Transcrição do episódio 2: economia circular

 

Podcast É Agora ou Nunca

Episódio 2: Economia Circular

Informações:

Duração do áudio: 00:47:30

Convidados: Ana Júlia Pinto e Paulo Ferrão

Entrevistadora: Catarina Barreiros

Somos todos agentes de mudança. E juntos podemos transformar o mundo. É agora ou nunca! Um podcast EDP que discute o presente e procura soluções para um futuro mais sustentável.

Catarina Barreiros: Bem-vindos a mais um episódio do podcast É Agora ou Nunca. Hoje vamos falar sobre economia circular. O meu nome é Catarina Barreiros e tenho comigo dois convidados muito especiais para falar sobre este tema. Tenho Ana Júlia Pinto e Paulo Ferrão. Ana Júlia Pinto é formada em Engenharia do Território pelo Instituto Superior Técnico, onde trabalhou também como investigadora durante 10 anos, está há 6 anos na EDP, na área de Sustentabilidade, na área de Clima e Ambiente do Departamento de Sustentabilidade. É doutorada em Urbanismo pela Universidade de Barcelona e especializada em mobilidade sustentável e economia circular que é o tema deste podcast. Paulo Ferrão também doutorado e licenciado pelo Técnico. Doutorado depois noutra faculdade. É presidente atualmente da COST, uma organização europeia que visa implementar financiamento e comunicação na área da ciência e tecnologia. Foi fundador, ou cofundador, do IN+, esteve à frente da Fundação para a Ciência e a Tecnologia e foi diretor também do programa MIT Portugal. Começo se calhar pelo Paulo já que está tão ligado aqui à Academia para percebermos um bocadinho o que é isto da economia circular e o que é que a Academia diz sobre a economia circular, há benefícios, não há benefícios. O que é que há a dizer sobre este tema?

Paulo Ferrão: A economia circular é um tema fascinante e é um tema que tem dominado a atenção das pessoas nos últimos 10 anos essencialmente com a Fundação Ellen MacArthur, mas obviamente que a Academia já olha para este tema há muitos anos. Por exemplo, eu posso dizer que desde 1980 trabalho em áreas afins, nomeadamente a que chamavam Ecologia Industrial e que já era uma lógica de trazer para a indústria os princípios dos ecossistemas, que são basicamente que todos os produtos que nós comemos, enfim, portanto, que são naturais, as plantas, nós depois alimentamo-nos delas, no fim, enfim, quando as pessoas e os animais morrem, são decompostos, vão novamente alimentar estes produtos e fechamos os ciclos. Portanto, que é a lógica do ecossistema e que funciona apenas com energia que vem do sol. E de facto, a isto se chamava Ecologia Industrial e isto tinha todas as bases para a economia circular. Portanto, é provavelmente o nome mais fácil perceber economia circular porque, na verdade, o que está a dizer é que em vez de extrair as matérias-primas da terra e consumir os produtos e deitá-la fora do outro lado, que chamamos a economia linear, estamos na verdade a pegar nos produtos que consumíamos e reciclá-los, digamos, a reutilizá-los e pô-los de novo a funcionar na economia. Portanto, o conceito é idêntico e é uma coisa que tem sido de facto trabalhada há muitos anos. Também com certeza que vamos ter oportunidade de discutir que é um conceito que tem de ser apreendido com algum cuidado.

Catarina Barreiros: OK.

Paulo Ferrão: Porque, enfim, não basta ser circular para ser amigo do ambiente.

Catarina Barreiros: Exato.

Paulo Ferrão: Portanto, nós evidentemente podemos estar a reciclar um produto e, por exemplo, vamos reciclar uma… sei lá, por exemplo, podemos ir tentar reciclar uma garrafa de vidro em casa, se formos pô-la no vidrão que fica a 10 km de automóvel, é claro que foi muito pior e não deixou de ser circular. Portanto, há aqui todo um conjunto de aspetos que a Academia trata e que tem vindo a tratar ao longo das últimas décadas e que são críticos, mas a mensagem da economia circular é forte, é bem recebida e é bem-vinda.

Catarina Barreiros: Boa. Falou de a Academia ter vindo a tratar este assunto e já descobriu aqui algumas coisas novas, nomeadamente nem tudo o que é circular é bom. Isto também parece que é importante ressalvar. Há alguma área em que – e se calhar na parte da energia podemos estar aqui… – em que a circularidade é cada vez mais o presente? Já nem digo o futuro, mas o presente. Não sei. Energia provavelmente, temos estado a falar de circularidade, coisas renováveis provavelmente, não é?

Ana Júlia Pinto: Sim. Quer dizer, no setor energético, eu acho que esse é o principal papel, não é? Ou seja, o principal papel do setor energético é nós consumirmos fontes de energia renováveis, porque elas existem no nosso planeta e nós não temos que as extrair, nem de as transformar. Portanto, no fundo, o que nós fazemos é consumir o recurso que é natural, que existe e que vai existir no nosso planeta para produzirmos energia. E isso é particularmente interessante, porque ao produzirmos energia, vamos fazer com que outros setores de atividade também eles possam consumir energia que vem de fontes renováveis. Portanto, no fundo, aquilo que nós estamos a fazer no setor energético é alavancar que outros negócios, outros setores, no limite, o consumidor final, ele próprio também é sustentável, porque consome energia de fontes [00:05:00] mais sustentáveis, não é? Portanto, esse é o… diria que esse é o nosso grande desafio neste setor e é o nosso valor acrescentado. Aquilo que podemos acrescentar valor na sociedade é efetivamente isso.

Catarina Barreiros: Pegando se calhar num do que os dois disseram, porque falou aqui uma questão importante que é: o setor energético tem de estar bem consolidado a nível de circularidade das energias renováveis para depois as empresas poderem implementar a circularidade, não é? Uma empresa que transforme, por exemplo, plástico reciclado em outros materiais só será verdadeiramente sustentável se o fizer com energia de fontes renováveis, ou a circularidade será mais interessante para o ambiente se isso estiver feito. E isto leva-me se calhar à minha segunda pergunta que está relacionada com o objetivo de desenvolvimento sustentável n.º 9 que é o da indústria e tecnologia. Como é que a indústria e a tecnologia se conseguem complementar? E agora talvez aqui mais na parte da investigação. Em que é que a investigação permite a indústria avançar, ou em que é que a indústria pressiona a investigação e que vai atrás e vai pedir às pessoas “por favor, investiguem-me isto”, como é que isto funciona?

