29 Mar 2021
7 min

É o elemento químico mais abundante. O hidrogénio está presente tanto no nosso corpo como no ar que respiramos, na água que bebemos, mas também nas plantas e animais, nas estrelas e nos planetas que compõem o universo. Mais leve do que o ar, incolor, inodoro e extremamente inflamável, apesar da sua simplicidade, o hidrogénio é uma das maiores esperanças mundiais em termos energéticos.

O hidrogénio verde, sem emissões poluentes associadas à sua utilização nem à sua produção, é uma das últimas etapas de uma jornada científica e tecnológica com cinco séculos. E é uma aposta segura rumo às metas globais de eficiência energética e neutralidade carbónica.

O que é o hidrogénio?

Na tabela periódica, o hidrogénio (H2) é o primeiro elemento químico, e também o mais leve e simples, com um átomo composto de apenas um eletrão em torno de um protão. O hidrogénio não é muito mais do que um constituinte de outros elementos e estruturas. Não pode ser extraído, pelo que a sua necessidade - e todo o seu potencial - requerem uma produção de base industrial.

António Vidigal, da EDP Inovação, lembra que “o hidrogénio não é uma  fonte de energia. É, como a eletricidade, um carrier, um transportador de energia”. E como carrier, o H2 é “complementar da eletricidade, podendo ser usado num conjunto de usos que não são eletrificáveis”. É nessa versatilidade que reside muita da força transformadora do H2.

investigação

O físico e alquimista suíço Paracelso foi o primeiro a deparar-se com o hidrogénio nas suas experiências científicas, no século XVI. No entanto, não conseguiu identificar a substância.

O hidrogénio pode ser produzido de várias formas, mas destacam-se duas, uma que continua a ser a mais usada, a reformação por vapor, e outra cujo potencial é inquestionável, a eletrólise da água.

Reformação por vapor: Na técnica mais usada atualmente, o hidrogénio é conseguido através do aquecimento de um combustível fóssil a altas temperaturas - principalmente o gás natural. O contacto com vapor de água provoca a separação das moléculas de hidrogénio, libertando também dióxido de carbono (CO2). Formas de tornar mais eficiente esta técnica passam por utilizar biomassa como fonte de metano para servir de combustível, e pela captura do CO2 emitido.

Eletrólise da água: Ao passar corrente elétrica por água num eletrolisador, esta decompõe-se nos seus elementos constituintes: oxigénio e hidrogénio. Este processo, se recorrer a eletricidade de fontes renováveis, origina H2 verde. O eletrolisador funciona sempre com um cátodo, que ‘concentra’ as bolhas de hidrogénio, e um ânodo, onde se junta o oxigénio. Conheça este processo na animação abaixo:

Mas há três tipos diferentes de eletrolisadores:

  • Alcalino, que recorre a hidróxido de sódio e de potássio na água para acelerar a separação das moléculas, a uma temperatura de 80ºC;
  • PEM, com uma membrana de polímero a separar as duas partes de cada célula do eletrolisador. A 80ºC também, os protões de hidrogénio atravessam a membrana para um dos lados, ficando o oxigénio do outro
  • SOEC, que recorre a uma divisória em óxido sólido, um material cerâmico que é atravessado pelo oxigénio para o lado do ânodo, ficando o hidrogénio na metade inicial. Esta técnica funciona a temperaturas mais altas, 500ºC. 

É necessária uma grande quantidade de energia elétrica para a produção de hidrogénio - 55kWh e 9 litros de água para 1 kg de H2 - pelo que a redução do seu preço final depende do desenvolvimento da tecnologia e do constante crescimento das energias renováveis. “O maior problema neste momento é a capacidade de fazer escalar a indústria que fabrica os eletrolisadores”, explica António Vidigal, lembrando que 70% do custo do hidrogénio eletrolítico está na energia usada na sua produção. Destaca que “os sistemas existentes têm dimensões da ordem das dezenas de MW e estamos apostados em começar a construir eletrolisadores com centenas e até milhares de MW”.

água e hidrogénio

Foi em 1766 que o cientista inglês Henry Cavendish identificou o gás como ‘ar inflamável’, descrevendo que libertava água após a queima. Antoine Lavoisier, em 1783, chamou hidrogénio ao elemento químico, numa adaptação das palavras gregas para ‘criador de água’.
 

