Transcrição do episódio 4: acesso à energia

 

Podcast É Agora ou Nunca

Episódio 4: Acesso à Energia

Informações:

Duração do áudio: 00:47:38

Convidados: Guilherme Collares Pereira e Luís Matos Martins

Entrevistadora: Catarina Barreiros

Somos todos agentes de mudança. E juntos podemos transformar o mundo. É agora ou nunca! Um podcast EDP que discute o presente e procura soluções para um futuro mais sustentável.

Catarina Barreiros: Bem-vindos a mais um episódio do podcast “É Agora ou Nunca”. O meu nome é Catarina Barreiros e hoje vamos falar sobre acesso à energia. O que é isto de acesso à energia, como é que este acesso se manifesta nas diferentes geografias e como é que as renováveis vêm conseguir ajudar a garantir acesso à energia para todos. E tenho comigo dois convidados especiais, que são especialistas neste tema. Temos Luís Matos Martins, que é CEO dos Territórios Criativos, Presidente da TESE, tem uma licenciatura em Finanças e um mestrado em Marketing pelo ISCTE. Foi Diretor-Geral da DNA Cascais, da Audax, Presidente do Conselho de Administração do Tec Labs e é hoje docente universitário. É também Presidente da Mesa de Assembleia Geral da ALER, fundador da Science4You e membro do Conselho Consultivo de diversas incubadoras de startups. Obrigada, Luís, por estares aqui connosco. Temos também Guilherme Collares Pereira, formado em Gestão e Marketing pelo ISCTE, também. Juntou-se à EDP em 2017, depois de mais de 30 anos de experiência enquanto gestor de empresas. Assumiu na EDP a responsabilidade na área de Inovação Social e, desde 2013, é Diretor de Relações Internacionais e do Fundo Access to Energy na EDP Renováveis, cargo que o levou, então, a assumir lugares representativos em associações como a ALER, a EURELECTRIC, a Câmara de Comércio Indústria Portugal-México e foi também, recentemente, nomeado pela UN Global Compact como Embaixador do ODS número sete. E é exatamente por aqui que vamos começar. Portanto, Guilherme, vou começar a pergunta por si. O ODS sete fala, precisamente, sobre o acesso à energia. E de que é que falamos quando falamos de acesso à energia? O que é que está em causa?

Guilherme Collares Pereira: Antes de mais, muito obrigado. É sempre um prazer falar de uma temática que nos é muito, muito, muito querida, que é esta da energia para o desenvolvimento, o access to energy. Quando se fala de access to energy, fala-se, no fundo, do acesso aos serviços de eletricidade. Serviço de eletricidade esse que se querem ter com tarifas baixas para que seja acessível às pessoas. E às pessoas – eu suponho que hoje vamos falar muito sobre isso – são as pessoas, sobretudo as populações dos países em vias de desenvolvimento, que são essas que efetivamente não têm ou têm muito pouco acesso aos serviços de eletricidade. Estima-se, hoje em dia, qualquer coisa, quase 900 milhões de pessoas sem acesso, vamos falar de energia, mas sem acesso aos serviços de eletricidade. E é uma condição necessária ter acesso à energia, senão eu nunca conseguirei quebrar o ciclo da pobreza destas populações. E é isso que se fala. O objetivo, o 7, é muito importante. No fundo é transversal a todos os outros. Que ele tem a ver com as questões da água, da agricultura, da saúde, etc., da educação, todos eles. Estamos ali numa posição mais ou menos a meio, sete, mas eu diria que somos bem transversais a todos. E esta nomeação que a UN Global Compact faz e me convida para Embaixador ser, claro que é uma grande honra e o meu trabalho tem sido, sobretudo, falar desta temática e explicá-la. E a quem? De preferência, sobretudo aos mais jovens, aos estudantes. Porque é por aí que nós temos que fazer um grande esforço, para que amanhã, lá mais à frente, no seu percurso profissional entendam perfeitamente isto. Eletricidade, para nós, é uma coisa, nós não nos lembramos no dia a dia, não é? É tão simples quanto tocar num botão, que hoje em dia já nem se toca. Faz-se assim e ela acende e apaga a luz. Mas é impensável viver, realmente, sem eletricidade e este é que é o grande tema que está à volta desta área.

Catarina Barreiros: Hum-hum. Falámos aqui dos países em vias de desenvolvimento que, de facto, é um ponto essencial e eu sei que o Luís também tem trabalhado nessa área, também estávamos a falar há pouco sobre isso. Porque para nós é uma coisa como acender um botão. Para muitas pessoas é não conseguir conservar comida, não conseguir produzir comida, não conseguir aceder a água. Portanto, eu sei que o Luís tem essa experiência, quais são as dificuldades?

Luís Matos Martins: Nem mais. Antes de mais, também obrigado pelo convite. É um privilégio estar aqui ao lado do Guilherme e convosco aqui nesta conversa. E é verdade, a TESE trabalha precisamente essas áreas. Começa na água, saneamento, resíduos, energia e emprego, empreendedorismo e trabalha em Portugal, mas com enfoque também muito presente na Guiné-Bissau, São Tomé e Príncipe, Moçambique, Angola, Cabo Verde e estamos aqui a trabalhar para irmos até Timor, também, com escritórios, com trabalho diário. Efetivamente eu partilho da visão do Guilherme, que a energia é muito transversal. E dando um exemplo um bocadinho do que é que nós fazemos, portanto, concretamente na Guiné-Bissau, em Bambadinca: nós temos mais de mil painéis solares que permitem abastecer e fornecer energia a uma tabanca, a uma tabanca grande. E isto depois relaciona-se nos ODSs com a educação, porque permite que a escola tenha energia, permite que, efetivamente, o comércio e os serviços, depois se quisermos ir para outras áreas, nomeadamente da saúde, portanto é muito transversal [00:05:00] esta questão da energia. E é uma causa, também, muito, muito nossa. Nós – e voltando a Bambadinca, portanto, no interior da Guiné-Bissau – é curioso, porque temos esses mil painéis solares que abastecem essa comunidade. E essa tabanca, neste momento, quer ter mais pontos de energia, quer ter mais contadores, mas que efetivamente, as medidas – e era uma discussão que até estávamos a ter há pouco – algumas das medidas e da política não permite que isso aconteça. Não permite porquê? Não permite porque têm que as tarifas ser aumentadas e isso depende do regulador e o regulador não autoriza que esses valores sejam aumentados. Enquanto que há uma base de suporte para isso. Porque nós na TESE, antes de definirmos a tarifa, nós fazemos um estudo socioeconómico para tentar perceber qual é a capacidade que cada família tem de pagar, portanto, essa energia, não é? Isto, por um lado, de uma dimensão. Voltando à energia, nós temos a energia… nós dizemos muitas vezes na TESE que a energia e a água andam sempre de braço dado, porque…

Guilherme Collares Pereira: É fundamental.