Paulo Ferrão: Sim senhora. Em primeiro lugar, deixe-me dizer uma coisa que acho importante, que é: este assunto da economia circular não é uma questão tecnológica. É acima de tudo uma questão da sociedade e da forma como estamos organizados. As tecnologias existem. E, se me permite, dava aqui uma perspetiva histórica do que tem acontecido nesta…

Catarina Barreiros: Perfeito.

Paulo Ferrão: Nas últimas décadas. Desde que trabalho nestas áreas, portanto, sensivelmente desde os anos 80, começou a aparecer um caso muito famoso que era na Dinamarca, portanto, que se chama-se Kalundborg, foi o primeiro caso em que várias indústrias se foram localizando no mesmo espaço físico, portanto, na mesma zona. A zona que é Kalundborg e em que umas indústrias usavam como matérias-primas os resíduos das outras e então foram-se juntando as indústrias que faziam isto. E aqui temos um bom exemplo das indústrias que começaram a fazer isto, porque tinham duas grandes vantagens, uma vantagem ambiental, mas também uma vantagem económica. E isto começou a ser estudado pela Academia. E assim nasceu o conceito de ecoparques industriais. Portanto, o eco parque industrial é a primeira grande manifestação industrial da economia circular numa altura em que ainda nem se falava da economia circular. E isso foi muito importante para a Academia, em particular para mim que trabalhava muito esta área da Ecologia Industrial, para perceber uma coisa – e deixe-me aqui dar outro nome – que é o metabolismo das economias. Portanto, é uma área em que também trabalho e que é fundamental para esta matéria, que é perceber que nós, enquanto sociedade, enquanto economia, temos, enfim, alguma analogia com o corpo humano. A economia ingere materiais, processa-os nos seus diferentes órgãos, que na economia são os diferentes setores económicos.

Catarina Barreiros: OK.

Paulo Ferrão:E depois… e as diferentes indústrias. Elas trocam entre si e, no fim, descarregam-nas e normalmente resultando em impactos ambientais. E, por isso, a economia conseguiu depois ir desenvolvendo sistemas muito mais que tecnologias que foram dando contributos para resolver este problema. O primeiro grande contributo que eu estudei – e depois íamos estudando isto naturalmente – aparece em 1992 que foi a bolsa de subprodutos da Catalunha. Portanto, pela primeira vez, apareceu uma organização que teve a ideia de dizer assim “bem, então se eu quero promover aqueles ecoparques industriais, mas em indústrias que não estão co-localizadas, o que eu posso fazer é dar a oportunidade a quem tem um resíduo, um subproduto…”, portanto, porque depois a conversa do resíduo é outra conversa mais complicada. Mas, portanto, tem um subproduto, um resíduo que eu posso encarar como subproduto. Subproduto no sentido que ele pode vir a ser usado por outro, ele pode comunicar isso ao mundo através de uma bolsa, como uma bolsa de valores e depois pode haver outra empresa que diz: “Ah sim, eu posso usar isso.” E transacionam esse produto na bolsa de subprodutos da Catalunha.

Catarina Barreiros: Como matéria-prima?

Paulo Ferrão:Como matéria-prima. E de facto foi a primeira grande coisa que aconteceu naqueles tempos. Depois, já em 2003, no Reino Unido, aparece uma outra lógica da indústria que foi o NISP que era o núcleo nacional para a promoção das simbioses industriais, que é isto quando uma indústria usa o resíduo de outra como matéria-prima e que, no fundo, o que faz é um facilitador… em vez de ser uma bolsa, era um facilitador. Portanto, era uma instituição que ia à procura disto e tentava promovê-lo no seu campo. Digo com imenso orgulho, hoje em dia, que, em 2004, em Portugal, desenvolvemos o primeiro projeto de eco parque industrial. E posso aqui contar num pequeno minuto o que aconteceu. Na altura, o Presidente da Câmara da Chamusca na sequência de uma apresentação que eu fiz, veio ter comigo e disse: “eh pá, isso parece uma boa ideia. Essa ideia das simbioses industriais. É um pouco… mas pode ser uma boa ideia. E pode ser uma boa ideia porquê? Porque eu queria na Chamusca atrair indústria e então esta pode ser uma forma de dinamizar a indústria no território da Chamusca.” Eles já lá iam instalar uma coisa que eram os CIRVER’s, na altura. E em torno disto, e então, desenvolveu-se o conceito de eco parque que foi o Eco Parque do Relvão. [00:10:00]E isto é importante dizer, porque Portugal esteve nessa altura na frente. Portanto, o NISP nasce em 2003 e isto desenvolve em 2004 e começou-se a criar um eco parque baseado nessa lógica de que umas indústrias consumiam, no fundo, os resíduos das outras como matéria-prima. E, portanto, há aqui todo um historial e eu acho que Portugal tem que se orgulhar do que tem vindo a fazer e que de facto tem sido acompanhado pela Academia. E isto tem depois muitas questões, obviamente, tecnológicas, nomeadamente saber quando é que uma indústria pode usar um certo subproduto, mas de facto tem havido… é uma área onde digo com satisfação que tem havido um bom casamento entre a indústria e a Academia e que tem-se sabido encontrar novas soluções.

Catarina Barreiros: Hum-hum. E neste momento em Portugal existem eco parques desses a funcionar?

Paulo Ferrão:O Eco Parque do Relvão ainda está a funcionar. Depois, enfim, não tenho acompanhado tanto. Mas quer dizer, hoje temos, de uma maneira diferente, algo que funciona da mesma maneira. Portanto, eu também tive a felicidade, porque era quem estava a trabalhar nesta área, de durante muitos anos, ter desenhado, digamos assim, concebido as sociedades que hoje fazem a reciclagem dos produtos em fim de vida.

Catarina Barreiros: OK.

Paulo Ferrão:Portanto, trabalhei no desenho da Valorcar que faz a reciclagem dos automóveis. E depois no desenho do ValorPneu.

