Centrais a carvão: uma luta pelo equilíbrio
30 Maio 2018
7 min

É bem conhecida a necessidade de abandonar os combustíveis fósseis e optar cada vez mais por energias renováveis, em direção à descarbonização da economia e aos objetivos estabelecidos no Acordo de Paris.

O caminho da descarbonização implica uma alteração profunda ao modelo económico atual, baseado em combustíveis fósseis. Será necessária uma forte aposta em eficiência energética e inovação e a eletrificação baseada em renováveis.

gráfico energias

O peso dos combustíveis fósseis no mix energético deverá reduzir-se progressivamente, esperando-se que em 2040, o petróleo, carvão e gás natural representem apenas cerca de ¼ do consumo de energia primária. As energias renováveis ganharão, cada vez mais peso no consumo de energia no mundo.

O que fazer até que este cenário se altere? Até que se desenvolva tecnologia suficientemente barata, e em larga escala, que permita captar energia renovável em várias frentes e que corresponda às necessidades energéticas cada vez maiores da população mundial — qual é o caminho? Por parte dos utilizadores, passa por reduzir o consumo de energia no dia a dia; por parte dos produtores, continuar a apostar no desenvolvimento das energias renováveis, minimizar os impactos do recurso a combustíveis fósseis e encontrar estratégias para “compensar” o Planeta relativamente aos danos causados.

Que resíduos produzem as centrais a carvão?

Para compreender de que forma se podem minimizar os impactos ambientais das centrais termoelétricas (as que produzem eletricidade a partir da queima de carvão), temos de conhecer melhor esses mesmos impactos.

Sabe como se produz eletricidade numa central térmica a carvão? 

De forma muito resumida: o carvão finamente moído é introduzido e queimado em grandes caldeiras, cujo calor serve para aquecer água. Por sua vez, esta água aquecida a altas temperaturas liberta vapor, que faz mover turbinas. E é o movimento das pás dessas turbinas que vai então ativar um gerador e produzir a eletricidade, que depois será transformada na corrente elétrica comum, que utilizamos nas nossas casas.

E quais são os resíduos produzidos por este processo? A maioria das pessoas vê a libertação de gases poluentes e o aquecimento global como os fatores mais preocupantes que advêm da utilização de carvão para produzir energia. Mas existem, na verdade, para além dos gases poluentes (como o óxido de enxofre e óxido de azoto), três resíduos sólidos que resultam da combustão do carvão:

  • as chamadas cinzas volantes, que são as que pairam no ar após a combustão;
  • as cinzas de fundo, que resultam da queima do carvão e se depositam no fundo das caldeiras, como o nome indica;
  • o gesso, que resulta do processo de captura do óxido de enxofre nos gases. O enxofre tem de ser capturado por ser poluente, tóxico e irritante para as vias respiratórias. Do processo químico da sua captura resultam toneladas e toneladas de gesso.


Estes produtos “sólidos” (cinza e gesso) podiam simplesmente ser ignorados, ou encarados como “resíduos”, perante os quais pouco havia a fazer. Mas com a introdução do conceito de “carvão limpo”, as centrais térmicas começaram a aplicar tecnologias capazes de fazer o reaproveitamento destas matérias, ou em alguns casos a sua contenção, impedindo que sejam libertadas na natureza.

Conter as cinzas

Um exemplo da tecnologia empregue para impedir que as cinzas se propaguem pela atmosfera e provoquem fenómenos como as chuvas ácidas, tão faladas nos anos 80 e 90, são os chamados despoeiradores eletroestáticos. Trata-se da instalação de placas no circuito dos fumos que atraem as cinzas e as encaminham para silos de armazenamento.

Por sua vez, as cinzas de fundo também podem ser armazenadas e reutilizadas, caso as caldeiras das centrais sejam equipadas, por exemplo, com um sistema de remoção húmido das cinzas de fundo.

Em vez de serem simplesmente depositadas em aterros, estas cinzas podem ser reaproveitadas, como ocorria na Central Termoelétrica de Sines, onde se enchiam 15 a 20 camiões de cinza diariamente. 

Esta matéria serve para diversos fins, nomeadamente para a área da construção. Por exemplo, os estádios de futebol em Portugal, feitos para o Euro 2004, foram construídos com cinza proveniente desta central. 