Luís Matos Martins: …é fundamental. Nós estamos – e agora posso ir para Bafatá, ou posso ir para Bolama – a instalar bombas de água, mas para essas bombas de água serem instaladas precisam de energia. Portanto, precisam de ter um painel fotovoltaico que permita o quê? A bomba funcionar para abastecer água, que para nós, também, admitimos que abrimos a torneira e sai água, e que pode chegar a uma escola, pode chegar a uma tabanca. E isto permite o quê? Agricultura de subsistência, permite que a partir daí venha o comércio, venha a produção o que eu não consumo em casa posso, de seguida, comercializar e isto vai gerando emprego. E não há melhor política social do que o emprego. E daí este caminho que nós temos vindo a fazer na TESE que é: água, energia, saneamento, resíduos, emprego, empreendedorismo. Portanto, isto tudo, que está tudo interligado.

Catarina Barreiros: É interessante, pegou aí num ponto que eu acho muito interessante, que é: fizeram um estudo na TESE de viabilidade financeira para suportar esses custos e só com base nessa viabilidade financeira é que avançaram. E é engraçado perceber que, ao mesmo tempo que estão a gerar energia, estão também a criar empregos e que uma não vive sem a outra, não é? Portanto, para se conseguir este acesso à energia e este financiamento das famílias, garante-se o empreendedorismo. Portanto, a energia está, no fundo, como dizia há pouco o Guilherme, está no meio. A energia, o acesso à energia está no meio de tudo.

Guilherme Collares Pereira: Exatamente.

Catarina Barreiros: E a minha pergunta é: o que é que está a ser feito, então, a nível – e isto para os dois, porque acho que os dois podem ter inputs sobre isto – para garantir o acesso à energia no mundo, sobretudo nestes países que estão a precisar deste desenvolvimento mais rápido para conseguirem as condições que nós já temos há 50 anos, não é?

Guilherme Collares Pereira: Claro. Felizmente estão-se a fazer muitas coisas. Não diria agora, se calhar há uma década, uma década e pouco atrás, muito pouco ou nada era feito. Se calhar era interessante aqui para esta nossa conversa contar aqui uma história breve que, realmente, coincide na altura em que eu entro na Fundação EDP, fui dirigir a área de Inovação Social. Estamos em 2008, à volta disso, o Eng. António Guterres, na altura Alto-Comissário para os Refugiados, envia uma delegação a Portugal para contactar as 20 maiores empresas portuguesas e tentar, junto delas, obter apoio financeiro para comprar medicamentos e alimentos, sobretudo. Isto para os campos de refugiados no Corno de África. Basicamente o Quénia, a Somália, o Sudão, a Etiópia, etc.

Catarina Barreiros: OK. Hum-hum.

Guilherme Collares Pereira: E eu recebi essa delegação, fizeram a exposição da causa e o pedido, ao que eu lhes disse “bom, o apoio, o subsídio, não o iremos seguramente entregar. Os dinheiros que temos disponíveis para fazer ações de intervenção não é com a ótica do subsídio, mas sim do investimento social. Nós achamos muito que, muitas vezes, o subsídio perpetua o problema e nós queremos é trazer soluções para os problemas, ou, não conseguindo, minimizar esses problemas.” Então foi aí que me surgiu a ideia de propor àquela delegação, “olhe, dinheiro não, mas podemos trazer soluções de energias renováveis, energias limpas para os campos de refugiados no Corno de África, que é exatamente a região onde vocês querem atuar e onde há mais sol.” Aliás, todo o continente africano é o continente mais rico em recursos renováveis. É o sol, é a água, é o vento, é a biomassa, é a geotermia, está lá tudo em grandes quantidades. Completamente autossuficientes, podiam recorrer só a eles. E então ficaram um pouco… não estavam à espera desta nossa tomada de posição, não ao dinheiro, mas trazer, sim, soluções de energia. Ficaram de pensar, regressaram à Suíça, a Genève, e ao apresentar esta nossa reação ao Eng. António Guterres em Genève, ele ficou encantado com a ideia, com esta solução bem inovadora – nunca tinham pensado nela [00:10:00] e pediu-me para passado uns dias, enfim conhecemo-nos – deslocar e ter uma conversa e resultou daqui que a EDP, se calhar – eles teriam ficado contentes – podíamos ter passado um cheque de 50-100.000,00€ para ajudar nos alimentos, não é? A EDP, inovadora como sempre e à frente, e com visão – não é? – foi fazer um investimento social de 1,3M€ num campo de refugiados no Norte do Quénia, na fronteira com o Sudão, chamado Kakuma. E fizemos um conjunto de intervenções: eletrificação de escolas, eletrificação de hospitais, o bombeamento da água para irrigação, viveiros, lanternas solares.

Luís Matos Martins: Quiosques solares. Os quiosques solares, também.

Guilherme Collares Pereira: Quiosques solares. Um projeto – depois se houver tempo durante a nossa conversa e se tiver interessante – muito interessante da horta solar. Uma pequena horta para as famílias – não é? – de refugiados.

Catarina Barreiros: Certo.

Guilherme Collares Pereira: E a partir daí isto mexeu, mexeu em muitas organizações que não tinham pensado neste tipo de soluções, em que realmente a EDP foi pioneira, com uma intervenção de larga escala e, a partir daí, organizações financiadoras, doadores, etc. começaram a ter este tipo de exigência. Mas como o Luís… dizias há pouco, e muito bem, estes projetos devem-se fazer com e não para, que é completamente diferente. E ao fazer com temos, obviamente, que falar com os futuros beneficiários. Ouvi-los, escutá-los, aprender com eles e, fazendo isso, há uma certeza que, no futuro, os nossos investimentos – não é? – vão correr muito melhor.

