Não é uma equação fácil, mas tem como denominador comum o esforço coletivo de governos, empresas e cidadãos de todo o mundo. A descarbonização é o desafio que se impõe rumo a um futuro mais sustentável.
A energia sustenta a qualidade de vida das sociedades atuais, e dela dependem todos os setores nucleares do nosso dia a dia: os transportes, a saúde, a educação, sistemas de comunicação e informação, comércio, indústria e por aí fora. Por outro lado, é precisamente o setor energético, incluindo os transportes, que mais contribui para as emissões de gases com efeito de estufa (GEE), nomeadamente o dióxido de carbono (CO2). Segundo o site Our World in Data, o setor energético é responsável por cerca de 75% das emissões totais de GEE, sobretudo devido à queima de combustíveis fósseis (carvão, petróleo e gás natural).
É, pois, sobre o setor energético que é necessário atuar para reduzir e, no limite, eliminar o peso brutal deste setor nas emissões de GEE. Antes de mais, substituir as fontes de energia de origem fóssil por fontes renováveis conduzindo à descarbonização do setor. Simultaneamente, promover a eletrificação do consumo nos restantes setores, bem como a melhoria da eficiência energética. As emissões residuais terão então de ser compensadas para se atingir a neutralidade carbónica. Este dois conceitos – descarbonização e neutralidade –constituem prioridades mundiais para as próximas décadas e irão condicionar o nosso futuro enquanto sociedade e enquanto planeta.
As metas ambiciosas do Acordo de Paris para a descarbonização
Com a população mundial a aumentar de dia para dia, a ONU prevê que chegue quase aos 10 mil milhões nas próximas três décadas, e com a procura cada vez maior de energia para alimentar o crescimento económico, o desafio que se impõe é o de tentar garantir uma descarbonização urgente, que envolva o esforço de todos, desde os governos dos países, passando pelas empresas até aos cidadãos comuns.
Foi neste cenário de urgência que, em 2015, mais de 190 países se comprometeram a cumprir o chamado Acordo de Paris: combater as alterações climáticas e acelerar e intensificar as ações e investimentos necessários para um futuro sustentável de baixo carbono, tendo como objetivo limitar o aumento da temperatura global, até final deste século, a 2ºC, e preferivelmente a 1,5ºC acima dos níveis pré-industriais.
As novas tecnologias e a aposta nas renováveis vieram dar uma ajuda, ao tornar acessíveis os custos de ter energia mais limpa. “De repente, houve massa crítica mundial para forçar o acelerar das tecnologias, não do desenvolvimento tecnológico em si, mas sim de baixar os seus preços até níveis que são economicamente competitivos”, destaca Sara Goulart, da Direção de Sustentabilidade da EDP, área de Clima e Ambiente.
Objetivos portugueses ainda mais ambiciosos
Em 2016, foi apresentado pela Comissão Europeia o pacote legislativo ‘Energia Limpa para todos os Europeus’, tendo em vista o cumprimento do Acordo de Paris, a transição energética na década de 2021-2030 e, ao mesmo tempo, a promoção do crescimento económico e a criação de emprego. No âmbito deste pacote, os estados membros obrigaram-se a elaborar e entregar um Plano Nacional de Energia e Clima (PNEC), definindo as suas próprias metas de redução de GEE, com o objetivo de se atingir, a nível europeu, uma meta global de redução de GEE de 40% em 2030 relativamente aos níveis de 1990.
O PNEC de Portugal, que constitui o principal instrumento de política energética e climática para o nosso país nesta década, ainda vai mais longe: “estabelece uma meta nacional de redução de emissões de 45% a 55% relativamente ao ano de 2005”, afirma Pedro Paes da Direção de Sustentabilidade da EDP, área de Clima e Ambiente. Este plano está alinhado com a estratégia de longo prazo definida pelo Governo português no Roteiro para a Neutralidade Carbónica (RNC 2050) e que visa justamente atingir a neutralidade carbónica em 2050, através da redução de GEE entre 85% e 90% até 2050 e a compensação das restantes emissões através do uso do solo e florestas.
Mais recentemente, no final de 2019, a Comissão Europeia lançou o Pacto Ecológico Europeu (European Green Deal), com os objetivos de impulsionar o uso eficiente de recursos, passando para uma economia limpa e circular, parar as alterações climáticas, reverter a perda de biodiversidade e reduzir a poluição. Propôs-se um objetivo de redução das emissões de GEE de 55% em 2030 face aos valores de 1990, ainda mais ambicioso do que o objetivo do anterior pacote legislativo, bem como alcançar a neutralidade carbónica na União Europeia em 2050.