Transformar para reutilizar

A dessulfuração (deSOX) é mais uma forma de devolver ao Planeta parte daquilo que se consome ao gerar eletricidade a partir de combustíveis fósseis. O termo dessulfuração designa um processo químico que transforma dióxido de enxofre (SOx, um gás poluente) numa matéria prima que pode ser aproveitada para as mais diversas utilizações: o gesso. A central térmica de Sines tinha esta tecnologia integrada e produzia 15 a 20 camiões de gesso por dia. Vamos ver como funciona?

dessulfuração
dessulfuração mobile
gráfico dessulfuração
gráfico dessulfuração mobile
gráfico dessulfuração
gráfico dessulfuração mobile
gráfico dessulfuração
gráfico dessulfuração mobile

Assim, além de produzir energia elétrica, a central de Sines foi uma autêntica “fábrica de gesso”, potenciando o reaproveitamento deste resíduo, que de outra forma ficaria depositado em aterros. No ano de 2017, para um consumo de carvão de cerca de 3,6 milhões de toneladas, foram produzidas 140 mil toneladas de gesso, que foram vendidas no mercado nacional e internacional para as diferentes utilizações, nomeadamente pladurs ou outras aplicações.

Purificar a atmosfera

Tal como o dióxido de enxofre, do qual já falámos, os gases poluentes resultantes da queima do carvão incluem ainda óxido de azoto (NOx). Este gás para além de estar na base da produção de ácido azótico, responsável pelas chuvas ácidas, é prejudicial para a saúde ao nível do sistema respiratório.

O aparecimento de diretivas europeias que impuseram limites baixos à emissão destes gases levou ao desenvolvimento de novas tecnologias que fossem capazes de os eliminar de forma eficaz. É o caso da tecnologia de desnitrificação (deNOx): redução catalítica seletiva, ou SCR – Selective Catalytic Reduction.

O SCR é um método para converter o óxido de azoto (NOx) em azoto (N7 — que encontramos naturalmente na atmosfera) e em água, com a ajuda de um catalisador. É uma das tecnologias de redução de óxido de azoto com maior custo-benefício, já que a sua eficiência na eliminação do gás poluente pode atingir os 90%.

gráfico desnitrificação
gráfico desnitrificação mobile

Central de Sines

A Central Termoelétrica de Sines foi uma central convencional da EDP que utilizou como combustível o carvão fóssil importado, com baixo teor de enxofre. Com uma potência total instalada de 1.256 MW, era constituída por quatro grupos geradores idênticos, independentes entre si, cada um com uma potência elétrica unitária de 314 MW.

O primeiro grupo gerador entrou em funcionamento em 1985 e, a funcionar em pleno, respondia a cerca de 15% do consumo de energia de Portugal inteiro. Além de se ter tratado de uma das mais recentes centrais na Península Ibérica, Sines esteve no top 3 das centrais a carvão mais eficientes da Península.

Nas emissões de CO2, em 2017, devido a uma elevada eficiência de 37,8%, a central de Sines apresentou um fator de emissão de CO2 de 0,89 TonCO2/MWhe (emissão de 8.396,3 ktonCO2 para 9.426 GWh de eletricidade gerada), que terá sido dos mais baixos da Península Ibérica.

A ajudar esta eficiência esteve o investimento ambiental em tecnologia de dessulfuração e desnitrificação. Com um investimento de 180 M€, a dessulfuração em Sines ficou concluída nos finais de 2008 e permitiu reduzir em mais de 90% as emissões de óxidos de enxofre. Ao nível Ibérico, a EDP tem mais duas centrais a carvão em Espanha: Soto Ribera e Aboño. Apesar de mais antigas do que Sines, foram as primeiras a implementar a tecnologia de dessulfuração e desnitrificação, com um investimento total de 112 M€ (92 M€ em deNOx), Aboño finalizou a desnitrificação em 2016 e Soto em 2017.

Já a implementação do processo de SCR (Selective Catalytic Reduction), em 2011, requereu um investimento adicional de 100 M€ em Sines, mas permitiu reduzir significativamente (acima de 80%) as suas emissões de óxidos de azoto.

O resultado deste esforço? Mais confiança e mais reconhecimento, das entidades competentes materializadas em certificações ambientais pela Norma ISSO 14001 e Registo pelo Regulamento Comunitário de Ecogestão e Auditoria.

 

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Nota: A EDP concluiu em dezembro de 2020 o processo de venda de um portefólio de seis centrais hídricas a um consórcio de investidores liderado pela Engie. O portefólio de seis barragens na bacia hidrográfica do Douro envolvidas nesta operação inclui três centrais de albufeira - Foz Tua, Baixo Sabor e Feiticeiro, e três centrais de fio de água Picote, Miranda e Bemposta.