Luís Matos Martins: Partilhando também um bocadinho, há vários casos – não é? – é um tema que tem vindo a trabalhar. Há muito para fazer, muito já foi feito. E, partilhando um bocadinho, estive em… a TESE tem uma delegação na Guiné-Bissau com 20 pessoas e, portanto, tem alguma dimensão, e estamos a fazer um trabalho em Bolama – nunca tinha estado em Bolama – é uma ilha, portanto, que já foi capital e que há 30 anos tinha energia e tinha água canalizada e hoje não tem. Hoje não tem.

Catarina Barreiros: Não tem?

Luís Matos Martins: Por diversas questões: dificuldades de manutenção, falta de equipamentos, questões políticas. Mais do que fazer esse diagnóstico – é importante, também, fazê-lo para tomar medidas para o futuro – é importante perceber o que é que estamos a fazer e qual é que é a visão que há para o futuro. Só quero falar de Bolama, além da sua beleza quando se chega àquele cais, é arrepiante o que se vê, e dizer-vos que os carros de bombeiros dizem Bombeiros Voluntários de Cascais. Tem uma rua que é a Rua de Cascais, portanto quando chegamos e somos portugueses, somos muito bem recebidos e acarinhados. E, portanto, o que é que estamos a fazer concretamente em Bolama? Só para tentar, com as minhas palavras, transmitir às pessoas aquilo que só vendo e pesquisando e estando lá e que se pode sentir. Estamos a criar uma minicentral, portanto, em que iremos – fotovoltaica – em que permitirá abastecer energia para a vila, cidade de Bolama e para uma série de tabancas. E permitindo, depois, instalar bombas de água para que a água possa, portanto, chegar à superfície e que possa servir para todas estas questões que temos vindo a falar, desde a irrigação do solo, desde a questão de chegar às escolas, desde limpeza, até para se beber. Portanto, a água de melhor qualidade, estamos a fazer análises às águas e, portanto, é isto que nós estamos a construir. Paralelamente o que é que estamos a fazer? E há bocado falávamos da questão do emprego e do empreendedorismo. Estamos a formar os guineenses em como montar, reparar e manter bombas e painéis fotovoltaicos. Ou seja, o que é que isto vai criar? Vai criar uma comunidade, uma série de especialistas estão preparados para quê, para dar continuidade ao trabalho que for feito. Há um trabalho infraestrutural, um trabalho de instalação, mas depois há que montar, instalar, reparar, manter estas bombas e estes painéis e, portanto, eles estão a ter formação técnica. Mas além da formação técnica, estamos-lhes a dar competências de gestão e empreendedorismo. Para quê? Para que possam com um amigo, com um familiar montar um micro-negócio e depois fazer esta prestação de serviços ao Estado, a outras organizações e que não fiquem só focados neste projeto que estamos a fazer em Bolama. Mas estamos a fazer, também, no interior da Guiné. É este conjugar de várias temáticas e de vários ODSs, precisamente, que faz com que este projeto em Bolama tenha sucesso. Estamos numa fase embrionária, mas estou certo. E também em Bolama contratamos pessoas locais para andar a inquirir os consumos junto da população para que pudéssemos definir qual é que é a tarifa adequada aos rendimentos. Mas efetivamente que quem anda por África – não é? – que é a nossa experiência é muito em África, há uma pobreza energética imensa. Imensa! E, portanto, isto tudo tem que continuar-se a trabalhar. Muito já foi feito, mas há muito para fazer, ainda, do ponto de vista da instalação, mas depois poder deixar lá algo que permita depois as pessoas continuarem.

Catarina Barreiros: De modo autónomo, não é?

Luís Matos Martins: Autónomo. Exatamente.

Catarina Barreiros: Acho que vamos sempre volta ao mesmo ponto, que é a capacitação, não é? [00:15:00] Trabalhar com a população significa conseguir, não só… não é dar-lhes o peixe, é ensiná-los a pescar, o velho ditado, mas é não dar dinheiro, mas ensinar a gerir. Não dar recursos, mas ensinar a fazer. Portanto é fazer com que sejam autónomos, portanto, o acesso à energia parece-me que toca aqui na capacitação e na educação, que é, provavelmente, o maior paradigma de mudança no mundo da sustentabilidade e da educação – não é? – daqueles países em vias de desenvolvimento.

Guilherme Collares Pereira: Claro.

Catarina Barreiros: E a minha pergunta foi: – eu percebi que a TESE trabalha muito com renováveis – as renováveis são uma grande mais-valia para ajudar o acesso à energia? Qual é a diferença entre aceder com energia renovável e não renovável, porque uma das coisas que sabemos é que alguns países em vias de desenvolvimento ainda não têm capacidade para aceder através das renováveis. Mas, por outro lado, parece-me uma opção que é mais simples a nível micro, talvez, de implementar com estas condições.

Luís Matos Martins: Sim. Sim. O que nós temos sentido é que nas comunidades, nas favelas, nas tabancas o que acontece é que consegue-se criar uma unidade, nós aprendemos muito com a energia fotovoltaica, com a energia solar, porque é mais fácil de implementar, não é? Portanto nós vimos de uma origem, a TESE, que era os Engenheiros sem Fronteiras. Nós conhecemos muito os Médicos sem Fronteiras, mas nós temos uma marca que se chama Engenheiros sem Fronteiras e precisamente por isso. Nós vimos de uma base de engenharia, muito do ponto de vista da criação destas comunidades junto das tabancas, junto das favelas, e que a energia solar, com a tecnologia que nós temos atualmente, é mais fácil de implementar. Conseguimos nos aperceber onde é que há sol. Geralmente estamos a falar de zonas muito planas e, portanto, que dificultaria outro tipo de energia. O que é que nós temos vindo a fazer? É precisamente isto: é instalar junto da comunidade equipamentos de energia fotovoltaica que permitirá abastecer estas tabancas, estas comunidades, e que criamos uma organização própria para gerir esta comunidade, esta organização, este polo de energia fotovoltaica e para que depois faça a gestão, a manutenção e por aí. Optamos pela energia fotovoltaica, pela energia solar, porque é a mais, do ponto de vista tecnológico, é o que é mais fácil chegar e colocar.

