Levar a eletricidade a todos
Chegar a casa e acender a luz é um gesto simples, um direito que tomamos como adquirido. No entanto, 789 milhões de pessoas vivem sem esse direito. Estender o Acesso à Energia a todas as regiões, em todos os continentes, pela aposta nas energias renováveis, é levar conforto às famílias, mas também ao planeta.
É praticamente impossível imaginar a vida moderna sem energia elétrica. Basta pensar naquilo que fazemos e nos eletrodomésticos que usamos logo ao acordar, para ‘desistir’ desse exercício. Contudo, segundo a ONU, ainda há cerca de 789 milhões de pessoas que vivem sem qualquer acesso a eletricidade, cerca de 10% da população mundial. Mais do que toda a população da Europa, e uma vez e meia a da União Europeia.
Há mais pessoas sem acesso a eletricidade no mundo do que toda a população da Europa.
Para centenas de milhões de pessoas, principalmente na África Subsariana, a eletricidade ainda é um sonho adiado. Mas o acesso a energia limpa e a custos acessíveis é um dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU para 2030. Compromisso político, planeamento energético, financiamento e incentivos fiscais adequados são as principais forças dinamizadoras do progresso internacional e cooperação nesse sentido.
As últimas décadas trouxeram um salto qualitativo significativo nesta área. Se em 1990 quase 30% da população mundial não tinha eletricidade (cerca de 1,5 mil milhões de pessoas); em 2010 o número já tinha baixado para 1,2 mil milhões, uma percentagem de cerca de 16%, que continuou a descer até aos 10% atuais.
Em 1990, quase 30% da população global não tinha energia elétrica. Hoje está nos 10% e localiza-se, principalmente em África.
O grande impulso foi sentido na Ásia - particularmente na Índia. E mesmo na região mais complexa, a África Subsariana, a subida da eletrificação de casas e comunidades foi superior à da população, que continua a crescer mais nesse continente do que em todos os outros.
Novo esforço no Acesso à Energia devido à Covid-19
A pandemia de Covid-19 veio baralhar um pouco estas contas, quer pelo provável abrandamento de alguns programas de investimento internacional, quer pelo aumento das dificuldades socio-económicas. As projeções mais pessimistas da Agência Internacional de Energia (IEA na sigla em inglês) apontam mesmo para um aumento substancial de pessoas sem energia na África Subsariana, que pode passar dos 580 milhões de 2019 para 660 milhões ou mais em 2030, o ano apontado pela a ONU para cumprir os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável.
No entanto, tanto a IEA como a ONU, e outras instituições um pouco por todo o mundo, entendem que os desafios da pandemia podem e devem ser transformados em oportunidades nos países em que o Acesso à Energia é ainda um objetivo.
A pandemia veio reforçar a importância do Acesso à Energia como forma de lidar com situações de emergência, mas também para facilitar a recuperação económica.
A organização Sustainable Energy for All (SEforALL), que atua em parceria com a ONU - e na qual a EDP está diretamente envolvida desde o início - definiu mesmo um programa a que chamou ‘Recuperar melhor com energias sustentáveis’. A ideia subjacente a esta iniciativa é a de reforçar a aposta nas energias renováveis nos pacotes de ajuda e estímulo económico dos países em desenvolvimento, tanto ajuda a melhorar as metas de sustentabilidade e de Acesso à Energia, como pode facilitar a própria recuperação económica.
Há dois eixos considerados prioritários no programa da SEforALL:
- Eletrificação da Saúde, uma área em que a Covid-19 pôs mais a nu os problemas de vários países, onde mesmo em grandes hospitais a energia elétrica pode ser deficitária.
- Criação de soluções fora da rede. É uma aposta que já tem sido feita, nomeadamente devido à existência de comunidades em zonas remotas, longe da distribuição de energia, mas que pode e deve ser reforçada.
Energia não é só eletricidade
Os quase 800 milhões de pessoas sem acesso a energia elétrica são o problema maior a resolver com o ODS 7, mas não o único. Há cerca de 2,8 mil milhões de pessoas com dificuldades energéticas na cozinha e na alimentação, principalmente em áreas muito rurais de países menos desenvolvidos, segundo um relatório da IEA. Significa isto que há centenas de milhões de pessoas que até têm acesso a eletricidade, mas não têm recursos ou equipamentos para a usar além da iluminação.
Cerca de 2,8 mil milhões de pessoas não têm acesso a energia adequada para cozinhar. E morrem milhões todos os anos por exposição a fumos nocivos.