Catarina Barreiros: OK. Mais específico.

Paulo Ferrão: Portanto, mais especificamente. E depois no desenho do que é hoje a Electrão que faz a reciclagem de produtos elétricos e eletrónicos. E estas sociedades que são sociedades gestoras de produtos em fim de vida, na verdade, promovem hoje em dia, estes ecossistemas, digamos assim, mas de uma forma distribuída. Portanto, ou seja, eles têm como obrigação garantir que aquele produto que é colocado no mercado e que está sobre leis muito… enfim, poderosas, digamos, de alguma maneira. Por exemplo, um automóvel tem que ser reciclado e valorizado em 95%, senão não pode ser vendido. E a Valorcar, por exemplo, tem que garantir que isso acontece. E, na verdade, isto é uma forma de… não deixa de ser uma forma de eco parque, mas é virtual. Ou seja, ele tem uma rede espalhada pelo país de indústrias que vai alimentar.

Catarina Barreiros: OK.

Paulo Ferrão: E isto obviamente, em termos económicos, não tanto no automóvel, porque ele é tão rico em metais que esta operação se paga a ela própria, mas por exemplo, nos pneus, obviamente, o que isto acontece é que estas sociedades surgem para coletar, no fundo, o dinheiro à partida, portanto, são os eco valores.

Catarina Barreiros: Quando é posto no mercado. Hum-hum.

Paulo Ferrão:Quando é posto no mercado. E depois financiar as operações que são necessárias financiar para que isto aconteça. Portanto, é possível dizer que há, de facto, muita prática desta já em Portugal, que há experiência, que é preciso fazer muito mais do que o que estamos a fazer hoje. Portanto, de facto, é agora, ou tudo ou nada, portanto, estamos, de facto, numa época em que não podemos falhar. Não podemos falhar! Mas a mensagem que eu acho que é importante discutir é que nós não vamos falhar por falta de tecnologias, vamos falhar… espero que não falhemos, mas se falhássemos, era por falta de contexto, era por falta de sistema desta visão holística que tudo isto… que na verdade, é ambiente e a sustentabilidade requer. Portanto…

Catarina Barreiros: Sim. Falta de partilha de informação e de vontade de colaboração social, não é?

Paulo Ferrão: E dos incentivos corretos.

Catarina Barreiros: E dos incentivos corretos, OK.

Paulo Ferrão: Por exemplo, não podemos ter incentivos desalinhados. Portanto, se queremos, por exemplo, recuperar um determinado material de um determinado produto, esse produto não pode ir parar ao aterro. Portanto, e consequentemente, a taxa de aterro não pode ser barata, não pode compensar.

Catarina Barreiros: Claro.

Paulo Ferrão: Portanto, ou seja, ou está tudo muito alinhado, ou de facto damos sinais contraditórios e as coisas não acontecem.

Catarina Barreiros: Isso é muito curioso até porque falámos de empresas, falamos brevemente do consumo e como a economia circular também não pode ser o endgame em si próprio, mas tem de ser a solução para aquilo que é preciso fazer de consumo e de impacto e, efetivamente, o ODS2… 12 desculpem. Passando do 9 para o 12 é sobre consumo responsável e há bocadinho estávamos a falar, até antes de entrar aqui, sobre… não é por vir de uma fonte renovável que vamos deixar a luz ligada o tempo inteiro em casa, não é?

Ana Júlia Pinto: Exatamente.

Catarina Barreiros: Portanto, temos esta parte dos sistemas serem precisos ser criados, de ser necessária ação governamental e ser necessária educação para o consumo responsável e eu acredito que vocês sintam se calhar também sintam muito isso na EDP também.

Ana Júlia Pinto: Sim. E, Catarina, deixa-me ainda voltar um bocadinho atrás e pegar um bocadinho naquilo que o Prof. Paulo Ferrão estava a falar e desta ideia de sistema que é, no fundo, algo que é basilar neste conceito de economia circular para falar um bocadinho daquilo que é o papel das empresas e indo um pouco ainda ao ODS9. Ou seja, no fundo, o que acontece aqui é que todas as empresas têm que colaborar, ou os diferentes setores têm que colaborar entre si para que estas simbioses possam acontecer, não é? Por exemplo, no caso de uma empresa do setor elétrico, nós temos vários subprodutos, sejam as cinzas, escórias, que vêm das centrais térmicas tão diabolizadas hoje em dia, mas que no fundo [00:15:00] elas… muitas pessoas desconhecem que nós temos taxas de valorização na ordem dos 90%. Superiores a 90%. Porque efetivamente aqueles… é claro que as emissões de CO2 são indiscutíveis, mas efetivamente, existem muitos subprodutos que saem daquelas indústrias e alimentam outras, como por exemplo a indústria cimenteira, ou mesmo os gases siderúrgicos que são reaproveitados. Isto só para dizer que efetivamente as empresas têm um papel determinante construindo estas interligações entre si para que possa efetivamente haver uma economia mais circular. Porque eu não posso pensar que eu produzo energia, que eu tenho resíduos dessa minha atividade e que depois eu vou conseguir reciclar tudo aquilo que eu produzo e, portanto, efetivamente, isso é algo que tem que acontecer e, portanto, eu concordo inteiramente que, se nós falarmos – que eu também espero que não – será muito porque todo este círculo não se formou. E indo um bocadinho àquilo que tu estavas a falar e ao consumo, eu acho que nós somos uma população… eu acho que não há muito ainda esta perceção, a população mundial está a crescer de uma forma… um crescimento exponencial, não é? Portanto, nós o ano passado, por exemplo – só para dar um exemplo – o ano passado, nós tínhamos consumido em agosto todo o nosso budget de consumo que poderíamos ter para atingirmos o objetivo de limitar…

Catarina Barreiros: As emissões. O aumento da temperatura.