Catarina Barreiros: Ainda bem, também é mais sustentável.

Luís Matos Martins: Exatamente.

Guilherme Collares Pereira: Eu se calhar acrescentaria, é um facto, já disseste, Luís, a energia solar é a forma mais barata, mais rápida e mais eficiente de levar eletricidade às pessoas. E, como há pouco já tinha referido, é tão, tão abundante, o sol, em todo o continente africano, que realmente não faz sentido. Seguramente que irá fazer essa questão, essa pergunta e, sendo assim, porquê? Eu suponho que é fácil de explicar isso. Há vários motivos. Eu diria que, desde logo e é um tema que também o atual Secretário-Geral das Nações Unidas, o Eng. António Guterres fala há que terminar com a subsidiação aos combustíveis fósseis. Gastam-se 500 biliões de dólares todos os anos a subsidiar o combustível fóssil. Se fizéssemos, digamos, um downsizing e todos os anos fomos reduzindo, porque não se pode também reduzir. A intenção dele, sim, é reduz-se já. Mas deve ser complicado, difícil, há muitos interesses, obviamente, por trás disto, se reduzíssemos 10% ao ano, 10 anos depois tínhamos isto resolvido. Mas esses 10% estamos a falar de 50 biliões por ano. E com 50 biliões, aí conseguimos seguramente universalizar o acesso à energia por todo o mundo. Há pouco referi os tais 600 milhões em África que não têm acesso à eletricidade, só para vos dar uma ideia e para as pessoas perceberem, compararem – não é? – quase toda a África, a chamada África Subsariana, o consumo de eletricidade dela anual corresponde ao consumo do estado de Nova Iorque. Isto dá uma ideia – não é? – do que há para fazer e, realmente, dar um pontapé de saída e decisivo no continente africano, que tem potencialidades enormes. E, portanto, as energias é uma boa forma de o fazer, com a grande vantagem, não só das reduções do CO2, mas dos próprios utilizadores, não é? Aqui há um outro número, também, importante, e que vocês também o acompanham, são quase dois biliões de pessoas neste planeta que cozinham com lenha, com recurso à lenha, à biomassa, pode ser também, enfim, o carvão vegetal. É muita gente, e muita gente que, ao estar a cozinhar com lenha, e não é só cozinhar. Utiliza a lenha depois também para quê? Se calhar para um pouco de iluminação, porque sempre ajuda, para aquecer, que há noites frias, mesmo em África, muito frias, e também para proteção. E tudo isto, também os números são gritantes: é quase 60% da desflorestação anual no planeta é para estas… é com este objetivo.

Luís Matos Martins: E esta dimensão, muitas vezes, as pessoas não têm presente, não conhecem. Esta questão da utilização. Claro, não percebem.

Guilherme Collares Pereira: Não percebem.

Catarina Barreiros: É, e acho que há aqui uma questão, também, a utilização da palavra “natural” [00:20:00] faz com que, para a maior parte das pessoas que, ouve falar de sustentabilidade e não percebe muito sobre o que é que implica, parece que é melhor para o ambiente utilizar-se lenha do que utilizar-se uma tecnologia de energia. Quando não é, porque a lenha armazena carbono, porque precisamos que as árvores armazenem o carbono para não ser emitido.

Guilherme Collares Pereira: De todo. A quarta doença do mundo que mata mais pessoas são doenças pulmonares. É a inalação do fumo.

Catarina Barreiros: Do monóxido de carbono, exatamente, e do dióxido de carbono.

Guilherme Collares Pereira: E as pessoas não têm essa noção. Só isso, é importante isso. Depois doenças de olhos. Outra vez o fumo nos nossos olhos e depois o problema das queimaduras, sobretudo crianças que estão à volta da mãe, a mãe a cozinhar e ali a brincar ou a aproveitar o pouco da chama para estudar, para fazer qualquer coisa e há problemas enormes.

Catarina Barreiros: Cozinhar. Hum-hum. Pois.

Guilherme Collares Pereira: Portanto, faz todo o sentido esta passagem aos solares. Tinha-me colocado uma outra questão, que eu perdi-me no meio disto tudo. Desculpe lá Catarina.

Catarina Barreiros: Era sobre porque é que, então, tão generalizadamente existe a utilização de combustíveis fósseis e não destas energias alternativas, mais limpas, mas acho que explicou muito bem o que era a questão dos subsídios.

Guilherme Collares Pereira: Pronto. Por um lado, a subsidiação, não é?

Luís Matos Martins: Sim. Há bocado estávamos a falar dos financiadores e a atividade da TESE é muito financiada pela União Europeia e pelo Instituto Camões. Mas é curioso, que eu tenho esta visão – não sei se o Guilherme a partilha – que é: eu criando as políticas necessárias num estado, de cada um dos países, ou do ponto de vista mais macro, que estou certo que algumas empresas privadas teriam todo interesse, estariam…

Guilherme Collares Pereira: Não tenho dúvidas nenhumas. Seguramente, seguramente.

Luís Matos Martins: Estariam interessadas em fazerem estes investimentos desde que as condições fossem criadas.

Guilherme Collares Pereira: Claro. Claro.

Luís Matos Martins: Portanto, neste momento, nós acabamos por fazer este investimento, mútuo, nesta dimensão: financiamentos à União Europeia e ao Instituto Camões. Mas estou… tenho esta visão, tenho esta tese, digamos assim, que empresas privadas…

Guilherme Collares Pereira: É. Dinheiro. Dinheiro, verbas, fundos para a cooperação e para o desenvolvimento abundam. Há em demasiado. Há em demasiado. Criar condições para que o setor privado tenha acesso também a essas verbas, isso é muito, é muito importante.

Catarina Barreiros: Podia acelerar, não é?

Guilherme Collares Pereira: Depois com a tecnologia, está mais que provada. As tecnologias – seja solar, eólica, ou o que for, a hídrica, as pequenas hídricas também – estão mais do que provadas e resilientes. E com a tendência de redução do seu custo. Não é? Portanto, está tudo aqui reunido para se fazer. E há necessidade. Há todo um, chamar-lhe mercado entre aspas, a gritar “por favor, dêem-me acesso à energia para eu quebrar o meu ciclo de pobreza, para eu progredir socioeconomicamente.” Não é? E, portanto, está ali tudo. Porquê que não acontece? Eu sinceramente, e digo isto muitas vezes, acho que é falta de vontade política. Porque tudo o resto está lá.

