Digitalização facilita integração das energias renováveis
A transição energética permite ter eletricidade verde de diferentes fontes de energia renováveis. A digitalização é fundamental para a sua integração nas redes.
O crescimento cada vez maior das fontes de energia renováveis, essencial ao caminho da transição energética, trouxe oportunidades e desafios às redes elétricas. Com a diversificação e abrangência de produtores e fontes de energia, distribuídos por todo o território, o balanceamento energético torna-se mais complexo, com uma superior componente de adaptação a diferentes cenários de produção e consumo.
Mas à medida que os desafios foram sendo colocados, a transição energética do sector, particularmente nas redes, trouxe várias respostas. “Estes desafios são endereçados em grande medida por meios tecnológicos, afirma Hugo Miguel Pereira, da equipa de Infrastructure, Platforms & Connectivity da Direção da Plataforma Digital da E-Redes. Isso acontece “quer por via da integração de sistemas de monitorização em tempo-real no ecossistema já existente na E-REDES, quer por via da disponibilização de novas ferramentas de apoio à decisão dos operadores de despacho no seu dia-a-dia”.
Não existe transição energética sem digitalização. E também não pode haver transição energética sem redes seguras, resilientes, eficientes e inteligentes. A digitalização promove a inovação e o desenvolvimento de novos modelos de negócios, como os mercados de energia peer-to-peer e as soluções de mobilidade elétrica, que são cruciais para a transição energética.
Ricardo Santos, da Direção de Aceleração Digital da E-REDES, lembra que “todo o ecossistema associado à distribuição e transporte energia” é impactado pelas “políticas de incentivo à produção descentralizada e adoção de energias verdes”. Há uma cada vez maior “interação entre os stakeholders relevantes - comercializadores, comunidades de energia, pequenos e grandes produtores e clientes, o que só pode ser garantido de forma eficiente através de integrações 100% digitais”.
E-REDES e a flexibilidade das redes de distribuição
Além da frequente distância dos centros de produção renovável em relação aos locais de consumo, existe também a questão das necessidades da rede. Pedro Terras Marques, da Direção de Gestão e Operação do Sistema da E-REDES, lembra que existem muitos parques fotovoltaicos ou eólicos, em diferentes regiões, com diferentes capacidades e “desde 2020, todas as centrais de produção de energia renovável com uma capacidade superior a 1 MW, para se ligarem às redes de distribuição ou de transporte, têm de estar ligados ao SCADA de supervisão da rede”, gerido pela E-REDES.
Essa medida trouxe uma maior capacidade de controlo às redes de distribuição, no entanto a E-REDES tem vindo a procurar inovações que permitam assegurar o balanceamento. Uma tecnologia promissora que já está em uso é o projeto FIRMe, que recorre à chamada ‘solidariedade’, em que há um ajuste na produção ou no consumo para equilibrar. “Eu posso pedir a determinados clientes (de maior dimensão) que baixem o seu consumo para que a ponta não suba, ou para que o nível de utilização em determinada zona não seja tão elevado”, explica o responsável, “e posso pedir que em períodos em que seja muito baixa, que consumam mais. Esta solidariedade com as necessidades da rede enquadra-se dentro daquilo que nós designamos de serviços de flexibilidade”.
E o mesmo pode acontecer do lado da produção: “Se no limite houver uma situação de excesso, nós temos a capacidade de lhes enviar essa informação para que eles diminuam a sua produção”. Toda essa elasticidade do sistema elétrico ao nível da produção e consumo é assegurada por sistemas digitais que acompanham a evolução das necessidades na rede e antecipam cenários, podendo gerar alertas.
Autoconsumo: os consumidores produtores
Outro fator de equilíbrio na integração das renováveis e no equilíbrio das redes é a crescente adoção de tecnologias de autoconsumo, como o solar descentralizado. Os pequenos produtores, que reduzem o seu consumo e ainda transferem uma parte para a rede pública, quer isoladamente quer através de comunidades de energia, reduzem a pressão numa determinada zona.
