A energia que não pode faltar
Assegurar serviços mínimos de eletricidade é uma garantia assumida por homens e mulheres que enfrentam a pandemia com um sentido de missão. Para que não falte o que não pode mesmo faltar.
"São 4 bolinhas, se faz favor. O mais branquinhas possível. Quanto é que é?". O pedido de pão surge em jeito de parêntesis, enquanto se explica como se implementa um plano que se esperou a vida toda nunca ter de se implementar. “Estamos constantemente a rezar para que situações como estas não aconteçam, porque estamos a falar da vida das pessoas. Mas temos de ter um plano para quando tudo corre mal e uma grande capacidade de resposta ao imprevisto, porque o imprevisto está a cada esquina”, explica Pedro Moreira, em mais um momento de multitasking inerente à condição de teletrabalho em que se encontra a maioria dos trabalhadores da EDP. Na empresa, e sem que disso houvesse uma consciência concreta, a reação a uma pandemia como a atual, de Covid-19, começou a ser preparada há 10 anos. Afinal, a eletricidade é um bem essencial. Um bem sem o qual já não sabemos viver e que, por isso mesmo, não pode faltar.
A EDP procura estar sempre na vanguarda da tecnologia, seja na vertente de exploração de energia, seja na de recursos humanos. A EDP tem um ADN de antecipar o futuro”
Pedro Moreira
Preparar o “impreparável”
A adversidade prepara-se nos momentos de acalmia. E assim tem sido, historicamente, com a EDP. Em 2009, Pedro Moreira, da equipa de Prevenção e Segurança do grupo EDP, esteve na equipa que geriu a crise da Gripe Aviária. Na altura, enfrentou um problema quando se ponderou o envio das equipas para teletrabalho: só poderiam fazê-lo com um número limitado de pessoas, já que não possuíam sistemas suficientemente robustos. Desde esse momento, a empresa foi-se modernizando. De tal forma que, “quando começámos a ter a visão de que, a qualquer momento, íamos ter de adotar um regime de teletrabalho muito agressivo, tivemos uma conversa com a área de sistemas, e eles disseram-me que, se no dia a seguir quisesse mandar toda a gente para casa, conseguíamos.”
Mas o Plano de Contingência da EDP para assegurar os serviços mínimos em época de pandemia não se esgota no teletrabalho. Foi necessário criar planos de ação para os que se mantinham no terreno e, sobretudo, garantir que toda a empresa seguia as regras.
É o caso de todos os piquetes no terreno, mas também de todos aqueles que asseguram o normal funcionamento de Centrais de Produção de Energia, como a Central do Ribatejo. Há 12 anos chefe de turno de uma das equipas desta unidade, Filipe Vicente sabe que o seu trabalho não se faz à distância, apesar do já elevado nível de automatização existente. “Se houver alguma avaria, temos de ir ao local da avaria, sobretudo porque a nossa central tem algum nível de risco, porque temos turbinas a gás e alternadores com hidrogénio.” Por isso, nem ele nem os seus colegas questionaram a necessidade de se manterem no local de trabalho.
As medidas foram rigorosas logo desde as primeiras notícias relacionadas com a Covid-19. Em primeiro lugar, foi reforçada a limpeza dos espaços comuns, implementada a distância social e criada uma sala de isolamento. De seguida, foi definida uma escala de rotação - estão três equipas ao serviço de cada vez e trocam a cada 14 dias - e foi criada uma segunda sala de comando: desta forma, as equipas não se cruzam na mudança de turno, cuja passagem é feita através de Microsoft Teams. E a Central é, em tempos de Covid-19, uma Central mais vazia: no seu interior encontram-se apenas a equipa de turno, a equipa de limpeza e a portaria.
“A empresa não tem um plano B. Tem um plano B, um plano C, um plano D… Em último caso, temos as instalações preparadas para fecharmos tudo e ficarmos isolados do mundo”
Filipe Vicente
E se, mesmo assim, correr mal?
Carlos Oliveira começou a trabalhar na EDP Distribuição há sete anos e, mais recentemente, assumiu o cargo de gestor operacional na metade norte do país. Até esta crise, a sua equipa trabalhava num open space, com as pessoas próximas umas das outras de forma a facilitar a comunicação. De repente, teve de enviar para casa o máximo possível de colaboradores, afastar os postos de trabalho daqueles que ficavam e definir as regras para os piquetes no terreno. Tudo para “garantir a segurança e saúde das nossas pessoas, para que eles também consigam garantir que os heróis do nosso Serviço Nacional de Saúde conseguem trabalhar, e que os hospitais, os lares, os centros de saúde, têm energia, tal como todos os outros portugueses.”
No entanto, e apesar dos esforços precoces, um elemento da sua equipa acusou positivo. “Foi muito difícil. Não sabíamos se podia ter infetado mais pessoas. De repente tivemos de mandar para casa de urgência 10 pessoas.” Uma situação que acabou por também ter influência na casa de Carlos Oliveira que, desde o início deste surto, passou a manter contacto apenas com a família de casa. “Eles percebem que é essencial a minha saída para trabalhar, mas também me querem proteger. Não querem que exponha a minha saúde e, no fundo, a saúde do resto da família.”