Catarina Barreiros: Temos tecnologia, não é?

Guilherme Collares Pereira: E se a vontade política começar a intervir… e vocês há pouco, também suponho que falaste disso, Luís, do licenciamento, as dificuldades, as burocracias, a regulação para depois para determinadas dimensões dos sistemas solares nomeadamente, é preciso licença. Outras coisas mais pequenas, a lanterna não, não precisa de licença, mas para ter impacto e realmente podermos fazer intervenções com as chamadas ditas mini-grids que falaste como a de Bambadinca para poderem ter impacto, porque não é só já dar a tal iluminação que é muito, muito importante, mas é mais um bocadinho de energia para eu poder ter o meu computador, o meu telemóvel, a minha ventoinha, o meu ferro de engomar, engomar entre aspas, para passar a ferro, um ferro de soldar… enfim, todos esses pequenos artefactos que só funcionam se houver energia.

Luís Matos Martins: E que isto volta à questão do emprego e do empreendedorismo que também é uma causa nossa.

Guilherme Collares Pereira: Claro, claro.

Luís Matos Martins: Ou seja, se houver energia, dá para efetivamente haver um desenvolvimento quer no comércio, quer nos serviços prestados com alguns equipamentos que conseguem prestar serviços, criar produtos e vender, gera receita, conseguem contratar pessoas... gera dinheiro, gera dinheiro que permite o quê? Melhorar o nível de vida das populações que estão nestas comunidades. Eu gostava de falar um bocadinho de São Tomé e Príncipe porque hoje ainda só falei da Guiné e, portanto, gostava de falar um bocadinho de São Tomé e Príncipe. Nós, em São Tomé e Príncipe, estamos numa fase um bocadinho mais à frente. Ou seja, estamos o quê? No caso do envolvimento da TESE. Estamos, neste momento, com o EMAE num projeto financiado também pela AFAP, que é uma organização local que trabalha com fundos, com incentivos, mas a fazer o quê? A sensibilizar as comunidades para uma redução dos consumos de energia. Porque o que é que acontece? Por um lado, existe, para alguns, até energia barata usam de uma forma…

Guilherme Collares Pereira: Luís, desculpa interromper-te mais... as próprias pessoas pensam “ai, que esta coisa da energia vem do sol, o sol está cá todos os dias isto não esgota”, não é?

Luís Matos Martins: Exatamente.

Catarina Barreiros: Certo.

Guilherme Collares Pereira: A mesma coisa com a água. Isso não vos acontece? Não tínhamos água, agora passa água a jorrar, a jorrar todos os dias, portanto não precisam de ser educados para o consumo.

Catarina Barreiros: Nós também, nós também. Nos países desenvolvidos.

Guilherme Collares Pereira: Ah nós aqui também.

Luís Matos Martins: Nós o que é que fizemos? Começámos com as comunidades, efetivamente, a criar… criámos embaixadoras das comunidades, mulheres que estão na comunidade, a mulher são-tomense é fiável, é confiante, é mãe de família, optamos também pelo empoderamento das mulheres e que continuam com a sua atividade profissional. Em cima da sua atividade profissional, o que é que fazem? Sensibilizam as outras mulheres “vizinha, já pagou o EMAE?” [00:25:00] E é um bocadinho isto, sensibilizar para quê? “Já pagou? E está a consumir muito? Vamos tentar consumir menos.” Para quê? Para que a energia chegue a mais pessoas. E se chegar a mais pessoas, estamos a melhorar o nível de vida destas pessoas, destas comunidades, destas tabancas. O que é que acontece? Portanto, estamos a ter resultados muito curiosos, não é? Destas pessoas começarem-se a responsabilizar para o pagamento e para uma melhor eficiência energética. O que é que optámos por fazer, que nem sequer estava previsto no projeto? É fazer isto para os próprios técnicos da EMAE. Para os próprios técnicos da Empresa Nacional da Água e da Energia. Porque eles próprios também têm de ter esse conhecimento.

Catarina Barreiros: OK. OK.

Luís Matos Martins: E depois acontecem questões chocantes, quer dizer, que é vemos um banco com uma iluminação exterior brutal 24 horas por dia e depois estamos a pedir às pessoas para… a redução dos consumos, não é? E quando falámos de consumos…

Guilherme Collares Pereira: Há muito trabalho por fazer aí.

Luís Matos Martins: Há muito trabalho para fazer. E quando falámos com as pessoas “ai é verdade, tem razão”. Portanto, este trabalho de sensibilização, efetivamente, é muito importante é o que estamos neste momento a fazer em São Tomé e Príncipe e, portanto, é um projeto também que nos honra bastante.

Catarina Barreiros: Explicar o óbvio às vezes, não é?

Luís Matos Martins: É, é.

Catarina Barreiros: Parece… há coisas que parecem tão óbvias que mesmo nós… estava aqui a dizer em jeito de provocação, também temos nós de aprender isso, não é?

Guilherme Collares Pereira: Claro.

Catarina Barreiros: Mas a verdade é essa, porque se nós estamos a consumir neste momento, as fontes podem ser renováveis. Mas não são infinitas. Ou seja, não chegam a toda a gente de maneira infinita. Portanto, têm de ser alocadas com equilíbrio, por isso... é um...

Guilherme Collares Pereira: Não, e quando as instalações são feitas, elas são dimensionadas para uma determinada potência, não é? E, portanto, se o consumo dispara e com coisas... sobretudo muito os ares condicionados, que é uma coisa que quando se tem põe-se logo a funcionar. Um aparelho de ar condicionado pode deitar abaixo uma pequena mini-grid, não é?

Catarina Barreiros: Certo.

Luís Matos Martins: E em Moçambique, no interior de Moçambique, estamos também a trabalhar muito a questão, precisamente, da reparação e manutenção desses equipamentos também. Portanto, ou seja, isto é um bocadinho o que temos feito por este mundo fora, muito em África é no sentido não só de criar condições para que se possam instalar painéis fotovoltaicos, bombas de água para poder abastecer as comunidades, mas também criar pequenas estruturas de reparação, manutenção e instalação destes equipamentos para que possa ficar trabalho no território…

Guilherme Collares Pereira: Claro.