A utilização de carvão, madeira, querosene ou resíduos agrícolas, como combustível em fogões e fogueiras tradicionais, acarreta riscos elevados para a saúde, seja no longo prazo ou como causa de acidentes e incêndios. Segundo estimativas da OMS, 3,8 milhões de mortes em 2016 foram causadas por poluição doméstica, diretamente ligada à cozinha.
No relatório da IEA, de 2019, são referidas 2,5 milhões de mortes prematuras, ainda assim um número extremamente elevado. E destacados em ambos os estudos, mas sem dados, estão os milhões de pessoas que desenvolvem doenças relacionadas com a exposição a fumos nocivos, particularmente mulheres e crianças.
Mais uma vez, a África subsariana destaca-se pela negativa, com cerca de 900 milhões de pessoas sem acesso a ‘cozinha sustentável’. Também a Ásia, principalmente Índia e China, estavam ainda um pouco atrás há dois anos, mas já com bastantes planos em marcha e com taxas de redução acentuadas na utilização de combustíveis poluentes e perigosos na cozinha.
Renováveis são o caminho a seguir
Segundo um relatório da Agência Internacional de Energia (IEA na sigla em inglês), “a forma mais acessível de atingir a eletrificação em muitas zonas é através das fontes renováveis”. E se, por um lado, deve continuar o esforço de introduzir renováveis nas redes de distribuição em geral, “a redução de custos no solar fotovoltaico para sistemas independentes ou mini-redes é a chave para disponibilizar eletricidade barata a milhões de pessoas” de regiões remotas. A agência acredita que estas soluções descentralizadas podem representar metade dos novos acessos da população em geral à energia, até 2030.
Criar um sistema energético de raíz em zonas desprovidas de eletricidade permite pensar e projetar já com o futuro em mente, focar no ambiente, na resiliência das populações e na própria evolução económica e demográfica de uma determinada região. A experiência e os modelos das redes elétricas implementadas na Europa e na América do Norte, juntamente com as inovações das energias renováveis, ajudam a saltar etapas e evitar os efeitos secundários da produção elétrica tradicional.
Recentemente, mais de 20 ministros de países que a ONU considera ‘Campeões Globais’ na mobilização pelo Acesso à Energia, fizeram um apelo a ações relacionadas com a adoção de energias renováveis e sustentáveis, para se cumprirem os ODS até 2030. Essa chamada coletiva surge na forma do Diálogo de Alto Nível da ONU Sobre a Energia, um encontro que vai ocorrer em setembro de 2021, em paralelo com a Assembleia Geral das Nações Unidas. É a primeira vez em 40 anos que este encontro, organizado em parceria com o SEforALL, se realiza, e espera-se que mais países se juntem ao apelo ministerial lançado em março de 2021. Tudo em nome da transição energética e do reforço das renováveis, como forma de melhorar o ambiente e de chegar a quem ainda não tem acesso a energia.
Energia como catalisador de vários setores
Diminuir o fosso energético nos países em desenvolvimento pela via renovável - garantindo em conjunto, ou paralelamente, o acesso a água potável, alimentação e cuidados de saúde -, tem efeitos em toda a cadeia de valor de uma sociedade. A energia sustentável também alimenta a agricultura, o comércio e a indústria, e melhora a educação, criando prosperidade, emprego e oportunidades. Além disso, ajuda a travar a degradação ambiental e no combate às mudanças climáticas.
O 'simples' Acesso à Energia pode impulsionar a economia, educação e emprego de um país, ajudando ainda no combate às mudanças climáticas.
Em 2015, o ano em que os ODS foram aprovados por 193 países, o Fórum Económico Mundial indicava que uma família de um país desenvolvido precisa de apenas 4 horas de fornecimento energético constante para ser considerada como estando no primeiro nível de acesso. Algo que para qualquer cidadão europeu é garantido.
Mas essa classificação e perceção muda totalmente de país para país. A Índia, por exemplo - que fez um grande progresso no Acesso à Energia, chegando a 99% da população em 2019, segundo a IEA -, considerava uma aldeia ou vila como estando eletrificada mesmo que apenas 10% das casas tivessem ligação à rede. Só a partir de 2019 começou a aposta no alargamento a mais casas e não apenas a localidades no país.
Tal como a ONU e todas as organizações envolvidas nos ODS preconizam para a recuperação da pandemia, o atraso no Acesso à Energia deve continuar a ser combatido, para que as nações e populações possam sair do ciclo de pobreza e entrar na rota da prosperidade. Como tal, como folhas quase em branco, os países menos desenvolvidos, apoiados pela comunidade internacional, devem aproveitar para escrever a sua própria história energética, focados na sua resiliência, mas também na de todo o planeta.