Da teoria à prática, há que desburocratizar
Quando os números nos mostram que 67% da energia mundial ainda é de origem fóssil, como podem os países vencer esta batalha contra as alterações climáticas? Não serão apenas as renováveis ou a eletrificação as únicas respostas para a descarbonização, mas já ajudam muito. “Também é necessário haver um diálogo muito próximo entre quem compra, quem vende e quem regula. Por vezes, aparecem soluções extraordinárias para ajudar a trilhar o caminho da descarbonização rumo à neutralidade carbónica, mas que depois não têm um enquadramento regulatório. Tudo isto demora muito tempo, até se conseguirem criar os mecanismos legais, até se conseguirem operacionalizar essas soluções extraordinárias”, conclui Sara Goulart.
A grande dependência do carvão
Aliado a este problema burocrático, é também a grande dependência do carvão o principal obstáculo encontrado no caminho para a descarbonização. É que ainda é difícil substituir o uso industrial do carvão, concentrado em países com uma indústria muito ativa -casos da China e dos Estados Unidos e também nas nações emergentes, como a Índia. A alternativa pode estar no hidrogénio, que oferece um caminho para reduzir o impacto ambiental, faltando-lhe apenas alguma maturidade para competir com os combustíveis fósseis. E também está nas outras energias renováveis, que já estão a fazer um longo e árduo caminho.
Entre os setores mais poluentes, encontramos as centrais termoelétricas a carvão como a principal fonte de emissão de poluentes. De acordo com dados do World Resources Institute, o setor da energia, que inclui a produção de eletricidade, aquecimento, transportes, indústria, edifícios e construção, será responsável por 73% das emissões de CO2em todo o mundo. Segue-se a agricultura, com 12%, o desmatamento, com 6,5%, processos industriais com produtos químicos, com 5,6%, e, por fim, os aterros e águas residuais, com 3,2%. Águas residuais, com 3,2%.
Como nem todos os países ou setores estão no mesmo nível para alcançar a tão desejada descarbonização, a União Europeia desencadeou um mecanismo a que chamou de Transição Justa, “uma ferramenta essencial para garantir que a transição para uma economia com impacto neutro no clima se faça de modo justo e sem deixar ninguém para trás”, destaca Pedro Paes. Entre 2021 e 2027, a União Europeia prevê disponibilizar uma verba de 100 mil milhões de euros de apoio às regiões mais carboníferas para minimizar o impacte socioeconómico da transição energética.
Um problema chamado carbon budget
“É, por isso, muito importante que os Estados Unidos e a China, sobretudo, se comprometam a cumprir as metas do Acordo de Paris”, destaca Pedro Paes. Na verdade, ambos os países já demonstraram essa vontade. Atualmente, depois da saída de Donald Trump, Joe Biden recuperou o Ambiente para a agenda política dos Estados Unidos, ao voltar a aceitar o Acordo de Paris. Também a China já assumiu compromissos de redução e neutralidade carbónica até 2060.
Mas ainda assim o cenário não é risonho. Porquê? Pedro Paes responde com o problema do carbon budget (orçamento do carbono) -a quantidade de emissões de dióxido de carbono permitida ao longo de um período de tempo para que o aumento da temperatura média se mantenha dentro de um determinado limite, um equilíbrio que ainda está longe de ser atingido, segundo este especialista. “Mesmo que todos os países cumpram aquilo que assumiram no Acordo de Paris, eu diria que, com os valores que temos atualmente, a temperatura irá subir na ordem dos 3ºC até 2100, acima dos valores pré-industriais. Portanto, não será inferior aos 2ºC, como está previsto nesse mesmo acordo”. E isso poderá trazer consequências catastróficas para o planeta, com o aumento do nível das águas do mar e o aumento da frequência e intensidade dos fenómenos climáticos extremos: secas, inundações, ventos fortes, incêndios florestais, entre outros.
Liderar pelo exemplo
A EDP está a contribuir para acelerar o processo da transição energética através de uma estratégia de descarbonização exigente, cujo objetivo é o de tornar-se uma empresa 100% verde em 2030. Um compromisso ambicioso, alavancado sobretudo num crescimento sem precedentes das renováveis.
“Para a EDP, não se trata apenas de levar energia às comunidades, mas sim de contribuir para que estas comunidades possam ter vidas mais sustentáveis”
Miguel Stilwell d’Andrade, CEO da EDP
Além desta meta, a EDP assumiu ainda outros objetivos: internamente, contribuindo para a redução da sua pegada carbónica, através da eletrificação total da frota de veículos ligeiros até 2030, e a compensação de emissões de GEE referentes aos consumos de energia nos edifícios administrativos; externamente, orientados para a oferta de produtos e serviços sustentáveis aos clientes, com destaque para a produção solar distribuída, a mobilidade sustentável e iniciativas de melhoria da eficiência energética em todos os setores de atividade.