grande do Sul, o que representa cerca de 1.400 km de redes transmissoras no sistema elétrico do Brasil.
Estes investimentos na área de transmissão, que somam 3,5 biliões de reais (cerca de 756 milhões de euros), seguem um modelo de gestão já adotado nas obras de geração, designado de Project Management Body of Knowledge (PMBOK). Foi esse mesmo modelo que permitiu à empresa antecipar por vários meses a entrega das centrais hidroelétricas de Cachoeira Caldeirão, Santo Antônio do Jari e São Manoel. Mas é necessário compreender as especificidades de cada Estado para implementar esses projetos.
De mãos dadas com a comunidade e com o ambiente
Sendo o Brasil um país tão diversificado, há riscos e características em cada Estado que têm impacto na economia, nas comunidades e no ambiente. Para a EDP Brasil, a principal estratégia passa por perceber a comunidade e tentar adaptar-se a ela. É necessário trabalhar sempre em conjunto com a população local, explicar todos os processos da obra e esclarecer todas as dúvidas que possam surgir.
O modelo PMBOK implica um conjunto de práticas adaptadas à realidade da EDP e de cada projeto, contando sempre com a coordenação em conjunto de vários departamentos (jurídico, ambiental, engenharia, etc). “O segredo em construir está no modelo e este beneficia toda a estrutura, toda a técnica e solução. Construir é fácil, o problema é conseguir enfrentar os obstáculos.” Para Luiz Otavio Henriques, o trabalho em equipa é indispensável para evitar atrasos no cumprimento dos prazos de construção.
Quando olhamos para um país continental como o Brasil, com grandes diferenças culturais entre cidades, entre Estados, os principais problemas referem-se ao ambiente e às comunidades. É preciso perceber onde e como vamos atuar, mantendo sempre uma relação muito próxima com as pessoas locais. Esse é o segredo.”
Luiz Otavio Henriques, vice -presidente de Geração e Transmissão - EDP Brasil
Cada um dos lotes tem características próprias e desafios. Por exemplo, no Estado de Maranhão as comunidades têm maiores dificuldades financeiras. O investimento de 182 milhões de reais da EDP Brasil num empreendimento de mais de 200 quilómetros no Maranhão permitiu a criação de 1.100 empregos diretos durante a construção.
No Estado de Santa Catarina, o desafio é mais ambiental. Quando se faz uma linha de transmissão neste local, há centenas de quilómetros que passam no meio de serras. Luiz Henriques exemplifica com o caso da Serra do Rastro. Esta representa uma barreira que impede a subida a Santa Catarina e é dos poucos locais onde neva no Brasil. Para a EDP avançar com a instalação das torres das linhas de transmissão é necessário recorrer ao uso de helicópteros, um meio considerado inovador neste tipo de obras avançadas pelo Grupo.
Nada pode falhar nas construções destas longas “autoestradas” de energia e é necessário arranjar sempre uma forma de mitigar os impactos ambientais. É por isto que a EDP Brasil aposta num modelo de cooperação entre todos e quer continuar a investir nesta fórmula.
Caminhos paralelos à “autoestrada” da energia
Depois de uma viagem de muitos quilómetros, a EDP Brasil sabe que não vai ficar por aqui.
Até 2022, a EDP Brasil investirá R$ 3,5 bilhões (aproximadamente 730 milhões de euros) no segmento de Transmissão para a construção de 1,4 mil quilómetros de linhas e de seis subestações nos estados de Santa Catarina, Rio Grande do Sul, São Paulo, Minas Gerais e Maranhão. Segundo o presidente da empresa, Miguel Setas, estão mais focados em lotes menores que tenham pouca competição, porque existe uma concorrência “agressiva” no mercado brasileiro e não pretende entrar em projetos com pouca rentabilidade.
Com os olhos bem postos na estrada e mantendo uma condução segura, a EDP Brasil também é responsável pela criação do primeiro laboratório especializado em Redes Elétricas Inteligentes da América Latina. Este espaço faz várias pesquisas na área de Smart Grid e Qualidade do Fornecimento de Energia. O objetivo é aproximar o sistema elétrico brasileiro do que é considerado o futuro da distribuição de energia no mundo. Este é um caminho ambicioso, mas os pontos de interesse continuam a ser marcados no mapa do setor de energia.