Ana Júlia Pinto: …o aumento da temperatura. Portanto, em agosto, nós já tínhamos consumido tudo aquilo que podíamos consumir. Portanto, nós não podemos pensar que vamos atingir uma economia circular, continuando a consumir da forma que consumimos e não mudando nada no nosso consumo. E pensando que é no fim de vida que nós vamos resolver todos os problemas. Portanto, no fundo, este papel do consumo sustentável que tu estavas a falar é algo que assume um papel determinante, porque as empresas também têm que trabalhar naquilo que está a montante da sua atividade. Ou seja, o desafio não está só naquilo que é a gestão do resíduo, ou mesmo do subproduto, portanto, aquilo que está no fim da minha cadeia de valor, também está naquilo que está a montante da minha cadeia de valor. Portanto, no fundo, em todos os produtos que eu tenho que comprar a outros fornecedores, naquilo que eu posso alavancar entre esses outros fornecedores. E depois isso tudo vai ter impacto no produto que eu vou produzir e que os consumidores finais vão consumir. Portanto, eu acho que a economia circular é muito esta perspetiva de que – e acho que é por isso também que se chama economia, não é? – que todo o ciclo tem que se fechar, mas não é só numa… uma empresa em si não vai conseguir fazê-lo sozinha, não é?

Catarina Barreiros: É em conjunto, não é?

Ana Júlia Pinto: Nem tu enquanto consumidor vais conseguir fazer isso sozinho. Temos que trabalhar em conjunto nesta ideia sistémica.

Catarina Barreiros: Isso é… é muito interessante essa estrutura de pensamento, porque, no fundo, o que estamos a dizer – e corrija-me se estiver errada – é: precisamos dos incentivos para isto acontecer, precisamos que as empresas se organizem e falem umas com as outras e depois precisamos obviamente de mais exigência da parte também do consumidor e sobretudo disponibilidade para a mudança – não é? – que estavas a falar de mudança do consumo, da maneira como as pessoas consomem. Mesmo na parte das empresas, aquilo que decidem produzir, se calhar, é preciso rever quantidades, rever métodos, rever muito… marketing, rever comunicação. Rever tudo, não é? Isso é…

Ana Júlia Pinto: Sim. E, para além disso, eu acho que sim, Catarina, mas ainda acrescentaria uma outra coisa que está a priori, que é: é preciso mesmo uma mudança de mindset nas próprias empresas. Ou seja, quando eu falava que tu tens que mudar a forma como geres a tua cadeia de fornecimento, por exemplo, não é? Isso é toda uma mudança de mindset nas empresas. Deixas de te focar especificamente apenas no custo, benefício, lucro financeiro, mas temos que introduzir um outro conjunto de critérios nestas compras que nós próprios fazemos – não é? – para a nossa atividade que também vão ter no médio/longo prazo um benefício. Portanto, é muito também nas empresas uma mudança de mindset sobre como é que tu geres toda a tua cadeia de valor. E isso é essencial.

Catarina Barreiros: E que bons exemplos é que já existem de isso estar a acontecer? Porque eu acho que enquanto consumidores – se calhar pondo-me aqui no papel meramente de consumidor – às vezes, acreditamos que não há empresas a fazer bem, no fundo. Achamos que não, que está tudo a falhar. Lá está, não há esta mudança sistemática, não há esta… e existem bons exemplos, não é? Existem bons casos. Não sei. Talvez o Paulo conheça muitos pela sua atividade profissional, mas…

Paulo Ferrão: Existem muitos bons casos e deixe-me dizer-lhe o seguinte: este trabalho que se está aqui a fazer é de facto fascinante, porque é de facto agora ou nunca. Eu costumo dizer que nós temos o privilégio único de viver uma nova revolução. Se calhar se me perguntassem, deste ponto de vista, em que época queria viver, era mesmo agora. Como disse o setor energético, como é que não se pode encarar com enorme entusiasmo um setor energético [00:20:00] numa Europa que tem como objetivo principal ser climaticamente neutra em 2050.

Catarina Barreiros: Efetivamente, climaticamente neutra.

Paulo Ferrão: Efetivamente. Portanto, o negócio de uma empresa de energia vai mudar completamente.

Ana Júlia Pinto: Completamente

Paulo Ferrão: É que não há hipótese. O negócio de uma empresa de energia vai ter que ser completamente diferente e a questão é: se a empresa de energia não mudar, mudam por ela. Portanto, num paradigma – e agora um bom exemplo – num paradigma em que estamos a ter os painéis fotovoltaicos baratos, em que começa a compensar economicamente ao cidadão instalar o seu painel fotovoltaico.

Catarina Barreiros: Hum-hum. E há benefícios para também para quem queira instalar também.

Paulo Ferrão: E tira benefícios. É evidente que uma empresa, digamos, oligárquica como era antes, que já não é, é evidente que tem de mudar. Eu aprecio a mudança que as empresas em Portugal estão a fazer. É de facto notável. E aprofundando mais a questão dos bons exemplos. Muitas vezes, pergunta-se “Ah, mas agora pomos um painel fotovoltaico, depois tenho que instalar uma bateria em casa para poder ser autossuficiente.” Mas não tem de ser autossuficiente! Tem é que lhe dar as condições…

Catarina Barreiros: Porque existe uma rede, não é?

Paulo Ferrão: Porque existe uma rede. Tem é de lhe dar as condições da pessoa poder usar essa rede. E fico feliz de perceber que hoje se fala em comunidades de energia que tratam disso mesmo. Cá está uma boa inovação. Portanto, em que eu posso gerir a minha energia, não olhar para o umbigo, mas a olhar para as pessoas que estão à minha volta. E esse problema do armazenamento deixa de ser um problema tecnológico em primeira instância, para ser outra vez um problema de sistema. Um sistema que neste caso é a rede inteligente, um sistema que neste caso é o que se chama hoje muito a internet of things, que é a ter a casa com sensores e liga, desliga. Eu tenho um filho que está a estudar ainda no Técnico, já tem a casa toda instrumentada.

Catarina Barreiros: Eu também tenho.

Paulo Ferrão: Portanto, já me liga e desliga tudo ao mesmo tempo. Eu quase já não tenho um interruptor em casa. E isto é importantíssimo, porque é a única maneira de dar sinais para dentro e para fora de quando é que eu posso ligar ou desligar. E o armazenamento depois, por estranho que pareça, deve-se fazer nas barragens. E é aqui que estamos de facto a mudar completamente.

Ana Júlia Pinto: Completamente.