Isso tanto pode acontecer numa área urbana com grandes necessidades energéticas como numa região mais distante dos centros de produção elétrica. “Havendo fios elétricos, a energia pode fluir”, descreve Pedro Terras Marques, “mas naturalmente que nós não temos interesse em produzir energia na Serra da Estrela e consumi-la em Lisboa, porque esse trânsito de energia pela rede de distribuição tem perdas muito elevadas”.
Ricardo Santos, da Direção de Aceleração Digital da E-REDES, reforça que “a digitalização apoia a descentralização da produção de energia. Com tecnologias como as microrredes e os sistemas de armazenamento de energia, os consumidores podem não só consumir, mas também produzir e armazenar a sua própria energia, contribuindo para uma rede elétrica mais resiliente e sustentável”. No fundo, qualquer kW de eletricidade produzido num telhado ou na cobertura de uma empresa é um kW que não precisa de viajar pelas redes de distribuição.
As novas tecnologias digitais vêm permitir interações mais rápidas, personalizadas e imersivas para facilitar e incentivar a integração dos clientes/produtores com os vários agentes de mercado, sejam eles agregadores, comercializadores, operadores de rede ou outros.
Mobilidade elétrica e eletrificação asseguradas
A transição energética passa pela eletrificação do consumo, pela produção renovável, mas também pela progressiva capacidade de armazenamento. Na rede de distribuição essa diversificação é sustentada pela transformação digital e pela tecnologia. “O facto de aumentarmos a eletrificação, não implica necessariamente promover uma expansão da rede”, afirma Pedro Terras Marques, para explicar que o consumo de eletricidade e o seu aparente aumento são suportados por maior eficiência quer na produção, quer no consumo, e também, pela melhor utilização da capacidade disponível da rede existente.
Parte desse consumo está a ser dirigido para a mobilidade elétrica, mas também neste ponto específico, Pedro Terras Marques defende que o sistema elétrico está “assegurado”. Por um lado, as pessoas “são criaturas de hábitos, fazem os mesmos percursos, cerca de 30 km por dia, e o carregamento noturno, em casa, é suficiente para as necessidades habituais”. Por outro lado, o consumo de energia baixa substancialmente à noite, pelo que carregamento dos veículos elétricos nesse período, permite uma maior e melhor utilização da capacidade disponível.
Há uma necessidade de aproveitar melhor a capacidade disponível nas zonas urbanas, para acelerar a mobilidade elétrica, sem necessitar de grande investimento. “Num prédio com vários andares e garagens, tipicamente, cerca de 20% da potência de alimentação desse local, está disponível para os serviços comuns e a restante, para alimentar os vários apartamentos. Contudo, durante a noite, a necessidade de consumo nos apartamentos é muito reduzida e nos serviços comuns, sobretudo nas garagens, passa a ser muito maior, com a adoção generalizada de veículos elétricos”, explica Pedro Terras Marques. Segundo o responsável da E-REDES, “está em desenvolvimento uma solução que implica o reforço do cabo de alimentação dos serviços comuns (e garagens) e com alguma tecnologia associada, permite gerar uma solução flexível. A relação de potências disponíveis 80/20 (apartamentos/serviços comuns) durante o dia, é invertida para 20/80 (ou outra relação de valores mais ajustada), durante a noite, que permite carregamentos de veículos elétricos mais rápidos”.
O facto de a maior parte das pessoas carregar o carro à noite é bom para a rede de distribuição. Porquê? Porque à noite é quando nós temos o período de vazio, ou seja, é quando o diagramas de cargas é mais baixo
Massificar e democratizar a mobilidade elétrica tem ainda alguns entraves, como a ausência de garagem ou estacionamento pessoal, para colocação de postos de carregamento. No entanto, também aqui a digitalização das redes traz outros benefícios, conseguidos já pela forma simples como os condutores de veículos elétricos conseguem carregar o seu automóvel em qualquer lado com um cartão, ou mesmo com um cartão meramente digital. Tal como a energia solar pode ser profundamente descentralizada, também a distribuição de energia elétrica a postos de carregamento pode vir a ser facilitada. “Progressivamente vamos começar a assistir a maiores capacidades de carregamento”, acredita Pedro Terras Marques, desde a “expansão de postos de carregamento ao longo das autoestradas, a projetos inovadores em desenvolvimento, como os postos associados à iluminação pública”.