“O momento mais crítico foi quando, apesar de todas as medidas, aparece-nos um caso positivo na equipa. O medo aí foi real. As pessoas ficaram muito preocupadas”
Carlos Oliveira
Os super-heróis do teletrabalho
Estar em regime de teletrabalho num contexto como o atual, em que trabalho e família partilham o tempo e o espaço, é, quase sempre, sinónimo de dias que nunca mais terminam e de um exercício permanente de multitasking. Não é só a compra do pão que, entretanto, acabou. São os filhos em telescola ou ainda sem idade escolar, mas que querem companhia para brincar. São os afazeres da casa. São as férias adiadas. São as fronteiras que se esbatem e escritórios que passam a estar abertos 24 horas. É preciso conciliar tudo isto. “Os dias não têm fim, as noites não são noites dormidas. Pousamos a cabeça na almofada e continuamos a pensar em como proteger as nossas pessoas e como nos protegermos, o que fazer mais para agradecer a disponibilidade e a resiliência das nossas equipas”, desabafa Carlos Oliveira.
Uma ideia partilhada por todos, que falam de um espírito de missão, transversal à EDP, e que se revela de forma ainda mais evidente em momentos de crise, como o que se vive com a pandemia da Covid-19.
“Os dias são mais longos, mas estou a conseguir conciliar tudo: tenho dois filhos, de 10 e 13 anos, e consigo fazer algumas atividades com eles, que estão a ter aulas em casa”
Telmo Santiago
Mas afinal, o que são serviços mínimos?
A eletricidade é um bem essencial que não pode faltar. É por isso que a lei portuguesa define a obrigatoriedade da manutenção deste fornecimento inalterado, mesmo perante crises como a que vivemos. E, claro, para assegurar os serviços mínimos de um fornecimento, é necessário assegurar os serviços mínimos de uma equipa. Pedro Moreira, no entanto, rejeita a expressão. Não a considera justa. “Não gosto de dizer que estamos em serviços mínimos, porque estamos muito além disso. A mensagem que queremos passar é que, em primeiro lugar, vamos garantir aquilo que são os serviços essenciais à população. E não poupamos esforços para garantir isto. Isto é o essencial do nosso plano de contingência: é proteger as funções que são essenciais para não falharmos no nosso compromisso com a população.”
Dentro destas funções essenciais, encontra-se, por exemplo, a área logística, a que pertence João Pereira de Almeida, que precisa de continuar a assegurar a existência de todos os materiais para as intervenções necessárias, tendo, para tal, de trabalhar com fornecedores do mundo inteiro; ou Telmo Santiago, do Pólo de Ativos da EDP Distribuição, em zonas como Leiria, Pombal e Tomar. Na sua unidade, 65% das pessoas estão no terreno, a assegurar que nada falha. “Estamos a cingir a nossa atividade ao que é crítico, mas as avarias não são programadas. Ocorrem de forma inesperada e nós temos de acorrer.”
Dentro daquilo que é crítico nas suas atividades, contam-se as instalações consideradas prioritárias, por regulamentação da ERSE: hospitais, bombeiros, proteção civil. Uma lista que, com a pandemia da Covid-19, aumentou. “A ERSE criou condições para que as instalações que foram convertidas temporariamente para apoio à Covid-19 fossem também classificadas como prioritárias, para terem o mesmo tratamento que as outras - estamos a falar, por exemplo, de pavilhões gimnodesportivos. Temos quase uma centena de instalações prioritárias nos 19 municípios com os quais trabalho.”
No caso da UNGE (Unidade de Negócio de Gestão de Energia), explica Berto Martins, os serviços mínimos são a garantia da continuidade das operações. Porque o mercado de compra e venda de energia não para, e há que estar sempre atento às oscilações de preços.
“As nossas equipas de turno funcionam as 24 horas do dia, para garantir as operações de compra e venda de energia e para acompanhar as produções resultantes dos diferentes mercados.”
Berto Martins
E depois da Covid-19?
Ninguém sabe muito bem o que será a normalidade depois desta pandemia. Começa-se a desenhar agora o “novo normal”, com o surgimento dos planos de desconfinamento. Mas o que já se percebeu é que o progressivo desconfinamento do país não é sinónimo de voltarmos à vida como a conhecíamos antes da pandemia. Tudo muda. Nas empresas e nas vidas das pessoas. João Pereira de Almeida não tem dúvidas de que a experiência, bem-sucedida, com o teletrabalho, vai alterar muita coisa. Muitas deslocações serão equacionadas e, apesar do contacto ser indispensável - e João sente falta de dar apertos de mão -, “o teletrabalho é uma ferramenta com muito potencial e veio para ficar. Algum trabalho pode ser feito assim e ganhamos muito com isso. É uma questão de equilíbrio.”
"O teletrabalho é uma ferramenta com muito potencial e veio para ficar. Algum trabalho pode ser feito assim e ganhamos muito com isso. É uma questão de equilíbrio."
João Pereira Almeida
Outro aspeto que espera que se mantenha é a preocupação com os outros e a proximidade. “Já ninguém diz só ‘Bom dia’ ou ‘Boa tarde’ ao iniciar uma conversa. Queremos saber como estão, como estão as famílias”, acrescenta Telmo Santiago. Até porque, durante este período, todos “vimos o outro lado das pessoas com quem trabalhamos”, diz João Pereira de Almeida. Descobriram-se as casas, os filhos, os medos. Era bom que essa proximidade, descoberta num tempo de distância social, se mantivesse. Mas não há dúvidas de que o regresso à normalidade vai demorar muito tempo. “Vamos ter de esperar muito tempo até nos podermos abraçar outra vez e isso é muito complicado quando pensamos naqueles que mais amamos”, desabafa Berto Martins. Um dos que mais ama, a filha, de 25 anos, é profissional de saúde e lida diariamente com infetados por Covid-19. O abraço terá de esperar.