Catarina Barreiros: Claro.

Luís Matos Martins: …e tenha um efeito multiplicador e que possa gerar emprego. Que continuo a acreditar que não há melhor política social do que o emprego. E isto permitirá, efetivamente… reforço como começamos no fundo que é o ODS 7, a energia, portanto é transversal. É transversal porque tudo isto depois relaciona-se com a saúde, relaciona-se com a educação e até com o próprio turismo, não é?

Catarina Barreiros: Hum, hum. É curioso esse papel também da educação local. Esta educação para desde o minuto em que se tem acesso a energia e água, educar logo as pessoas para a gestão eficiente destes recursos. E é engraçado porque uma das coisas que se diz é: se os países que estão em vias de desenvolvimento neste momento se subirem todos para o nível de vida dos países mais desenvolvidos em termos de consumo e de emissões carbónicas, quer dizer... há um desastre ambiental. Por isso, desde sempre, desde cedo, é preciso aprender, desde cedo é preciso ensinar, capacitar, educar, empreender. E está tudo ligado.

Guilherme Collares Pereira: Claro.

Catarina Barreiros: O que estava a dizer há bocadinho ter um bocadinho mais de energia para ligar um computador pode significar alguém que vai fazer um curso, uma miúda que vai fazer um curso e vai quebrar ali o ciclo de pobreza, vai aprender a gerir o seu planeamento familiar a seguir, vai… portanto, tudo isto é um ciclo vicioso que fica resolvido com o acesso à energia.

Guilherme Collares Pereira: Claro. Exatamente.

Catarina Barreiros: Isto é maravilhoso. E há aqui uma pergunta que para mim que é gritante que é: sabemos isto tudo, porquê falta de motivação política? Porquê falta de vontade política?

Guilherme Collares Pereira: Eu acho que hoje em dia, infelizmente, muito dos políticos – isto também é para os países desenvolvidos, não é? – estão muito... funcionam todos muito para no curto prazo.

Catarina Barreiros: Pois.

Guilherme Collares Pereira: Não é? E estes problemas de longo prazo que se tem que resolver com muita paciência, com estratégia, de uma forma também muito profissional, não é? E para quê eu estar aqui a fazer um investimento que são coisas pequenininhas, que custam um aumento de investimentos muito grandes sobretudo as empresas elétricas, as utilities, agora estamos com um caso concreto de África, estamos mais a falar sobre África. A EDP também faz intervenções na América Central, na América, na América do Sul, etc., enfim... noutras geografias. Mas em África eu diria que é quase totalidade das utilities elétricas, elas estão falidas. E estão porquê? Porque estão a vender energia a uma tarifa mais baixa do que aquilo que lhes custa gerar ou se compram, por vezes, a terceiros.

Catarina Barreiros: Para serem competitivas?

Guilherme Collares Pereira: Não. Porque é uma tarifa mais baixa, é uma tarifa social, a tarifa social é muito importante. Coitado, isto é, em defesa dos mais pobres. Mas é uma defesa falsa, quer dizer, a muito, muito, muito, muito curto prazo é bom, não é? Temos ali uma energia, uma eletricidade barata, mas no longo prazo nunca vai permitir que eles deem o salto, o plus que lhes transforma a vida. Quem é que efetivamente beneficia com a energia barata, baixa? São os que não precisam. São, realmente, as grandes empresas. Grandes empresas, pequenas empresas, médias, pouco importa, digamos. [00:30:00] Não. Os tais no bottom of pyramid, não é? Na base da pirâmide. Realmente as populações, as famílias pobres...

Luís Matos Martins: Nós em São Tomé e Príncipe, temo-nos deparado que os maiores devedores à EMAE acabam por ser os hospitais e os organizadores...

Guilherme Collares Pereira: Pois, ainda por cima.

Luís Matos Martins: E depois em que medida é que a EMAE vai cortar a eletricidade…

Catarina Barreiros: A um hospital?

Luís Matos Martins: …a um hospital?

Guilherme Collares Pereira: Pois, não faz. Isto é uma falsa questão isto ter tarifa baixa. Todos nós. Até hoje em dia, situação até em que vivemos e há esse esforço e a EDP também o acompanha, gostamos realmente de ter a tarifa... a tarifa baixa. Mas não é efetivamente por aí. Porque quando temos a necessidade e percebemos que fizemos um determinado investimento, estamos a gastar mais uma verba, fazer um sacrifício enorme, mas que aquela eletricidade vai-me permitir aquilo e aquilo outro, nunca mais vamos querer deixar. No tal campo de Kakuma, há dez anos atrás, sim dez anos atrás, havia já dentro do campo de refugiados… se há sítio no mundo com famílias pobres pois são seguramente as dos refugiados, mas havia algumas famílias, enfim por outros fatores, que tinham mais alguma disponibilidade financeira e que pagavam, por mês por uma lâmpada de 40 Watts, a trabalhar quatro horas, quatro a cinco dólares. E isto é a eletricidade mais cara do mundo! Mas perceberam da vantagem que aquilo tinha.

Catarina Barreiros: E quiseram investir.

Guilherme Collares Pereira: A família estava junta, a família conversava, a família via-se, a família estudava, a família, a família, a família… puderam prolongar o horário de trabalho porque estão à noite e à noite está menos calor, porque em Kakuma… Kakuma quer dizer lá na coisa, suaíli deles é “Terra de Ninguém”. Aquilo faz 40 a 45 graus de temperatura diária. É uma coisa brutal, não é?

Catarina Barreiros: Certo.

Guilherme Collares Pereira: E à noite realmente refresca um bocadinho e então prolongam o seu trabalho à noite e podem fazer outras atividades e produzir o artesanato, etc., para ir buscar mais aquele dólar – não é? – que vai fazer a diferença e que lhes permite a pouco e pouco ir endireitando a vida, não é?

Catarina Barreiros: A sua independência.

