A produção de calor industrial com energia renovável, a nível global, é uma das maiores formas de combater as alterações climáticas em grande escala. E uma oportunidade única para acelerar ainda mais a descarbonização.

Anunciada na 3ª edição internacional do EDP Business Summit, a 7 de março, a parceria entre a EDP e a Rondo Energy visa estabelecer um novo mercado: o fornecimento de calor industrial limpo e acessível em grande escala, alimentado pela energia do vento e do sol. A EDP pretende desenvolver até 400MW de projetos eólicos e solares de larga escala e descentralizados para alimentar até 2GWh de baterias térmicas da Rondo, que convertem energia elétrica em calor de alta temperatura.

Os projetos solares descentralizados da EDP serão instalados junto às baterias térmicas da Rondo, numa solução sem combustão e segura para descarbonizar empresas que utilizam calor, desde indústrias alimentares, químicas e até grandes complexos industriais.

A produção industrial envolve frequentemente necessidades de calor a alta temperatura e reações químicas. Tradicionalmente, estes processos são alimentados por combustíveis fósseis, em especial o carvão, porque são económicos e estão facilmente disponíveis. Atualmente, os combustíveis fósseis queimados para produzir calor industrial libertam 15% do CO2 mundial. Para ter uma ideia, a implementação de baterias térmicas pode reduzir as emissões mundiais de CO2 em 20% e eliminar a combustão de gás fóssil em até 40%, segundo o mais recente estudo da SystemIQ sobre o tema.

Funcionamento das baterias

As baterias térmicas da Rondo capturam energia elétrica intermitente e convertem-na em calor contínuo de alta temperatura, com a opção de também fornecerem energia contínua através de uma configuração de cogeração. Uma tecnologia revolucionária explicada pelo fundador da Rondo, John O’Donnell, CEO da Rondo Energy (leia a entrevista).

Os primeiros projetos desta parceria devem entrar em operação em 2025, marcando um passo significativo rumo a um futuro mais sustentável e livre de emissões de carbono.

John O’Donnell - CEO da Rondo

Nesta entrevista, o responsável máximo pela Rondo explica qual a base desta tecnologia inovadora que armazena calor e o que podemos esperar, num futuro próximo, nesta área.

O que é que significa Rondo?

Um Rondo é uma forma de composição musical do século XVII em que a mesma melodia é repetida vezes sem conta. A minha mulher é instrumentista e, quando estávamos a criar a empresa, alguns de nós já trabalhavam há muito tempo em energias limpas e renováveis. Na altura, com outra tecnologia, já fornecíamos mais de metade de todo o calor solar industrial do mundo, e estávamos a reunir o grupo para o fazer desta nova forma.

Pode apresentar-nos a Rondo Energy, enquanto empresa e a tecnologia que usa?

A Rondo Energy está a construir infraestruturas para a indústria do século XXI. A indústria precisa de enormes quantidades de energia e, em muitas delas, o custo da energia é uma grande parte do custo de produção de mercadorias, quer se trate de fabricar tecido, plástico, comida para bebé ou aço. No século XXI, a indústria precisa urgentemente de energia com zero emissões de carbono, e esta tem de ser acessível. Durante décadas, procurámos formas de obter energia com zero emissões de carbono e as pessoas diziam que este era o setor mais difícil de descarbonizar, que nunca ia acontecer, que estávamos a muitas décadas de distância.

As indústrias eólica e solar fizeram cair o custo da eletricidade intermitente. A eletricidade solar é agora a forma mais barata de energia que alguma vez existiu, e se tivéssemos uma tecnologia de armazenamento de energia que fosse suficientemente barata, poderíamos repotencializar a indústria e satisfazer esse requisito de custo.

Então, três quartos da energia utilizada pela indústria é calor, não eletricidade. Temos feito muitos esforços para o armazenamento de eletricidade, mas só o calor industrial representa um quarto de todo o carvão, petróleo e gás natural que queimamos no mundo, pelo que precisamos de armazenamento de calor, e não de eletricidade, para o substituir. É isso que estamos a fazer na Rondo, construindo armazenamento de energia que fornece calor a partir da eletricidade.

Acontece que isso é muito mais barato e mais simples do que armazenar eletricidade por eletricidade. Todas as tecnologias de que dispomos para armazenar eletricidade recorrem à química e utilizam materiais críticos. Para armazenar calor, basta colocar um tijolo no forno. Quando este estiver quente, ponha-o na sua cama. Irá armazenar calor e manter os seus pés quentes toda a noite. Estamos nesta nova era em que a eletricidade intermitente é barata, e há agora dezenas de empresas a trabalhar na construção de baterias de calor.

A Tesla escreveu um relatório recentemente que dizia que o mundo vai ter o dobro da capacidade de baterias térmicas do que baterias de rede de todos os tipos, porque elas são a solução mais barata para descarbonizar a energia.

Na Rondo, somos as pessoas que trabalham com calor industrial há mais tempo e estávamos à procura do que poderia ser mais rápido. E a Rondo encontrou uma maneira de usar uma tecnologia de 200 anos com uma nova visão para construir essa infraestrutura para o século XXI. Armazenamos eletricidade, como calor, utilizando tijolos. E construímos equipamento industrial de energia. Construímos caldeiras industriais que se encontram em grandes fábricas, refinarias gigantes e pequenas explorações leiteiras que são alimentadas por eletricidade intermitente. Estamos entusiasmados por trabalhar com a EDP, um dos líderes mundiais na produção de eletricidade renovável, e por pegar nesta ferramenta que construímos e pô-la ao serviço dos clientes.

Porque é tão revolucionário?