Paulo Ferrão: Completamente o paradigma. As empresas portuguesas estão de facto a acompanhar isto que é uma revolução fantástica. E é uma revolução ainda mais bonita por outra razão, porque permite a cada um de nós ser protagonista de uma revolução que ele nunca pensou ser protagonista.

Catarina Barreiros: Todos contamos, não é?

Paulo Ferrão: Todos contamos. E todos produzimos.

Catarina Barreiros: Todos fazemos parte da rede.

Paulo Ferrão: Todos produzimos a eletricidade. Todos fazemos parte, todos podemos tomar ação e todos ganhamos com isso. O que é uma coisa, para além de muito democrática, muito inovadora e muito interessante, com enormes desafios para a regulação, com enormes desafios para o despacho.

Ana Júlia Pinto: Para as próprias redes.

Paulo Ferrão: Para as próprias redes.

Catarina Barreiros: Sim, porque vai haver inevitavelmente picos de utilização de energia, não é?

Ana Júlia Pinto: E porque as próprias redes têm de estar preparadas para que tu possas – tu enquanto consumidor final – produzir energia e injetar na rede, não é?

Catarina Barreiros: Certo.

Ana Júlia Pinto: E isso é um desafio para as próprias redes.

Catarina Barreiros: Sim, sim.

Ana Júlia Pinto: Mas este papel das empresas e esta adaptação necessária que as empresas estão a fazer é muito interessante também, porque leva a um outro pilar, por assim dizer, da economia circular, que é premente hoje em dia, que é esta formação de novos modelos de negócio. Criação de novos modelos de negócio para as próprias empresas. Por exemplo, uma das boas-práticas que também pode ser interessante aqui também para nós, para partilharmos, é várias empresas, no setor energético, mas também outras empresas de outros setores, promoverem muito esta ideia agora do as a service. Ou seja, tu, se calhar, podes comprar um painel solar para instalar na tua casa, mas também podes ter um painel solar que não é teu, e no fundo, existe uma empresa que te está a prestar o serviço e que o serviço inclui o painel solar. E que se tiveres um problema, ele pode ser reparado e se daqui a 1 ou 2 anos já não quiseres, ele pode, no limite, ser reparado, ser recauchutado, por assim dizer, e ser colocado na casa de outra pessoa. E, portanto, isto também elimina e reduz a produção de novos produtos, não é?

Paulo Ferrão:Exato.

Catarina Barreiros: Certo.

Ana Júlia Pinto:E, portanto, aqui estamos a entrar naquela ideia de circularidade. Por exemplo, no caso, o Paulo falava das baterias e do armazenamento, outra grande revolução que está a acontecer, também por causa da questão do lítio e do grande impacto que tem, é precisamente nesta área das baterias. É tu teres esta ideia de second life para as baterias e poderes reutilizar baterias, por exemplo, dos automóveis para armazenamento de energia.

Catarina Barreiros: Para iluminação.

Ana Júlia Pinto:Exatamente. Portanto, existe aqui toda uma revolução a acontecer nas empresas para se reinventarem. Mesmo criando modelos de negócio novos, diferentes, que são efetivamente boas-práticas que promovem e economia circular, porque reduzem a produção. Portanto, a economia circular também é isto, não é? [00:25:00]É reduzires o consumo de materiais virgens e, portanto, no fundo, tu produzires menos. Produzes menos bens porque podes…

Catarina Barreiros: Porque comunicas com outros setores.

Ana Júlia Pinto:Exatamente.

Catarina Barreiros: Portanto, no fundo, estamos sempre a falar no mesmo, é comunicação, interligação, rede, comunidade e é muito engraçado numa era em que se fala muito das redes sociais aproximarem, mas excluírem e as pessoas estão cada vez mais isoladas. Nós aqui estamos a falar do oposto que é: na realidade, a sociedade, o futuro da sociedade ou o presente da sociedade está na ligação e na conversa entre todos. Uma conversa se calhar mais tecnologicamente automatizada, mas uma conversa entre todos, não é? E quando estavas a falar das baterias dos carros, eu lembro-me de ver que, por exemplo, no São Carlos já é utilizado… são utilizadas baterias de carros para a iluminação dos espetáculos. Ou na Holanda, os estádios de futebol já usam essas… portanto, no fundo, aquilo que é… que se considera ser um dos grandes problemas do lítio que é o descarte, está a ser resolvido através desta conversa, através deste diálogo. E eu acho que a rede também acaba por ser especialmente interessante – corrijam-me também se estiver errada – quando estamos a falar de termos noite num sítio, dia no outro, estamos sempre a balançar.

Paulo Ferrão:[sobreposição de vozes]

Catarina Barreiros: Claro. É uma escala completamente… muito maior, mas, lá está, se temos excesso de produção durante o dia de energia … eu vejo isso, se calhar… os meus pais têm painéis solares, então, já é de facto fácil ter em casa. E se calhar, produziram imensa energia e chega ali ao final do dia, há menos energia, mas ainda há para carregar um carro elétrico. E à noite já se consegue aproveitar a energia que foi gerada e que foi gerada a mais. Portanto, também não queremos ter energia a mais armazenada, não é esse o objetivo, não é? É distribuí-la, é tornar eficiente. Isso é…

Paulo Ferrão:Mas há… posso salientar o que disse a Júlia?

Catarina Barreiros: Sim, claro.

Paulo Ferrão:Que é demasiado importante. Que é de facto isto de olhar para serviços e não para produtos. E aqui também há um diálogo de valores. Portanto, eu, como podem imaginar, eu sou engenheiro mecânico, quando acabei o Técnico, eu queria ter era um carro. Era mesmo a coisa mais natural…

Catarina Barreiros: Só um?

Paulo Ferrão:Pois, se calhar até mais, exatamente. E gostava de dar se calhar aqui um número que é interessante. Nós, quando falamos em economia circular – e isto é uma das coisas a que me dedico – é calcular o fluxo de materiais através das sociedades. Cada português, hoje em dia, em média, consome cerca de 20 toneladas de materiais por ano. Portanto, enfim, isto é tudo. É o que é necessário para a construção civil –imenso! – é o que é necessário para os automóveis, é o que é necessário para combustíveis, para comida. Para tudo! Portanto 20 toneladas! E o que retorna como reciclável é 2% disto. 2%! É disto que estamos a falar. Agora também estamos a falar disto e não vamos diabolizar isto, porque metade fica em stock na economia.

