Feedzai: como se constrói um unicórnio
18 Out 2021
7 min

“Éramos três tipos e um cão! Não estávamos à espera disto…”, diz Nuno Sebastião sobre a chegada da Feedzai à Liga dos Unicórnios (empresa avaliada em mais de mil milhões de dólares). Apesar de ser agora a quarta empresa portuguesa com este estatuto - e o primeiro unicórnio com o apoio da EDP -, o seu CEO não tem dúvidas que é fundamental manter os pés bem assentes na terra, como explicou à Visão: “Há dois caminhos, para cima e para baixo – só que para baixo dói muito mais e é mais rápido! O facto de estar em Silicon Valley e ver isso a acontecer todos os dias faz perceber muito bem que hoje se é o maior e amanhã não se vale nada. É preciso crescer com consistência e humildade. A diferença entre um visionário e um maluco é muito pequena.”

De Cantanhede para Silicon Valley

O agora CEO da Feedzai tinha apenas 15 anos quando saiu de casa dos pais. À data estudava em Cantanhede, onde era o melhor aluno da escola, e uma professora de Matemática alertou os pais de que o seu filho deveria prosseguir estudos em Coimbra. O pai, pedreiro, e a mãe, doméstica, ouviram o conselho da professora e deram luz verde à mudança. Ainda sem saber, começava aí o percurso de Nuno Sebastião.

Em 2001 licenciou-se em Engenharia Informática, pela Universidade de Coimbra, e mais tarde fez dois MBA, nos EUA e em Inglaterra, em Empreendedorismo e em Gestão. A sua primeira experiência profissional foi como consultor, na Deloitte, recém-saído da universidade. Três anos mais tarde, em 2005, fundou a primeira empresa, a Oristeba, especializada em software para a indústria aeronáutica.

Depois, em 2006, através do programa Contacto, entrou na Agência Espacial Europeia.
“Queria muito ir para Silicon Valley, mas acabei por ficar colocado na Agência através do programa Contacto. Nem sabia bem o que era a ESA (European Space Agency). O difícil foi fazer o percurso lá dentro, onde fiquei sete anos. Só se entra para os quadros mais tarde.

Em 2006 fui o primeiro português a entrar nos quadros, fui gerir todo o software de controlo de operações. Foi fabuloso durante três anos: gerir um budget enorme e centenas de pessoas… Mas para um tipo ambicioso, ser português não abria qualquer caminho – aquilo funciona em função das quotas de países. Nas chefias só estão alemães, italianos, franceses e espanhóis, até me chegaram a dizer para eu casar com uma alemã para ter a nacionalidade. São organizações já muito empedernidas e aborrecidas, e muito dinheiro mal gerido, e isso cria muita frustração. Ou seja, tive de sair dali.

Em 2007, comecei o MBA na London Business School e decidi que queria montar algo na área da engenharia”, disse à Visão. Daqui até ser o techie que ‘trouxe’ Stephen Hawking à Web Summit, em Lisboa, não passou assim tanto tempo.

Uma década para ser bem-sucedido

Foram precisos apenas dez anos para a Feedzai chegar à primeira liga das startups mundiais na área da tecnologia.

A Feedzai foi fundada em 2011, por Nuno Sebastião, Paulo Marques e Pedro Bizarro, e ainda que sejam todos de Engenharia, os seus currículos e experiências complementam-se. Durante cerca de dois anos, andaram a tentar perceber o que iriam fazer na empresa que estavam a criar.

Tentaram os setores das utilities, telecoms e até saúde, até chegarem à detecção de fraude. Ainda assim, mesmo depois de definida a área de atuação da Feedzai, o sucesso não foi imediato.

No arranque, Nuno Sebastião recorda que durante um ano não venderam absolutamente nada, mas um financiamento inicial de dois milhões de dólares, mudou tudo.

“Um dia um partner da Foundation Capital Kraftwer ouviu-me e gostou tanto que disse que me ia dar uma ajuda. Basicamente, mandou um email para os seus amigos a apresentar-me e abrir-me a porta para lá ir fazer o meu pitch. Isso vale ouro em Silicon Valley. Houve ali 15 dias em que gastei os sapatos a correr Sand Hill em Palo Alto, a rua onde estavam todos os venture capitalists. Mais de 20 e tal. Era nega atrás de nega, foi muito mau em termos anímicos, baixa-nos muito a confiança. Mas isto é um jogo de números, se temos algo que é bom, é continuar e alguém haveria de perceber. Só é preciso que um diga que sim e os outros vão atrás. Em dez minutos de conversa consegui a primeira ajuda, juntaram-se outros e conseguimos os dois milhões com a Sapphire Ventures, ES Ventures, EDP Ventures e a Novabase. É mais ou menos como no Shark Tank, mas na vida real”, contou à Visão.

Continuar a inovar

Atualmente a Feedzai é considerada um dos maiores especialistas mundiais na gestão de risco e prevenção de crime financeiro tornando a atividade bancária e o comércio mais seguros.
Com cerca de 500 colaboradores, monitoriza mais de cinco mil milhões de transações bancárias em todo o mundo e fornece sistemas antifraude para alguns dos maiores bancos mundiais.