O mundo precisa de calor descarbonizado, e isso é uma revolução. Todas essas outras abordagens nas quais o mundo tem vindo a trabalhar há anos significariam que o calor descarbonizado seria mais caro do que o calor atualmente. A captura de carbono, que é uma das ideias que sempre existiu, é sempre 30 a 50 por cento mais cara do que a simples queima de combustível sem capturar o carbono. Processos como a produção de hidrogénio a partir de energia elétrica têm uma eficiência de 50%, o que significa que são necessárias duas unidades de eletricidade para produzir uma unidade de calor.

Portanto, existem muitas maneiras de fornecer calor descarbonizado mas que são mais caras do que as soluções atuais. E uma das coisas que as pessoas comentam é como será o mundo descarbonizado? Será mais caro para os menos ricos das nossas comunidades comprar comida, fraldas e tudo o resto? Ou será menos dispendioso? A transição energética vai tornar o mundo mais injusto ou mais justo? Temos energia eólica e solar intermitentes que são mais baratas do que o combustível atualmente. Se conseguirmos aproveitá-las, podemos construir um mundo limpo, mas também mais justo e mais seguro. E essa é uma das coisas que nos entusiasma mais, porque o elo perdido para alcançar isso é uma tecnologia de armazenamento de energia que possamos fabricar em grande escala, que saibamos que funciona, para que possa ser financiada por clientes e por empresas que planeiam utilizá-la durante décadas.

E foi exatamente isso que conseguimos. Além disso, é possível utilizá-los sem ter de alterar a infraestrutura. As fábricas são renovadas de 30 em 30 anos. Precisamos de agir agora. Precisamos de soluções prontas para serem conectadas às fábricas que temos atualmente. E é isso que é crucial no que estamos a fazer. Outros caminhos requerem uma mudança total na forma como fabricamos algo. Muitos desses caminhos serão percorridos durante décadas no futuro. Pode parecer algo monótono, apenas usar este material de tijolo para armazenar calor. Mas acaba por desencadear uma ação muito rápida em grande escala.

O que levou a Rondo a participar nesta parceria com a EDP?

A EDP é líder global no setor das energias renováveis. É uma parceira de confiança para indústrias em todo o mundo, oferecendo-lhes soluções de descarbonização adequadas às suas necessidades. E a EDP utiliza em tecnologias solares, bem como outras tecnologias de armazenamento, para fornecer aos clientes a possibilidade de adquirir energia limpa como um serviço. Se o seu negócio é fazer comida para bebés, não precisa de saber como funcionam os painéis solares. Pode investir o seu capital no seu próprio negócio.

A Rondo construiu este tipo fundamentalmente novo de armazenamento de energia. E o nosso objetivo é fornecer estas baterias de calor. Mas é uma ferramenta. E, mais uma vez, o cliente que está a fazer comida para bebé não quer ser proprietário de baterias de calor, tal como não quer ter painéis solares. Quer que alguém lhes forneça uma fonte fiável e garantida de energia como um serviço.

Por isso, do nosso ponto de vista, vemos a EDP como um grupo super técnico com o qual nos podemos concentrar em colaborar, aprender a trabalhar em conjunto e avançar rapidamente, colocando esta ferramenta nas mãos dos clientes e fazendo com que eles a utilizem. Não podia estar mais entusiasmado.

Quais são as principais funções da bateria térmica Rondo e como é que ela realiza cada uma dessas funções?

A nossa bateria faz o que qualquer bateria de calor tem de fazer. Ela precisa de executar três funções. Em primeiro lugar, deve captar eletricidade da rede quando o vento sopra e o sol brilha. Portanto, temos de captar eletricidade de forma intermitente. E quanto mais depressa conseguirmos captar essa energia, mais barata essa energia e mais valiosa a bateria se torna. Portanto, primeiro passo, captar energia.

Segundo passo, armazenar a energia por tempo suficiente, durante várias horas, de modo a que a energia que capturámos brevemente durante o dia seja suficiente para podermos realizar o terceiro passo, fornecer energia continuamente.

A bateria de calor Rondo consome eletricidade e usa o mesmo material de elemento de aquecimento que está no balcão da sua cozinha, na sua torradeira. A eletricidade aquece os fios do elemento de aquecimento com resistência elétrica, e estes emitem energia e luz. Emitem luz infravermelha visível e uma pequena quantidade de fio do elemento de aquecimento aquece toda a superfície do pão de maneira uniforme.

No interior da bateria de calor Rondo, é exatamente assim que armazenamos energia. Uma pequena quantidade de fio de elemento de aquecimento dentro de um tabuleiro de xadrez 3D de milhares de toneladas de tijolo armazena enormes quantidades de eletricidade como calor e aquece esse tijolo a mais de mil graus Celsius. Brilha lá dentro a amarelo quente e está devidamente isolado para que se possa armazenar energia durante dias.

Construímos as nossas baterias de calor com capacidade de armazenamento de energia suficiente para que possam fornecer energia continuamente. A forma como fazem isso é fazendo circular o ar através desse tijolo superaquecido. O ar sobreaquecido sai e agora flui através de uma caldeira. As caldeiras das instalações industriais, a maior parte delas, funcionam com ar sobreaquecido. Alguns tubos transportam água que produz vapor superaquecido a partir do calor do ar. Assim, uma bateria térmica Rondo possui aquecedores elétricos dentro de um tijolo e, ao lado, uma caldeira onde o ar em circulação retira o calor, transformando-o em ar superaquecido, fazendo vapor e retornando, de modo a que seja uma caixa única com uma ligação à subestação de eletricidade do outro lado.