Catarina Barreiros: OK.

Paulo Ferrão:E o que são os stocks? São por exemplo os carros. Ora bem, eu hoje olho para trás e digo assim “bem, de facto se me conseguirem disponibilizar um automóvel a cada momento que eu preciso”, para que é que eu preciso de ter um carro?

Ana Júlia Pinto:Exatamente.

Paulo Ferrão:Que tem 90 ou 95% do tempo parado. Portanto, o que eu estou a contribuir é para o stock e estou a gastar imenso dinheiro. Então, esta ideia do serviço é absolutamente chave e eu acho que é a ideia que mais se vai disseminar, portanto, porque de facto evita um consumo enorme de materiais neste stock, que é a maioria. E, portanto, hoje por exemplo, trabalho em projetos… mesmo eu sei que tem formação em arquitetura, eu hoje estou um engenheiro mecânico meio arquitetado já, tenho… trabalho bastante com arquitetos e o que é que deve ser a cidade do futuro. E uma das coisas é… por exemplo, porque é que a própria casa em que a pessoa vive… o que é normal é a pessoa tem uma família e depois, enfim, os filhos vão-se e embora e ele fica sozinho. E fica numa casa grande. Porquê? Portanto, a casa também se calhar, se for desenhada de outra maneira, pode ser flexível.

Catarina Barreiros: Modular.

Paulo Ferrão:Modular. Portanto esta… essa é uma palavra-chave, é modularidade. Portanto, a modularidade é também nas indústrias o que vai facilitar a reciclagem e a reutilização. Porque se eu tenho um determinado produto, se ele for modular, há uma parte de produto que não está boa, eu mudo aquela parte. Se o produto não for modular, eu tenho que mudar o produto todo.

Catarina Barreiros: E já existe um telemóvel que é assim agora, com peças modulares. Aliás, eu estava a falar dos carros parados e eu lembrei-me logo de dois exemplos. Em Portugal, ainda não temos. Mas na Austrália há um serviço de partilha de carros que é consumer to consumer, em que eu posso estacionar o meu carro e tenho disponível uma aplicação, alguém enquanto eu não preciso do meu carro, está ali ao lado, leva e depois traz e leva para outro sítio e o carro volta àquele sítio. Claro que o serviço aqui depende do consumidor, mas isto existe já em Lisboa a uma escala de serviços providenciados por um externo, não é? Eu se quiser, em Lisboa, hoje em dia, tenho carros parados em montes de sítios, pego num carro, estaciono noutro sítio. Alguém há de precisar do carro noutro sítio, portanto, é… e acaba por… eu acho que em Portugal temos muito esta tradição do ter o carro. Nada contra, eu sei que os engenheiros mecânicos gostam muito de carros.

Paulo Ferrão:Já gostaram mais.

Catarina Barreiros: Já gostaram mais.

Paulo Ferrão:Eu verifico pelos meus alunos já não têm essa ambição.

Catarina Barreiros: Já não. Já estão mais no…

Paulo Ferrão:Já estão mais na sustentabilidade.

Catarina Barreiros: Focados na sustentabilidade.

Paulo Ferrão:Nitidamente.

Catarina Barreiros: Sim. Claro. Tem de ser. E se não forem os engenheiros mecânicos, quem, não é? Porque têm…

Paulo Ferrão:Exatamente. Enfim.

Catarina Barreiros: Mas sim, noto muito que existe esta flexibilidade, [00:30:00] mas que em Portugal nós ainda estamos muito na cultura do carro, o ter o carro é importante. Por exemplo, nós lá em casa temos um carro e, para a maior parte dos nossos amigos, isso é estranho, porque têm dois carros. Vocês são dois. Vocês precisam de dois. Mas não, nós temos um carro e organizamo-nos com os transportes e o carro até fica parado montes de vezes. E é engraçado isto, será que nós precisávamos do carro? Com todos os custos fixos que um carro tem, que nós nem sequer pensamos nisso, mas que é… compensa claramente alugar o serviço. O carro é daqueles bens que desvaloriza num instante.

Paulo Ferrão:Há um exercício muito interessante que eu fiz uma vez há muitos anos numa palestra que dei, mais filosófica, veja bem, que era… não é difícil de demonstrar que para um português médio, o português médio vai até abril, gasta todos os seus recursos económicos para ter o carro. Portanto, isto quer dizer que se a pessoa não tivesse o carro…

Catarina Barreiros: Vivia confortável mais um quarto do ano.

Paulo Ferrão:Mais 4 meses. Pois.

Ana Júlia Pinto:Exato.

Catarina Barreiros: Certo.

Ana Júlia Pinto:E há outra coisa muito interessante nisto que é… o Paulo estava a falar da modularidade e a modularidade é algo… é um chavão, não é? Mas pronto é algo que é muito importante para tudo isto que nós falámos aqui de a economia circular também ser possível, não é? Que é para podermos no fundo introduzirmos um outro chavão que é a longevidade do produto, que é no fundo estender… o que tu queres é estender o tempo de vida útil que um determinado produto tem, não é? Pronto. Tu se calhar utilizas o teu carro e depois, quando, entretanto, sai outro modelo, ou sei lá, já tem muitos quilómetros, vais vendê-lo, não é? Ele pode ser reutilizado por outra pessoa, mas também pode já não ser, não é? E, portanto, aquilo que nós queremos é que os produtos tenham esta… sejam desenhados desta forma modular para que se aquilo que não está bom no meu carro é… sei lá, a bateria, neste caso – vamos falar dos carros elétricos – eu posso substituir a bateria, ele pode viver durante mais 10 anos. E, portanto, e nos telemóveis exatamente a mesma coisa, não é? Os telemóveis então ainda têm um tempo de vida mais curto e carregam todos um bocado de lítio pesado em si, que tem um impacto muito pesado neste sentido.

Catarina Barreiros: E nós trocamos muito de telemóveis.