Numa era em que o cibercrime está cada vez mais sofisticado - até agora, em 2021, a fraude financeira aumentou 159% e 93% destas fraudes acontecem em transações online -, a Feedzai funciona como uma espécie de detetive especializado em fraude, que em milissegundos consegue confirmar se está tudo correto numa transacção digital.

Mas esta é uma área em constante mutação: já este ano de 2021, a Feedzai apresentou ao mundo uma nova tecnologia que visa a equidade da Inteligência Artificial, a Feedzai Fairband, que foi distinguida nos World-Changing Ideas Awards da Fast Company, nos Fintech Breakthrough Awards,Asia FinTech Awards, e no The Stack - Tech for Good.

Também este ano, a empresa fez a sua primeira aquisição, com a Revelock, a plataforma biométrica comportamental mais avançada do mundo. Este investimento permite à Feedzai criar a maior plataforma de gestão de risco financeiro com Inteligência Artificial do mundo com biometria comportamental integrada.

A importância de um parceiro como a EDP

A Feedzai e a EDP cruzaram caminhos pela primeira vez em 2010. Foi nesta altura que a EDP começou a acompanhar o percurso da empresa tecnológica, sobretudo ao nível da sua tecnologia de processamento de dados e a forma como se poderia vir a aplicar ao sector energético.

De olhos postos no futuro, foi também nesta altura que a EDP Ventures começou a fazer investimentos diretos em empresas: após um trial tecnológico bem sucedido, a Feedzai acabou por ser o segundo investimento da EDP Ventures.

Para a Feedzai, ter o apoio da EDP Ventures permitiu credibilizar a empresa junto do restante mercado. “Foi muito importante para nós termos a nossa ideia credibilizada por uma empresa como a EDP Ventures.” Além disto, esta parceria serviu também de mentoria, que ajudou a guiar a Feedzai em relação ao caminho a trilhar.

Orgulhosamente portugueses

Apesar de terem escritórios em nove geografias, entre as quais Londres, Nova Iorque, Atlanta e Silicon Valley - afinal, “quem quer ganhar um Oscar também vai para Hollywood” -, a sede da Feedzai permanece em Coimbra, “com muito orgulho”.

Para Nuno Sebastião nunca foi sequer uma hipótese sair de Portugal - apesar de ter chegado a ouvir que nunca iria longe na sua carreira por causa da sua nacionalidade ou ter tido mesmo alguns investidores norte-americanos que lhe pediram que mudasse a sede da Feedzai para os Estados Unidos.

A ‘teimosia’, no entanto, levou a que fosse necessário mais tempo para atingir alguns patamares. É o caso da ronda de financiamento que transformou a Feedzai num unicórnio: “Nós, muito teimosos, queríamos fazer isto a partir de Portugal, com uma equipa portuguesa. Estávamos a assinar os documentos e, do nosso lado, estávamos só ‘tugas’: nós, a equipa de legal, a equipa interna. Do outro lado, gente de São Francisco, de Nova Iorque, de Londres, e nós negociámos tudo cá. Isso dá trabalho, tentar explicar como isto funciona”, revelou Nuno Sebastião ao Eco.

O quarto unicórnio português

“Porreiro!”. Foi desta forma que Nuno Sebastião descreveu o final da ronda de financiamento em Série D de 200 milhões, que transformou a Feedzai no quarto unicórnio português.

“Sinto-me com as mesmas meias. Ou seja, não muda nada. Já tive calls com o board, e a pergunta é: “o que vem a seguir?” Uma coisa destas não é um objetivo, é uma consequência. Hoje somos uma empresa grande e uma empresa forte. Agora, quem investiu em ti, investiu com a ambição de que pode ser ainda maior. O que disse ontem à equipa foi que, agora, os investidores vêm e perguntam: “onde está o acelerador?” Porque agora é para acelerar mais. Isso é o que muda”, contou ao jornal Eco.

O processo até ser um unicórnio fez-se de altos e baixos, vitórias e derrotas. Em alguns casos, foi a própria Feedzai que recusou algumas parcerias, de forma a garantir que investimento não significava perder o controlo da empresa.

os unicórnios portugueses
os unicórnios portugueses
os unicórnios portugueses
os unicórnios portugueses
os unicórnios portugueses
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Um pastel de nata por dia

A vida de Nuno Sebastião é passada “on the move”. Não é assim tão estranho que o pequeno-almoço seja passado numa cidade, o almoço noutra e o jantar do outro lado do mundo. Tem casa nos Estados Unidos, em Lisboa e em Coimbra. Mas casa é, para o CEO da Feedzai, “um estado mental e não um estado físico”. A mala de viagem está sempre feita. E justamente por isso, compra sempre os mesmos jeans, as mesmas t-shirts e os mesmos ténis. Para simplificar as idas e vindas.

É, apesar de tudo, um homem de hábitos. E alguns não dispensa mesmo, como o seu pastel de natal e um café Sical. Todos os dias. Esteja onde estiver. Nunca desliga. E não é porque sente que não o pode fazer. É porque não quer. Gosta daquilo que faz de tal maneira, que o esforço está em desligar. 

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