O futuro das redes elétricas é digital
As redes que garantem a energia elétrica são cada vez mais complexas, pelo número crescente de ‘atores’, sejam produtores (sobretudo renováveis), consumidores ou agregadores, com necessidades específicas, nem sempre fáceis de conciliar.
A energia que alimenta as nossas vidas vem hoje de todo o lado, seja do topo de uma montanha ao telhado de um edifício, seja de uma planície soalheira ao oceano. Energia verde que acelera a transição energética, expandindo o uso de eletricidade para cada vez mais equipamentos elétricos, chegando aos automóveis ou transportes públicos. As redes de transporte e distribuição, que garantem a estabilidade do sistema elétrico em geral, têm de ser cada vez mais ágeis e seguras, contando para tal com a digitalização e com tecnologias avançadas, que tornam as quebras ou insuficiências cada vez mais raras. A transição digital chega a todas as áreas da operação, desde as infraestruturas produtivas ao contador elétrico dos clientes.
“É um esforço muito direcionado para melhorar o serviço prestado. Fazer o que tem que ser feito de forma mais eficiente, mais rápido e melhor”, explica Pedro Terras Marques, da Direção de Gestão e Operação do Sistema da E-REDES, empresa responsável pela distribuição de eletricidade em Portugal continental. O setor passou por transformações profundas recentemente, com o aumento da produção eólica e solar, com o reforço da eletrificação e o surgimento e expansão da mobilidade elétrica. Toda essa evolução foi suportada por avanços tecnológicos. Nos últimos 20 anos, a EDP apostou fortemente na digitalização, não só da sua rede e ativos associados a esta, mas também de praticamente todos os processos de negócio e das respetivas ferramentas.
Clientes na linha da frente da digitalização
Um dos grandes avanços tecnológicos no sector energético começou logo no fim da cadeia de distribuição, junto dos clientes particulares e empresas. A introdução de contadores inteligentes trouxe uma maior eficiência e previsibilidade na operação. Segundo Pedro Terras Marques “o rollout dos contadores inteligentes na rede de baixa tensão permitiu uma visibilidade e uma interação completamente diferente com todos os clientes que estão ligados na rede de baixa tensão, até então, com uma gestão sobretudo reativa”. Dá como exemplos, na perspetiva da empresa, “o acesso a um conjunto de informação que pode influenciar a sua tomada de decisão”, seja em ações de investimento ou manutenção da rede, ou na perspetiva do serviço prestado”. “Por exemplo, um cliente que ligue para o contact center com uma falha de energia e tiver um equipamento de medição inteligente com telegestão ativa, nós conseguimos perceber se a avaria é dentro da instalação do cliente ou na avaria na rede de distribuição”, refere o diretor da E-REDES.
Tudo isso facilita a própria gestão dos piquetes, que só se deslocam a casa de um cliente em caso de necessidade. “Melhorou a eficiência dos processos da empresa, contribuindo para uma redução significativa dos custos operacionais, uma interação muito mais próxima e centrada no cliente e por fim uma melhoria da qualidade dos serviços prestados”, detalha Hugo Miguel Pereira, da equipa de Infrastructure, Platforms & Connectivity da Direção da Plataforma Digital da E-REDES. Lembra ainda que, com os contadores inteligentes, “os consumidores podem monitorizar o seu consumo em tempo real, incentivando hábitos de consumo mais eficientes”.
Antigamente uma pessoa telefonava e dizia que não tinha energia e nós fazíamos uma pequena triagem com o quadro elétrico para tentar perceber se a avaria era dentro de casa do cliente ou não. Hoje questionamos diretamente, através da rede de comunicações, o próprio equipamento de medição inteligente e sabemos.
Toda a interação com as equipas operacionais é gerida de forma informatizada, seja na gestão de avarias, intervenções programadas na rede (técnicas ou comerciais) ou na resolução de problemas na rede de iluminação pública. A crescente utilização dos canais digitais de interação cliente/empresa, especialmente da aplicação da E-REDES, permite uma comunicação mais fluída, e georreferenciada, que é direcionada para os centros de trabalho dos piquetes, permitindo o rastreamento de todas as solicitações e a monitorização da qualidade de serviço prestada.
Sensorização: a importância dos dados
A recolha detalhada de dados de consumo pode otimizar a gestão da rede de distribuição de energia, melhorando a eficiência operacional e oferecendo aos clientes maior transparência e personalização no consumo de energia, o que resulta em tarifas mais justas e uma qualidade de serviço aprimorada. Para Pedro Terras Marques, já não se trata apenas de gerir as redes elétricas: “Nós hoje, não só gerimos os fluxos de energia, como gerimos sobretudo fluxos de informação”.