Ana Júlia Pinto:Pronto. E de 2 em 2 anos se calhar, de 3 em 3, ou 4 em 4, vá, assim as pessoas que ligam menos à tecnologia trocam de telemóvel. E, portanto, é muito importante introduzirmos esta ideia de que os produtos, eles próprios, quando são produzidos, e têm de ter um pensamento a priori para que todo este processo de economia circular seja mais facilitado, para que tu possas estender o tempo em que aquele produto vai servir o nosso propósito. Por exemplo, nós falámos aqui bastante dos carros e acho que é… porque a mobilidade sustentável é um tema que está na ordem do dia. Mas também podemos falar noutras coisas que se calhar são um bocadinho mais disruptivas na nossa mentalidade, porque nós portugueses pensamos em ter um carro, mas nós temos todos imensos eletrodomésticos em casa e isso até é algo… quer dizer, para nós, ainda é mais normal irmos comprar à loja do que comprar um carro. Pronto.

Catarina Barreiros: E temos uma máquina de lavar. Sim. Nós não vamos a uma lavandaria self-service.

Ana Júlia Pinto:Pronto. Temos uma máquina de lavar, temos um micro-ondas, temos um forno, temos um esquentador ou um termoacumulador. Temos essas coisas todas.

Catarina Barreiros: Certo.

Ana Júlia Pinto:Mas também já existem – para dar exemplo de uma outra boa-prática – serviços em que tu não és proprietário dos teus eletrodomésticos. Tu também vais comprar um serviço a uma empresa que te vai colocar os eletrodomésticos na tua casa e, ao fim de 3 meses, não estás satisfeito, eles até podem ir para casa de outra pessoa, não é?

Catarina Barreiros: OK.

Ana Júlia Pinto:E podem continuar a sua vida útil. Portanto, no fundo, existe… eu acho que existe todo um mindset que é um pouco disruptivo, mas que cada vez mais faz parte do dia a dia. E, portanto, existem muito boas-práticas por aí.

Paulo Ferrão:Eu posso…

Catarina Barreiros: Sim. Claro. Claro.

Paulo Ferrão:…reforçar aquilo que disse fazendo aqui um jogo com a Júlia interessante, reforçar uma coisa importante que disse é que isto obriga a um modelo de negócios completamente diferente.

Catarina Barreiros: Serviços mais uma vez, não é?

Paulo Ferrão:Mas porquê? Se uma empresa de automóveis, por exemplo, o interesse dela é vender automóveis. Portanto, se ela deixar de vender automóveis não sobrevive. Quando ela percebe que este modelo económico vai contra a corrente, porque há esta lógica da sustentabilidade, ela própria se adapta e deixa de vender o automóvel, mas passa a prestar o serviço de mobilidade. Isto foi por exemplo claramente o que aconteceu nas máquinas de fotocopiar. As empresas de fotocopiadoras deixaram de vender máquinas de fotocopiar. E isto tem uma coisa muito boa, é porque quando ela deixa de vender a máquina de fotocopiar ou o automóvel e passa a prestar o serviço, ela também tem interesse em que a máquina dure muito tempo.

Catarina Barreiros: Claro.

Paulo Ferrão:Que era uma coisa que não conseguia se ela fizesse…

Catarina Barreiros: E que seja reparável.

Paulo Ferrão:E que seja reparável.

Ana Júlia Pinto:Exatamente.

Paulo Ferrão:Isto muda tudo e é a única maneira verdadeiramente sustentável de promover o ecodesign, porque senão é quase contranatura um fabricante ir promover o ecodesign. Portanto é a beleza de tudo isto a funcionar junto, conjuntamente com as mudanças de maneiras de fazer o negócio, do modelo de negócios, é que dá esta lógica de sustentabilidade e por isto esta visão [00:35:00] de sistema.

Catarina Barreiros: É muito interessante isso, por acaso, que é sair da nossa esfera individual. Nós temos de deixar de ter… de pensar também o consumo como um ato individual, não é? E se calhar estar mais nesta onda dos serviços partilhados e do aluguer de serviços. É interessante. Eu não… penso no meu caso, não ter uma máquina de lavar em casa, certo, ia à lavandaria uma vez por semana, ia lá deixar se calhar em mais quantidade, as máquinas até são mais eficientes provavelmente, porque levam mais carga. Não faço ideia. Teria de ver. Mas é muito interessante E reduzimos na origem o problema, reduzimos no final que é o descarte, aumentamos o tempo de vida útil, não é? Até porque dos maiores cargos carbónicos em termos de produtos estão nos tecnológicos, não é? Portanto, não só as baterias de telemóveis que são com lítio, mas todos os componentes de cobre, aço.

Ana Júlia Pinto:Tudo! Exatamente.

Catarina Barreiros: De ouro, muitas vezes também. Estamos a falar de minérios – não é? – não renováveis.

Ana Júlia Pinto:Materiais raros.

Catarina Barreiros: Materiais raros. Exato. Isto é muito interessante. E se calhar conseguimos fechar aqui com uma pergunta que eu gostava de endereçar aos dois, portanto primeiro… quem quiser primeiro. Que é: qual é o futuro da economia circular? Que nós estamos a falar do presente. Isto é muito engraçado, porque nós já estamos a falar do presente. Estamos de facto numa época áurea para se viver, mas e o futuro? O que é que é o passo a seguir?

Paulo Ferrão:O que é que…?

Ana Júlia Pinto:Sim. Se o Paulo quiser.

Paulo Ferrão:Portanto… sim. Bom, o que é o futuro? Tem de ser mais disto, mas há aqui um elemento de que ainda não falámos o suficiente que é a pessoa. Portanto, que é o consumidor. E o que eu acho que vai ser absolutamente crítico é darmos à pessoa a informação que ela precisa para tomar as escolhas certas. E isto para mim é o futuro da… e tenho uma ideia para oferecer. E isto é também um desafio para as empresas. Portanto, é muito interessante que nós, quando compramos um eletrodoméstico, ele vem com manuais e tudo isso, quando compramos às vezes um automóvel ou um edifício, ele tem pouca informação. E para fazer isso que a Catarina estava a sugerir e que eu achei muito interessante, de eu poder ir de um lado para os outros, nós hoje em dia, cada vez mais defendemos que deve haver um passaporte do produto. O produto deve ter um passaporte que explica à pessoa quanto é que ele gastou para ser produzido, que componentes é que tem, mas depois como é que ele deve ser tratado nas fases subsequentes. E a pessoa tendo essa informação toda que pode ir num passaporte que não precisa de ser materializado. Hoje em dia está ao alcance de nós passar um QR Code e sabê-lo no telemóvel. Portanto não precisamos nem sequer de mais papéis. Eu passo a ter uma grande opção de poder escolher algo que é ambientalmente correto. Porque hoje um dos grandes problemas é o greenwashing. Portanto,eu se vou a acreditar em tudo o que me dizem, enfim, provavelmente, vou tomar uma má ação. Se de facto houver um passaporte do produto devidamente auditado por quem é competente, o que obriga as empresas a fazê-lo, desde logo é uma coisa muito importante.