Guilherme Collares Pereira: Portanto, isto tudo da tarifa... da tal razão política disto é que manter tarifas baixas. Não. É um erro. Isto já é reconhecido. A própria Nações Unidas e os bancos de desenvolvimento estão a perceber isto. E o que é que nós temos que fazer? É… realmente, temos que dimensionar estes sistemas ao pequeno bolso, quando têm bolso, às vezes nem bolso têm esta gente. Isto dito de outra forma, quer dizer, o valor inicial do investimento – o CAPEX, não é? Que costumamos falar – este tem que ser subsidiado. Mas depois a parte do dia-a-dia operacional, ela consegue ser sustentável e manter-se com uma tarifa que é desenhada e calculada em função daquele investimento que foi feito e dos custos operacionais do mesmo.

Catarina Barreiros: Para ser sustentável.

Guilherme Collares Pereira: Isto é perfeitamente possível. É sustentável e está a funcionar. E muitas vezes e em todos os casos em que isto é possível, é sempre o valor superior à tarifa que os governos têm.

Catarina Barreiros: Pois, era isso que o Luís estava a dizer há bocado.

Guilherme Collares Pereira: Nós conhecemos um caso em que há a linha pública, a linha nacional na rede, mas que nunca funciona, que é outro problema. Porque depois às vezes, enfim, por variadíssimas razões não funcionam as redes, pronto, e as pessoas que, entretanto, montaram e a terem todo o seu ritmo de vida organizado – não é? – e de funcionamento até do pequenino trabalho que, entretanto, lá montaram a lojinha, não podem ficar sem eletricidade à noite, ou dois dias, ou três ou às vezes uma semana sem eletricidade. Então, ao lado da linha nacional…

Catarina Barreiros: Há outra.

Guilherme Collares Pereira: …existe uma linha paralela que é a linha de uma rede da mini-grid, como nós estamos sempre a chamar, que foi criada para aquela aldeia, para aquele aglomerado de casas, não é?

Catarina Barreiros: Isso é um exemplo paradigmático. Aliás, a TESE está a fazer isto, não é? Eles conseguem fazer o preço um bocadinho mais elevado porque ajustaram com…

Guilherme Collares Pereira: Está a fazer e de certeza que são chamados à atenção porque estão a fazer um preço que depois tiram argumento ao político, não é?

Catarina Barreiros: Exato.

Luís Matos Martins: E estas comunidades energéticas também podem funcionar desta forma. Portanto, depois há vários modelos e eu não acredito que haja um modelo que funcione melhor do que o outro. Os modelos de gestão destas organizações, no meu entendimento, passam desde o privado ou sem fins lucrativos e podem em algumas circunstâncias ter intervenção do Estado. Porque isto depende de cada tabanca, de cada comunidade, não podemos replicar os modelos de gestão, depois do investimento feito, do dito CAPEX feito, para de futuro não podemos generalizar. E dizer: vai ser tudo privado ou vai ser tudo por organizações locais, ou pode ser tudo pelo Estado. Não.

Guilherme Collares Pereira: Claro. Claro.

Catarina Barreiros: Estratégia local adequada a cada…

Luís Matos Martins: Tem que se olhar...

Guilherme Collares Pereira: O próprio modelo é concebido, normalmente, com a própria população e com os beneficiários.

Luís Matos Martins: Com a própria população e com os beneficiários, exatamente. Tem de se ver junto dos beneficiários, qual é o melhor processo.

Catarina Barreiros: E assim será, certamente, a maneira mais justa e sustentável porque terão o interesse todo.

Guilherme Collares Pereira: Claro.

Catarina Barreiros: Esse tema da capacitação, eu considero muito importante. Eu fiz a minha tese em arquitetura sobre a capacitação, que é desenhar com a comunidade. Nós não podemos chegar a um sítio e dizer à comunidade o que ela precisa. [00:35:00] Ela é que tem de dizer se quer um computador ligado para conseguir estudar, se quer… portanto essa é uma questão essencial: ouvir o consumidor e ensinar o consumidor de acordo com a tecnologia existente, porque nós neste momento não temos o problema de não haver a tecnologia, não é? Nós temos a tecnologia, temos a vontade, nós temos…

Guilherme Collares Pereira: Ótima. Tudo! Está lá tudo.

Catarina Barreiros: Está cada vez mais barato. Portanto, é mudar. Eu se calhar tinha aqui uma pergunta só para fechar. Gosto de tentar focar aqui para quem nos ouve, não é? Nós estamos aqui os três, mas não estamos sozinhos. O que é que cada um pode fazer em relação a isto? O que é que cada um pode fazer para promover o acesso à energia ou o que é que cada um pode fazer para que a pessoa que está ao seu lado tenha melhor acesso à energia para além de votar, porque já percebemos que isto é uma questão muito política também. O que é que podemos fazer?

Guilherme Collares Pereira: Nós, e enquanto empresa, temos também essa responsabilidade, obrigação obviamente de trabalhar isto ao mais alto nível com as organizações internacionais, a União Europeia, a União Africana, as Nações Unidas, etc., e os próprios governos. E, de tal forma, já há um ano e tal a esta parte que é a EDP Renováveis integrou uma plataforma iniciativa que envolve as principais empresas de energia e não só, mas as grandes a ENEL, a Siemens Gamesa, a nossa EDP. Depois grandes fornecedores as Vestas, a NORA, banco. Um mundo! Telecomunicações. Uma série de empresas muito grandes, e isto é uma… digamos é todo um programa coordenado entre a União Africana e a União Europeia, no fundo, de criar as condições para que o setor privado se sinta realmente confiante a ir fazer negócio. Sem medo nenhum, dizer: isto é feito para as empresas irem fazer negócio, tem que ser. Se não, não existe uma forma…

Catarina Barreiros: Não é sustentável depois.