“A digitalização da rede elétrica é crucial para torná-la mais inteligente e eficiente”, resume Hugo Miguel Pereira, pelo que “tecnologias como contadores inteligentes e sistemas de gestão de energia desempenham um papel fundamental”. E em breve, sensores IoT “permitirão a recolha de dados em tempo real sobre o desempenho da rede, identificando falhas e áreas de ineficiência”, avança o responsável, explicando que “estes dados poderão ser transmitidos para centrais de controlo, onde algoritmos de inteligência artificial e machine learning podem analisar a informação, antecipar os problemas e otimizar o fluxo de energia”.
“Todos os dados são importantes para a gestão da rede, mas podem também ser importantes para a academia e outras áreas da sociedade, podendo vir a dinamizar inovação e gerar novos modelos de negócio centrados sobre o uso da energia elétrica, refere Ricardo Santos, da Direção de Aceleração Digital da E-REDES. Nesse sentido, foi lançado o portal Open Data, que disponibiliza com transparência essa informação. “Acreditamos que a colaboração e a partilha de conhecimento são essenciais para impulsionar a inovação e construir um futuro mais sustentável. Na E-REDES, estamos comprometidos em abrir as nossas portas ao mundo, promovendo uma cultura de transparência e cooperação”, destaca Ricardo Santos.
O desafio da cibersegurança…
Uma das grandes preocupações no domínio da digitalização é a questão da segurança informática dos sistemas, quer ao nível dos dados, quer ao nível da operação de rede. Uma porta de comunicação, como no caso de contadores, pode tornar-se um risco. “Havendo uma porta de entrada, é sempre também um convite para alguém com intenções menos simpáticas de poder vir a causar algum tipo de disrupção”, destaca Pedro Terras Marques, “e naturalmente que isso são preocupações de todo o grupo EDP, mas em particular naturalmente nas redes”.
A segurança cibernética é um desafio crítico. À medida que a rede elétrica se torna mais conectada e dependente de sistemas digitais, aumenta a vulnerabilidade a ataques cibernéticos. Garantir a segurança dos dados e a resiliência contra ameaças é essencial para proteger a infraestrutura elétrica
…E o desafio dos recursos humanos
“A digitalização representa um desafio significativo de recursos humanos”, lembra Ricardo Santos, “especialmente no que diz respeito à mudança do perfil técnico necessário para operar e gerir as novas tecnologias”. Engenharia de software, inteligência artificial e cibersegurança são algumas das áreas que cada vez mais entram na maioria dos setores de atividade a nível mundial, e a Energia não é exceção.
Pedro Terras Marques lembra que quando entrou na empresa, há 28 anos, os engenheiros eletrotécnicos eram a esmagadora maioria das contratações, e esse perfil mudou bastante: “Continuamos naturalmente a contratar engenheiros eletrotécnicos, mas contratamos também matemáticos, analistas de dados, especialistas em cibersegurança ou engenheiros florestais”. O diretor da E-REDES destaca que essa aposta na diversidade de perfis gera riqueza de perspetivas e complementaridade na atuação.
Para Ricardo Santos, “é fundamental que as empresas invistam na formação e requalificação dos seus colaboradores, e que invistam também na atração de novos talentos com perfis técnicos que tradicionalmente não considerariam uma carreira neste setor”. Segundo o responsável, “a digitalização também exige uma mudança na cultura organizacional, as empresas precisam de adotar uma mentalidade mais ágil e inovadora, onde a experimentação e a adaptação contínua são encorajadas”.
Compreender os Fenómenos Meteorológicos e a sua relação com as redes
Outra área em que a digitalização e a tecnologia podem ter um papel determinante é a ligação com o meio natural e a gestão de fenómenos climáticos, cujo impacto tem efeitos profundos nas redes e infraestruturas, afetando a distribuição energética aos clientes. “Uma das questões fundamentais para a gestão da rede elétrica é a permanente atualização das condições meteorológicas para os próximos dias”, indica Pedro Terras Marques.
Tempestades, inundações ou incêndios são fenómenos climáticos que impactam as redes de distribuição de energia, difíceis de serem contornados, mas a tecnologia ajuda através a antecipar problemas e constrangimentos. Pedro Terras Marques indica que “com base na previsão meteorológica para as próximas 24 ou 48 horas, previsões de produção renovável e necessidades de consumo, começamos a conseguir antecipar como é que a rede se vai comportar e antecipar possíveis constrangimentos, para tomar medidas mitigadoras que visam a minimização de riscos e maior estabilidade na distribuição de energia”.
Intercâmbio de soluções entre países
No âmbito da meteorologia, a E-REDES está a estudar as soluções que já são usadas em Espanha, tentativas de melhorar plataformas que usam imagens via satélite para dar informação sobre focos de incêndio. Essa partilha de informações entre redes de vários países é uma das vantagens de a EDP estar presente em vários continentes.