Apesar dos mitos em torno do hidrogénio, o H2 pode ser usado tanto na indústria, como na mobilidade e no aquecimento, mas também na produção de energia elétrica. António Vidigal vê-o como um verdadeiro “aliado da eletricidade, ao permitir o armazenamento, aspeto crítico para se operar um sistema dominado por energias renováveis, que têm uma natureza intermitente”. É uma opção para equilibrar as capacidades/necessidades de energia elétrica em função da maior procura ou do excesso de produção da mesma no domínio das renováveis.

Para o espaço e mais além

Desde que o hidrogénio começou a ser estudado, duas características foram sendo exploradas: ser extremamente inflamável e também extremamente leve. Não admira, portanto, que, logo em 1807, tenha estado na origem do primeiro motor de combustão interna. O francês Isaac de Rivaz usou uma mistura de hidrogénio e oxigénio como combustível. Mais de um século depois, o H2 já ajudava a levar as missões Apollo, da NASA, até à lua. Combinado com oxigénio em células de combustível, que geram energia elétrica, pode alimentar tanto motores como sistemas elétricos de veículos ou outros equipamentos.
 

hidrogénio

O H2 tem uma capacidade energética quase três vezes superior aos combustíveis convencionais. Ou seja, 1 kg de hidrogénio equivale a quase 3 kgs de gasóleo ou gasolina.

Paralelamente, e depois de décadas com experiências em balões, dada a densidade deste gás ser inferior à do hélio, o primeiro dirigível foi criado ainda em 1852 por outro francês, Henri Giffard. Abriu caminho para uma expansão que chegou a colocar os zepelins de hidrogénio a par dos aviões, nas primeiras décadas do século XX.

Indústria química e petroquímica, refrigeração, geração de energia elétrica, aquecimento, produção de fertilizantes, semicondutores, soldagens e corte de metal são apenas algumas utilizações do hidrogénio. Mas as aplicações do hidrogénio nos transportes  não estão limitadas aos foguetões espaciais. Veículos a hidrogénio são uma realidade e espera-se que o seu crescimento - seja para transporte rodoviário, ferroviário, marítimo ou aéreo - siga a lado a lado com os avanços na produção de H2.
 

carro a hidrogenio

O primeiro veículo alimentado a células de combustível foi o tractor Allis-Farmers, em 1959, seguido da carrinha Chevrolet Electrovan em 1966. Honda, Toyota e Hyundai são as empresas que mais apostam no hidrogénio atualmente.

O hidrogénio pode ser armazenado de três formas:

  • Como gás comprimido. Em tanques ou reservatórios a pressões que, quanto mais elevadas forem, melhor volume energético garantem ao hidrogénio, facilitando o transporte. O hidrogénio pode ser movido tanto através de gasodutos - não metálicos, pois o H2 deteriora esses materiais - como em auto-tanques ou cisternas. No futuro, poderá ser possível reutilizar ou substituir os pipelines de gás natural por hidrogénio, rentabilizando essas estruturas. Também cavernas subterrâneas hoje usadas para armazenar gás natural podem vir a receber H2.
  • Como líquido. É desta forma, armazenado em câmaras ou tanques criogénicos, que o hidrogénio consegue o melhor equilíbrio entre volume e potencial energético. No entanto, a liquefação é um processo dispendioso e provoca perdas de 30%, sendo adequado apenas para transporte de grandes distâncias.
  • Integrado em materiais tipo ‘esponja’. Determinados hidretos metálicos, polímeros ou fibras permitem a absorção e armazenamento de hidrogénio. O desenvolvimento desta tecnologia vai facilitar a sua utilização sem necessidade de altas pressões, temperaturas muito baixas ou tanques de grande volume. 

Apesar de ser muito inflamável, mesmo na forma líquida, e da complexidade técnica para o manter a baixas temperaturas, o hidrogénio tem no armazenamento a longo prazo uma das suas grandes vantagens, pois pode ser guardado sem se deteriorar ou dissipar.

O desafio principal, por enquanto, é o seu volume. A redução da escala de armazenamento em tanques ou garrafas de menores dimensões, mas com elevada capacidade energética - para que possa ser uma solução verdadeiramente viável em aplicações do dia-a-dia - será um dos grandes pontos de mudança na forma como vemos e utilizamos a energia.