Guilherme Collares Pereira: Não são sustentáveis, claro. E então, para o fazer andamos durante um ano a trabalhar, a ouvir, a fazer levantamentos. Quais são efetivamente as barreiras porquê que isto não pode acontecer? Algumas já as referi há pouco, desde logo a tal regulamentação, os enquadramentos regulatórios das políticas energéticas de cada país e a parte do financiamento claro que é muito importante. E estamos a todo o momento a arrancar com seis países que foram selecionados em África e começar a intervir. Mas não é intervir… estamos aqui a falar de pequenos projetos – pequena escala, não é? – que são igualmente importantes e a família que vive isolada, lá perdida não sei onde, tem igualmente direito a ter acesso à eletricidade. Mas estamos já a falar de projetos acima de 50 Megawatts, que podemos fazer em zonas remotas ou então reforçar – em colaboração com as empresas utilities nacionais elétricas – e estender a rede com eles. Portanto, são projetos já muito grandes em que o setor privado está preparado para investir. Portanto, isto do ponto de vista do negócio o que é podemos fazer? Seguramente isto e há outras iniciativas também a serem desenvolvidas. E depois, falar, falar, falar, divulgar, explicar o que é que está a acontecer, isto é possível, envolver as pessoas mais novas. E agora tu vieste e estás muito no mundo das startups, a quantidade de gente nova que isto lhes preocupa verdadeiramente.Pensarem em soluções a trazer para estas geografias para mudar a vida de milhões de pessoas. Isto é uma constante. E vêem-se coisas fantásticas. A inovação está em perfeito borbulhar. Hoje em dia, de tal maneira e vocês também devem ver essa situação, o chamado “pays as you go”, não é? No fundo, é todas as telecomunicações, os telefones a trabalhar e eu posso fazer pagamentos no meu telefone que carrego o sistema lá na minha barraca que, no fundo, muitas vezes são casas que são mesmo barracas, de um determinado montante de eletricidade – não é? – que eu acho que vou consumir nos próximos dois dias da próxima semana.

Catarina Barreiros: Certo, certo, certo.

Guilherme Collares Pereira: O que é também muito justo. Eu estou a pagar aquilo que efetivamente consumo, não é? E não muitas vezes agregar e pagar…

Luís Matos Martins: Era como os telemóveis pré-pagos e que ainda existem os telefones pré-pagos, portanto, ou seja, é a eletricidade pré-paga, energia pré-paga.

Guilherme Collares Pereira: Exatamente. E a água. E a água. Fizeram projetos com a água. Em Moçambique.

Luís Matos Martins: E com a água também. Portanto, há muito para dizer, mas tentando fazer uma melhor gestão de tempo possível, eu começaria não dando prioridade, mas do macro para o micro, eu ia por um lado pela questão do advocacy. A tese está representada na plataforma portuguesa da ONGDs e, portanto… que é uma plataforma que faz, portanto, advocacy. Portanto, pode fazer advocacy, pode fazer trabalho político, no fundo sensibilizar os decisores para determinadas tomadas de decisão. Isso por um lado. Por outro lado, enquanto organizações como a TESE e outras, os Territórios Criativos que também faço parte, este mundo das startups e de inovação. Portanto, eu destacaria que é: ir em busca dos financiamentos que existem e fazerem projetos efetivamente que não só façam um investimento inicial do CAPEX, mas sim que possam capacitar as comunidades locais. Para quê? Para montarem pequenos negócios [00:40:00] – repito – de manutenção, gestão, dinamização das próprias… energias.

Catarina Barreiros: Comunidades, energias, certo.

Luís Matos Martins: Energia fotovoltaica ou as próprias bombas de água, ou seja, o que for. Portanto, ou seja, que não sejam só projetos isolados, mas integrados. Ou seja, que tenham várias dimensões. Que passe pela dimensão da instalação, do CAPEX…

Guilherme Collares Pereira: Luís, e que tenham a garantia que são sustentáveis.

Luís Matos Martins: Exatamente.

Catarina Barreiros: Exatamente.

Luís Matos Martins: Era a terceira fase que eu ia dizer. Geração de emprego e que o modelo associado permitisse efetivamente a sustentabilidade. Se é privado, se é sem fins lucrativos ou público, isto depende de caso a caso. Isto, nesta dimensão. Por fim, o que é que me parece que é o falar, falar. O partilhar. O que está a acontecer hoje…

Catarina Barreiros: O que estamos a fazer.

Luís Matos Martins: O que estamos a fazer. Nós já estamos a contribuir de alguma forma. Partilhar, falar, fazer sessões, capacitar, letrar, esta literacia energética, não é? De permitir, efetivamente, que os mais jovens, os que estão a estudar, estão a ser alvo de ensino permanente que possam efetivamente ter mais competências.

Guilherme Collares Pereira: Isto está a acontecer já.

Luís Matos Martins: Já está a acontecer muito.

Guilherme Collares Pereira: A própria sociedade civil nos países em África a organizarem-se e a intervirem. Isso é manifesto.

Luís Matos Martins: Em relação às startups, só dizer duas ou três iniciativas que se estão a fazer no âmbito das startups e da inovação. Porque hoje foi mais destinado também a África. Nós temos concretamente uma empresa em Portimão que está a conceber um catamarã movido a energia solar. Portanto, o que é interessante. Se isto adaptado a África, é muito curioso nos pequenos rios ter pequenos barcos, pequenas embarcações. Pode ser para o turismo, mas eu nem estou a pensar no turismo. Estou a pensar na pesca.

Catarina Barreiros: Sim, certo. Certo.

Guilherme Collares Pereira: Olha, por causa da pesca – desculpa interromper – nós estamos a analisar, nós temos um fundo de energia para o desenvolvimento e aí sim a filantropia. Mas a análise não é de subsídio, é sim de investimento social. Estamos a analisar uma amostra…

Luís Matos Martins: Tem feito um trabalho brilhante.

Guilherme Collares Pereira: …muito interessante no Lago de Malawi que tem qualquer coisa como 70 mil pescadores todos os dias saem à noite em barcaças com uma lâmpada – com querosene lá dentro, não é? – que muitas vezes cai, quebra e pega fogo ao barco. E está provado, porque já foram feitas várias experiências assim, de lanternas solares, até porque tem outra luminosidade, atrai mais peixe e não têm qualquer problema. E durante o dia é quando eles estão a descansar, não precisam da lanterna, ela está a ser carregada ao sol. Portanto é uma… são projetos muito interessantes.

Catarina Barreiros: Eu acho que isso é, isso é, a nossa deixa perfeita para explicar que não só temos projetos de acesso à energia que ajudam a capacitar, que ajudam a melhorar a carteira, a pesca, a nossa alimentação. Portanto, a vontade está lá, a tecnologia está lá. Nós precisamos de fazer alguma coisa. E é agora ou nunca.

 

Somos todos agentes de mudança. E juntos podemos transformar o mundo. É agora ou nunca! Um podcast EDP que discute o presente e procura soluções para um futuro mais sustentável. Acompanhe o podcast É Agora ou Nunca no Spotify ou em edp.com