Catarina Barreiros: Que às vezes as empresas não sabem também, não têm…

Paulo Ferrão: Não sabem, não… exatamente.

Catarina Barreiros: Ou não querem saber.

Paulo Ferrão: Mas, portanto, aumenta a transparência…

Catarina Barreiros: Certo.

Paulo Ferrão: …e a pessoa mais uma vez sente-se protagonista. Eu acho que não há mudança em que o consumidor não se sinta protagonista. E o consumidor para se sentir protagonista precisa desta informação, que agora metaforicamente vou chamar passaporte do produto.

Catarina Barreiros: Não é por acaso que a educação é um dos pilares da sustentabilidade, não é?

Paulo Ferrão: É verdade.

Catarina Barreiros: É um dos gestos com mais impacto nas alterações climáticas.

Ana Júlia Pinto: Sim. Sim. Isso que o Paulo referiu agora eu acho que é interessantíssimo e é uma das chaves claramente. E acho que isso também influencia as empresas, porque as empresas, muitas empresas, já têm muitas práticas de economia circular que não reconhecem, porque não conhecem suficientemente o conceito, não conhecem suficientemente muitas vezes a própria pegada dos seus produtos e que isso também induz as empresas a conhecerem e, se conhecerem, também sabem como fazer melhor. Por exemplo – para dar alguns exemplos – no caso do nosso setor, nós temos vindo a introduzir estes modelos as a service muito influenciados porque todo o setor está a mudar e nós também temos de mudar. Muitos desses as a service eles têm uma pegada muito positiva. E, portanto, nós temos essa… temos esses produtos. Também temos… também promovemos as energias renováveis e, portanto, consumimos menos recursos naturais, combustíveis fósseis, neste caso. Portanto, temos aqui outro exemplo muito positivo. Muitas vezes, promovemos a partilha entre os próprios consumidores. Isso também tem um impacto positivo na economia circular. Promovemos a eficiência energética. Tu também consomes menos. Portanto, ou seja, eu acho que existe também aqui um papel importante desta rotulagem de produto para as próprias empresas conhecerem as suas práticas, as suas boas-práticas, conhecerem-nas melhor e isso poder alavancar algo que tu fazes de outra forma. E há uma coisa que nós não referimos, mas que é muito, muito importante, que é: a União Europeia avalia a economia circular como uma oportunidade de cerca de três triliões de euros. Três triliões de euros! É muito!

Catarina Barreiros: E criação de muitos postos de trabalho.

Ana Júlia Pinto: Exatamente.

Catarina Barreiros: Que é uma coisa que a maior parte das pessoas pensa: não, não. Mas estamos a reduzir produção, estamos a reduzir trabalhos.

Ana Júlia Pinto: Exatamente. Exatamente.

Catarina Barreiros: Não é verdade! [00:40:00]A economia circular promove emprego.

Ana Júlia Pinto: E não estamos a falar de greenwashing, estamos a falar de efetivamente…

Catarina Barreiros: Factos.

Ana Júlia Pinto: Factos, não é? Portanto, é realmente uma oportunidade. E isso leva-me só a uma última observação relativamente àquilo que tu perguntaste do futuro. Acho que claramente o consumidor tem um papel determinante no futuro e é ele que vai influenciar muitas mudanças, mesmo nas próprias empresas. Já falámos muito do papel das empresas, mas há aqui também um papel muito importante do regulador. E isso é o futuro... diria que se calhar não é um futuro de médio prazo, tem de ser o futuro assim de mais curto prazo. Tipo já.

Paulo Ferrão: Já.

Catarina Barreiros: Está em falta se calhar neste momento.

Paulo Ferrão: Porque coisas como… coisas como aquela que o Paulo referia, não é? No fundo, para uma empresa, acaba por ser mais interessante em termos financeiros se um determinado material for para aterro do que se eu o valorizar. Isso são coisas que não podem acontecer, não é? Eu ter algo que faz com que a minha energia verde seja mais cara, porque tenho que comprar garantias de origem, etc., do que se tu comprares uma energia sem esse certificado também não pode acontecer, não é? Tu tens um produto que é certificado de pesca sustentável ou floresta sustentável e ele é mais caro, tu tens que pagar mais. Como és sustentável, então, tens sempre um aditivo…

Catarina Barreiros: Há aquele custo da certificação.

Ana Júlia Pinto: Exato.

Catarina Barreiros: Porque se é mesmo para ser, tem de estar certificado.

Ana Júlia Pinto: Mas isso tem que deixar de acontecer.

Catarina Barreiros: Claro.

Ana Júlia Pinto: E isso é um papel muito importante da regulação e eu diria…

Catarina Barreiros: Sim. Ou passa tudo a ter de ser certificado para estar no mercado, não é? Ou então as certificações têm de ser cobertas por investimentos governamentais, públicos.

Ana Júlia Pinto: Exatamente. Eu diria que isso é um futuro de curto prazo. Uma coisa que tem que mudar.

Catarina Barreiros: Esperemos que seja. Acho que foi interessante. Nesta última pergunta, acabámos por resumir um bocadinho todas as ideias chaves, que se calhar pegámos na parte da comunidade, de pensar a priori na produção, pensar na manutenção do produto e na longevidade do produto, pensar no fim de vida do produto que pode ser o início de vida de outro produto numa lógica de simbiose e de ecossistemas das empresas. E, de facto, eu acho que podemos todos concordar que de facto é agora ou nunca.

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