O expoente máximo deste intercâmbio é, até agora, a decisão de partilhar em três países a mesma plataforma avançada de supervisão e controlo da rede elétrica. “É a primeira vez que Brasil, Espanha e Portugal vão usar o mesmo sistema”, avança Pedro Terras Marques, o que “permite uma economia de escala particularmente interessante”. Segundo o responsável, “gerir redes tem naturalmente um contexto específico geográfico, mas o facto de termos um mesmo sistema permite resolver problemas relacionados com o suporte da infraestrutura ou desenhar planos de treino conjuntos, para que quem está a operar a rede consiga ser melhor e mais rapidamente formado”.
Um projeto português que pode, por sua vez, vir a ser utilizado noutros países é o Analytics4Vegetation, uma tecnologia que combina recolha de imagens e inteligência artificial para prever o crescimento das árvores junto às linhas e antecipar a manutenção. Um exemplo perfeito de como a digitalização torna as redes mais modernas, eficientes e resilientes, e de como é essencial à transição energética.
Energias renováveis: digitalização facilita integração na rede elétrica
O aumento contínuo das fontes de energia renováveis, crucial para a transição energética, trouxe tanto oportunidades quanto desafios para as redes elétricas. Com a diversificação e expansão dos produtores e fontes de energia em todo o território, o balanceamento energético tornou-se mais complexo, exigindo uma maior adaptação a diferentes cenários de produção e consumo.
Existem diversos caminhos e soluções. A implementação do projeto FiRMe é um exemplo disso. O FIRMe visa sensibilizar os agentes de mercado a ajustarem seus perfis de consumo e geração, consolidando a E-REDES como um facilitador no ‘mercado de flexibilidade’.
A digitalização é um processo constante na E-REDES, na procura de melhorar todas as áreas do negócio e a relação com os vários stakeholders. Segundo Nuno Medeiros, a E-REDES “tem atuado em várias frentes com uma abordagem holística e integrada”. Os objetivos são, acima de tudo:
- Digitalização dos ativos e da rede elétrica
- Digitalização das interações com stakeholders
- Digitalização das operações
- Dinamização do mercado de energia e serviços
Pedro Terras Marques
E-REDES - Direção de Gestão e Operação do Sistema
1. Como surgiu e evoluiu a digitalização no setor energético?
A digitalização surgiu no final dos anos 80 e a partir do início de 2000 começou a acelerar muitíssimo em todas as áreas da empresa, com maior impacto para o lado do cliente. Tudo aquilo que tem a ver com o rollout dos contadores inteligentes na rede de baixa tensão permitiu uma visibilidade e uma interação completamente diferentes com todos os clientes. Antigamente existiam lojas EDP um pouco por todo o lado e um contrato, uma alteração de contrato ou um pedido de ligação à rede era uma coisa que era feita manualmente, com um atendimento presencial. Hoje tudo isso já pode ser feito através do balcão digital. Outro exemplo, um cliente que ligue para o contact center com uma falha de energia, se ele já estiver provido de um equipamento de medição inteligente com telegestão ativa, nós conseguimos perceber se a avaria é dentro da instalação do cliente ou se é na rede de distribuição.
2. Que desafios coloca a digitalização?
Interligar todas as fontes de energia é naturalmente complexo, sobretudo pela sua dimensão, a gestão de informação que envolve. Em todos os contadores, um universo de 6,4 milhões de clientes, nós registamos os valores de consumo de energia de 15 em 15 minutos. Portanto, em cada hora são 4 contagens de 6,4 milhões, que depois se repetem ao longo de 24 horas por dia, ao longo de 30 dias por mês, e 365 dias por ano, só para contagem de energia. O nível de dados colectados é uma coisa absolutamente descomunal. Especificamente sobre os desafios, salientaria dois, a nível operacional: (1) coletar e analisar mais informação, com um maior automatização, permitirá gerir melhor a rede elétrica, muito suportada em sistemas de apoio à decisão, que a nova plataforma de supervisão e controlo da rede integra e que será decisiva para dar uma resposta robusta aos desafios da transição energética; (2) a questão da cibersegurança será sempre crítica e precisamos de estar muito bem defendidos para salvaguardar a rede.
3. Que inovação gostaria de ver em termos de digitalização?
Estamos particularmente focados em todas as oportunidades para que a transformação dos nossos processos possa ser a mais fluida, possa ser mais leve, possa produzir eficiências internas e possa acrescentar serviços externos. Uma das frentes de trabalho relevante em que estamos empenhados é a progressiva integração de toda a informação meteorológica na nossa plataforma de supervisão e controlo da rede, algo que será igualmente determinante para uma gestão mais eficiente e global da rede elétrica. Concretizando com um exemplo prático: alertado pela ocorrência de um incêndio e prevendo a sua evolução (direção e velocidade do vento), conseguimos antecipar eventuais impactos com a rede elétrica, e atuar preventivamente, com manobras de reconfiguração e/ou mobilização de piquetes para o terreno.